Bombeiras, técnicas de TV a cabo, motoristas de ônibus, mulheres na construção civil, nas forças armadas ou trabalhando como mecânicas de carros, engenheiras, físicas e matemáticas. Elas estão cada vez mais presentes em profissões tradicionalmente masculinas. Pais que cedo levam seus filhos para a escola ou passeiam pelos parques e nas praças com seus filhos. Mudanças na presença de gêneros compõem o cotidiano na cidade de Vancouver, no Canadá, e que chamam atenção de uma brasileira desacostumada a notar sua presença no país natal e que, certamente, são também notados pelas novas gerações.
País com maioria feminina, com expectativa de vida que chega aos 84 anos, contra 80 para homens, e taxa de fertilidade de 1.6, segundo dados da OCDE de 2013, o Canadá está entre as dez nações consideradas de alto desenvolvimento humano e com índice de desenvolvimento de gênero na casa dos 0.983 e com expectativa de investirem um ano a mais na escola (16.8) do que os homens. Ainda assim, há ainda muitos desafios para as mulheres canadenses.
Um deles se refere à escolha pela maternidade. Retornar ao trabalho depois de uma licença maternidade de 52 semanas (que pode ser compartilhada com o pai) pode ser complicado e caro. As escolas públicas só estão disponíveis para crianças a partir dos 5 anos, o que significa pagar por uma escola privada, contratar uma baby-sitter ou - mais frequentemente - parar de trabalhar neste período ou optar por um trabalho meio-período. Com isso, inúmeras mulheres qualificadas ficam de fora do mercado de trabalho por um bom par de anos. Este quadro certamente contribui para taxas per capita anuais 36% menores para as mulheres (CAD$33 mil ou cerca de R$81 mil) e presença maioritária nos trabalhos de meio-período (75%), um terço em função da maternidade.
Com relevância crescente na composição da agenda política do país e de suas instituições, a questão de gênero acalorou os debates nas campanhas eleitorais para premiês (líderes das províncias) deste ano, compõe os relatórios e estatísticas das universidades, o censo nacional e é tema diário no jornalismo.
Mulheres na ciência
O Ministério da Ciência é dirigido pela cientista Kristy Duncan <https://www.canada.ca/en/government/ministers/kirsty-duncan.html>, mas outros 14 dos 29 ministérios que compõem a equipe do primeiro ministro Justin Trudeau, incluindo o ministério do Status da Mulher no Canadá, são comandados por mulheres indicando uma real preocupação com esta questão no governo.
Assista ao video com depoimento da ministra da ciência do Canadá para promover a campanha Choose Science.
A ministra Kristy lançou, em fevereiro deste ano, a campanha “Choose science” (escolha a ciência) para incentivar meninas a explorarem e optarem pela ciência, tecnologia, engenharias ou matemática (a chamada STEM), áreas nas quais as diferenças entre gêneros são maiores. O programa também é voltado para familiares e professores apoiarem meninas nesta direção. Kirsty, que é também modelo para a campanha, afirma ter recebido tratamento discriminatório por ser cientista. “Em 2017, [as mulheres cientistas] continuam a sofrer as mesmas degradações, marginalização e desafios que eu sofri”, afirmou em entrevista recente para o jornal Globe and Mail.
No Canadá existem cerca de 1,4 milhão de profissionais em serviços técnico e científicos, dos quais 42,7% são mulheres, de acordo com dados do governo. Quando a análise se volta para os 604 mil cargos universitários nas ciências exatas, tecnologia, engenharias e matemática (STEM), o número cai para 22,7%.
Um olhar feminino para a SFU
Na Simon Fraser University (SFU), onde desenvolvo minha pesquisa, há um presidente (equivalente ao nosso reitor) e onze reitores (equivalente aos nossos pró-reitores) que administram a instituição, dos quais seis são liderados por mulheres.
Entre os alunos, as mulheres são maioria em 8 de 10 áreas, somando 54% do total de estudantes, de acordo com os dados do final de 2016 (igual ao nível nacional). Mas elas ainda são minoria nas engenharias (16,6%), embora estejam presentes de forma equivalente nas ciências (física, química e biologia), somando 49,9%. A diferença diminui na pós-graduação, contrariando a tendência global. Elas são 25,2% dos mestres e 22,4% dos doutores formados nas engenharias (superior aos 15% em nível nacional). Na ciência, o quadro é mais positivo, chegando a 47,3% de mestras e 40,6% de doutoras no ano 2015/2016 (superior à média nacional de 34%). Nas artes, ciências sociais, ciências humanas, comunicação, educação, área de saúde e ambiental, elas dominam em todos os níveis.
Mas quando analisamos o perfil de docentes da SFU, elas compõem 27,6% dos professores (cargo mais alto), 37,6% dos professores associados e 46,7% dos professores assistentes. Elas só são maioria entre os professores da educação, o que indica que esforços serão necessários para mudar, em médio e longo prazo, o chamado teto de vidro, no qual a ascensão feminina fica mais rara nos cargos mais altos.
Ter dados anuais de fácil acesso para a comunidade deixando claro o perfil demográfico de estudantes, professores, pesquisadores e funcionários ajuda a traçar políticas e avançar em direção à equidade de gênero. Mas ações afirmativas são fundamentais para acelerar mudanças concretas. Um passo importante partiu da Associação de Professores da SFU que investigou, em 2014, as diferenças salariais existentes entre gêneros realizando as mesmas funções de docência. Em setembro de 2016, a SFU divulgou acordo estabelecido entre a Associação de Professores e a presidência da universidade, que determinou aumento de 1,7% para todas as docentes mulheres, que trabalham em período integral, em todos os níveis de carreira. A SFU também estabeleceu um fundo de CAD$4,8 milhões (cerca de R$12 milhões) para compensar as diferenças salariais existentes entre docentes mulheres ao longo dos anos. Tal esforço partiu de um estudo realizado pela Universidade de British Columbia (UBC) em 2013 que apontou para diferenças salariais entre docentes.
A questão de gênero poderia ser mais um item levado em consideração nos rankings universitários, como uma forma de incentivar e valorizar ações de equidade. No Canadá, ações tentam na prática enfrentar as diferenças entre gêneros nas diversas camadas sociais. É animador ouvir a conversa entre mãe e filha em um centro comunitário. A mãe faz a clássica pergunta para sua filha, com idade de cerca de 8 anos: “O que você quer ser quando crescer?”, ao que ela responde sem pestanejar: “Bombeira”. Por um futuro onde as meninas, jovens e mulheres sejam incentivadas a ser o que quiserem e tenham possibilidades concretas e justas para exercer sua profissão.
DADOS E FATOS SOBRE O CANADÁ.
Links citados no quadro.
Society for Canadian Women In Science and Technology (SCWIST)