A análise ecossistêmica e energética de projetos agrícolas
e o Desenvolvimento Sustentável.
Enrique Ortega
FEA, Unicamp, CP 6121
CEP 13083-970 Campinas, SP
A energia, provinda de fontes externas ou internas, é o substrato essencial para a operação e conservação dos sistemas, de todos eles. Este enunciado vale tanto para a Biosfera, como um todo, quanto para os biomas e ecossistemas terrestres, e aplica-se também aos sistemas antrópicos, entre quais os sistemas agrícolas. Assim sendo, considerando que tudo é energia, porém em diversas formas de estado, organização ou manifestação, a medição da energia pode constituir um padrão de medida dos estoques e fluxos que existem nos sistemas (Odum, 1971, 1983, 1996; Odum & Odum, 1981).
A valoração da energia de um recurso (seja um bem ou um serviço, seja da natureza ou da economia humana) deve respeitar as leis que regem os processos energéticos que ocorrem nas diversas etapas da cadeia de transformação necessária à produção. Se em cada etapa de conversão há um gasto energético, o produto final representa todas as energias disponíveis gastas na sua obtenção. Em comparação com este valor integral (que podemos denominar "energia agregada") o valor calórico do produto (energia) pode ser, comparativamente, pequeno. A relação entre ambos valores nos da uma idéia da eficiência sistêmica da sua produção (energia do produto/ total de energia empregada na produção). A relação inversa desta eficiência define-se como "Transformidade".
A agricultura, como todos os sistemas, depende de fontes externas e internas de energia, as quais podem ser renováveis ou não. A proporção de energia renovável usada em relação à energia total consumida constitui o índice da renovabilidade ou sustentabilidade energética do sistema, o qual avalia quantitativamente a adequação dos sistemas agrícolas ao Desenvolvimento Sustentável (Ortega, 1997ab; Ortega, 1998ab, Ortega & Polidoro, 1998).
O mundo enfrenta o dilema de escolher entre uma "Nova Revolução Verde", baseada em energia de combustíveis fosseis, agudizando os problemas ambientais, econômicos e sociais, ou caminhar na direção da "Agricultura Sustentável", com métodos orgânicos ou biológicos, para obter gradualmente a independência das fontes não renováveis. O esgotamento de fontes preciosas de energia de muito lenta reposição (o solo e a biodiversidade) parece indicar que as técnicas agroecológicas poderão constituir o eixo principal da economia no futuro (Campbell, 1997; Constanza et al. 1997; Odum, 1998; Odum & Brown, 1998; Brown, 1998; Ortega, 1998b).
Vivemos o paradoxo de os países desenvolvidos serem insustentáveis e os não desenvolvidos terem um maior grau de uso de recursos renováveis (Ulgiati et al., 1994; Ulgiati et a., 1998). Os países centrais acabaram, vários séculos atrás, com suas florestas e outros recursos naturais. Se não mudarmos a situação exploração vigente seguiremos a ver a transferência dos recursos naturais da periferia para o centro, até seu eventual esgotamento, e a proliferação de situações de empobrecimento dramáticas.
Precisamos de metodologias que permitam analisar e comparar, de maneira adequada, as alternativas tecnológicas que se oferecem aos agricultores. Uma nova contabilidade econômico e ambiental, que utilize, como medida comum, o equivalente energético de cada recurso empregado, e obter os índices de produtividade e sustentabilidade das técnicas de produção rural (Mitsch, 1989 e 1995).
Existem vários métodos científicos que levam em conta, em menor ou maior grau, a Termodinâmica, a Energética dos sistemas biológicos e a Economia para avaliar os sistemas agrícolas e agro-industriais. Alguns pesquisadores de formação agronômica usam métodos de análise de "energia seqüestrada", que leva em conta apenas a energia dos insumos materiais (Pimentel, 1989; Fluck & Baird, 1992). Nas pesquisas que realizamos usamos a metodologia sistêmica denominada "análise de emergia" (Odum, 1986). A emergia: escrita com "m", é definida como toda a energia disponível usada na obtenção de um produto, incluindo os processos da natureza e os humanos, em outras palavras a "energia agregada" (Scienceman, 1987, Odum, 1986). A emergia costuma-se expressar em termos de Joules de energia solar equivalente (sej).
A metodologia emergética (Odum, H.T., 1996) tem fundamentos na Física e na Biologia (Lotka, 1922ab), na Teoria Geral de Sistemas (Von Bertalanffy, 1968), na Ecossistêmica (Odum, E., 1963 e 1969) e apesar de ter apenas duas décadas de vida oferece um grande potencial de análise e, junto com outras ferramentas científicas modernas, apresenta-se como alternativa metodológica para avaliar os sistemas atuais e planejar sistemas mais sustentáveis. A análise emergética está capacitada para valorar a Biodiversidade, questão que é uma das suas prioridades de pesquisa neste momento.
Usando a analise emergética de Odum (1996), pode-se comparar os principais sistemas agrícolas dos diversos domínios geográficos do país. É conveniente fazer uma boa descrição dos sistemas produtivos (incluindo aspectos sociais e antropológicos) antes de fazer as analises de eficiência energética.
Na análise emergética se consideram todos os insumos, incluindo as contribuições da natureza (chuva, água de poços ou nascentes, solo, sedimentos, biodiversidade) e os fornecimentos da economia (materiais, maquinaria, combustível, serviços, pagamentos em moeda, etc.) em termos de energia agregada (emergia) e todos os produtos do sistema estudado em termos de energia calórica (Joules).
Para tal, se transformam os dados dos "inputs" em seu equivalente em solar energia equivalente (sej), usando os fatores de eficiência denominados "transformidade" disponíveis na literatura cientifica (Odum, 1996).
(kg / ano ha) x Transformidade mássica (sej / kg) = sej / ano ha
(Joules / ano ha) x Transformidade energética (sej / J) = sej / ano ha
Quando não for possível usar valores de fluxos ou estoques em unidades de massa (kg) ou de energia (Joules), e contarmos apenas com fluxos monetários, poderemos converter os fluxos monetários em fluxos equivalentes de emergia, multiplicando-os pela a razão (PNB em dólares/emergia do país no ano de referência) obtida a partir dos valores do Censos Nacionais (Coelho et al., em Ortega, Comar & Safonov, 1999).
($ / ano ha) x Transformidade monetária (sej / $) = sej / ano ha
Para fins de diagnóstico se usam os índices de emergia: razão de rendimento (EYR), razão de investimento (EIR), razão de carga ou impacto ambiental (ELR), razão de intercâmbio emergético (EER), entre outros, para poder fazer uma correta apreciação das diversas propostas agrícolas, as quais variam no uso de fatores agroquímicos e orgânicos.
Os resultados permitirão discutir políticas públicas (taxas de uso de recursos, impostos por poluição, subsídios por emissão de efluentes de boa qualidade, etc) que sejam benéficas para a comunidade e o ambiente, atendendo as diretrizes mundiais, nacionais, estaduais e municipais em relação à sustentabilidade, expressa nos diversos documentos programáticos da Agenda 21 (MMA, 1999; Odum, 1998).
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