Edição nº 643

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 09 de novembro de 2015 a 15 de novembro de 2015 – ANO 2015 – Nº 643

Para manter a pressão controlada

Farmacêutica desenvolve método simples que identifica casos de falta de controle da PA

A Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp é um dos poucos centros no Brasil que atende especificamente pacientes com quadro de hipertensão arterial de difícil controle, dispondo para tanto do Ambulatório de Hipertensão Resistente. A hipertensão arterial resistente (HAR) se caracteriza por apresentar valores acima de 140/90 mmHg, apesar dos tratamentos não farmacológico e farmacológico, e seu controle demanda a utilização de no mínimo três classes de anti-hipertensivos em doses otimizadas, inclusive um diurético. Incluem-se na categoria dos portadores de HAR os indivíduos que apresentam pressão arterial (PA) controlada, mas que necessitam de quatro ou mais classes de fármacos anti-hipertensivos.

O diagnóstico da HAR exige monitoramento ambulatorial da PA para que possam ser excluídos os pacientes que revelam a hipertensão do jaleco branco e os que não a têm controlada porque não aderem ao tratamento prescrito.

A não adesão ao tratamento é um dos grandes problemas de saúde pública e causa maior da falta de controle pressórico. A verificação de aderência deve ser feita quando o médico suspeita de resistência ao tratamento para que possa excluir os pseudo-resistentes. A identificação dos pacientes com HAR é essencial já que sujeitos a maiores riscos cardiovasculares se comparados aos falsos resistentes. Estudos envolvendo pacientes com HAR mostram altas taxas de não adesão ao tratamento, o que reforça a importância da sua correta identificação para que possam ser submetidos ao devido acompanhamento clínico.

Estas constatações levaram a farmacêutica Nathália Batista Corrêa a pesquisar métodos práticos e baratos que permitam identificar os casos em que a falta de controle da PA nos casos de HAR resulta na realidade da não aderência ao tratamento. A ideia se consolidou em conversas com seu orientador, professor Heitor Moreno Júnior, docente do Departamento de Clínica Médica da FCM, e com colegas do Laboratório de Farmacologia Cardiovascular, do Departamento de Farmacologia da FCM. O trabalho foi seguido de perto pelo seu coorientador Rodrigo Gimenez Pissutti Modolo, especializado em cardiologia clínica e em hemodinâmica e cardiologia intervencionista, e atualmente orientador junto ao Departamento de Farmacologia da mesma unidade.

Nathália Batista Corrêa, autora da dissertação: “O método da fluorescência atua como um tira-teima”

A adesão pode ser caracterizada como o grau em que o paciente cumpre corretamente a prescrição médica e envolve o comportamento do indivíduo perante as recomendações médicas tanto farmacológicas quanto não farmacológicas. É fato universalmente comprovado que a eficácia e o benefício da medicação são alcançados desde que o paciente cumpra corretamente as prescrições médicas. Estima-se que a adesão ao tratamento de doenças crônicas em países desenvolvidos seja de 50%, mas estudos realizados no Brasil reportam a taxas de 19,7% a 65,7% para pacientes hipertensos. Atualmente se considera que há adesão quando o uso das drogas é superior a 80% da prescrita. Mas como determiná-la nos portadores de HAR diante da falta de ferramentas práticas para uso diário na clínica?

A pesquisadora considera que o problema pode ser enfrentado com o estudo de novas técnicas confiáveis e acessíveis e também através do aperfeiçoamento de métodos existentes, que podem direcionar a elaboração de estratégias para aumentar a adesão dos pacientes, contribuindo para melhor controle da PA e reduzindo riscos cardiovasculares nessa população. Rodrigo lembra que vários são os fatores que podem comprometer a adesão do paciente ao tratamento como o grande número de comprimidos que deve ingerir ao longo do dia; a disponibilidade das medicações nos sistemas de saúde ou impedimentos que não permitiram retirá-la no devido tempo; a dificuldade de acessibilidade, por faltas de recursos, às drogas que devem ser compradas; os efeitos colaterais e desagradáveis que podem provocar nos pacientes e que os levam a interromper o tratamento. Muitas vezes, para manter um bom relacionamento com o médico, o paciente omite essas dificuldades. Esses problemas podem ser minimizados quando o médico estabelece com o paciente uma relação de empatia que o leve a ter coragem e liberdade de expor as dificuldades que enfrenta, possibilitando-lhe a informação, esclarecimento e conscientização sobre os riscos que corre pela não adesão às prescrições. Diante disso, Nathália se interessou em desenvolver métodos objetivos e confiáveis, além de práticos, que permitam ao clínico identificar os casos em que PA é de fato de difícil controle.

PONTO DE PARTIDA

Existem diferentes métodos empregados atualmente para descobrir se o paciente toma ou não as medicações. Os métodos laboratoriais são confiáveis e permitem uma verificação precisa através de exames de sangue ou de urina, mas são pouco aplicáveis no dia-a-dia da clínica porque caros e demorados. Existem, também, os métodos indiretos, simples e rápidos, que envolvem a aplicação de questionário que permite, através de pontuação estabelecida, confirmar a informação fornecida pelo paciente, mas eles são de fidedignidade limitada porque podem ser burlados. Tentando superar essas dificuldades a autora se propôs a pesquisar métodos que possibilitassem um acesso rápido à informação e de fácil aplicação na prática diária.

Com essa preocupação ela compulsou a literatura especializada e encontrou pesquisas, da década de 1980, que propunham a determinação da fluorescência da urina com essa finalidade. O paciente toma determinado anti-hipertensivo e essa droga e seu metabólito conferem luminosidade à urina quando sobre ela incide luz ultravioleta.

Como são poucas as substâncias que provocam esse efeito, então a ideia é combiná-las a um diurético normalmente prescrito para verificar a aderência ao tratamento, embora ainda sem a certeza de que o paciente toma todas as outras medicações indicadas. Mas, segundo Nathália, é possível inferir que um indivíduo aderente a uma medicação provavelmente também o é em relação às demais. Uma das substâncias que viabilizam esse procedimento é o triantereno, diurético anti-hipertensivo fraco, muito pouco utilizado hoje, que é adicionado a outro de maior potência.

Para se certificar da validade da inferência a pesquisadora utilizou paralelamente a escala de adesão de Morisky, consagrada na literatura e de comprovada eficiência. Trata-se de um questionário muito utilizado em pesquisas para estabelecer o índice de aderência a medicações. Esse procedimento mostrou uma correspondência de cerca de 80% entre os dois métodos selecionados. “O método da fluorescência atua como um tira-teima, já que não há como mentir diante de uma confirmação biológica”, diz ela. 

O QUE FOI FEITO

Como havia poucas publicações na literatura sobre o teste da fluorescência e pretendia-se avaliá-lo junto a um público que não fosse portador da HAR, a primeira parte do trabalho serviu como piloto e o triantereno foi aplicado em doze pacientes dos quais nove eram normotensos e três apresentavam hipertensão moderada. Depois da ingestão da medicação foram feitas coletas da urina de duas em duas horas, durante doze horas. Os testes indicaram a fluorescência na urina, que atingiu seu pico depois de seis horas, comprovando a validade do método para a avaliação pretendida. Rodrigo afirma que “o método apresentou altíssima sensibilidade e especificidade nos casos analisados, revelando-se de grande acurácia. Munidos dessas constatações passamos a testá-lo em pacientes com pressão de difícil controle”.

A pesquisadora selecionou então 21 pacientes com hipertensão grave, acompanhados no Ambulatório de Hipertensão Resistente do HC, que tomaram a medicação durante 30 dias. Todos eles passaram previamente por avaliação médica para que pudessem trocar o diurético que lhes havia sido prescrito por outro que continha também o triantereno. Nesse período ela fez duas coletas de urina para exame da fluorescência, próximas à sexta hora depois da ingestão do medicamento, sem que os pacientes fossem avisados.

Rodrigo Modolo, coorientador: “O método apresentou altíssima sensibilidade e especificidade”No universo estudado ela encontrou nove pacientes aderentes e 12 não aderentes, ou seja, 57% não seguiram o tratamento. Ela constatou ainda que os aderentes conseguiam manter a pressão mais controlada enquanto os demais apresentavam PA mais alta, o que comprova a importância de seguir o tratamento e não apenas consultar o médico, diz Rodrigo, que enfatiza: “Usar o medicamento de forma irregular é perigosíssimo, pois o remédio tem um prazo de atuação. Existem estudos na literatura mostrando que tomá-lo de forma irregular aumenta a possibilidade de AVC, porque essa inconstância provoca oscilação da pressão aumentando o risco de derrame”.

Ele destaca, ainda, que no processo de tratamento a educação do paciente, o acompanhamento e a regularidade nas consultas são muito importantes porque o convívio com o médico, com o farmacêutico, com o enfermeiro, com toda a equipe de saúde ajuda a conscientizá-lo da importância de tomar a medicação com regularidade, principalmente em uma doença na maioria das vezes assintomática.

Diante desse quadro ele considera fundamental a acessibilidade de toda a equipe de atendimento, particularmente do médico. “Aqui na Unicamp existem pesquisas que estudam as consequências da empatia entre médico e estudantes de medicina e pacientes. Elas mostram que quando o médico mantém um contato mais próximo, com maior atenção e estabelece uma relação de empatia com o paciente consegue passar as informações necessárias com mais eficácia e angaria a sua confiança. É o que procuramos em nosso Ambulatório”, afirma o coorientador.

DECORRÊNCIAS

Para Nathalia, o desenvolvimento de um método fácil, aplicável, barato, rápido e confiável agilizaria o dia-a-dia do clínico na localização do paciente com efetiva HAR. No Ambulatório do HC os pacientes para lá encaminhados seriam submetidos inicialmente ao questionário de Morisky e depois a uma avaliação mais segura através do teste da fluorescência. O próximo passo do trabalho, segundo Rodrigo, é simplificar essa metodologia de forma que a urina colhida por ocasião da consulta seja imediatamente analisada. A propósito da evolução desse procedimento ele acrescenta: “Em nosso trabalho não desenvolvemos um novo método, mas utilizamos ideias que podem ser progressivamente elaboradas como, por exemplo, adicionar a substância que leva à florescência dentro das drogas já prescritas para hipertensão, bem como desenvolver maneiras mais práticas de aplicar o método proposto. Esperamos que a publicação do trabalho desencadeie uma colaboração multidisciplinar para concretização das próximas etapas”.

 

Publicação

Dissertação: “Análise de fluorescência na urina como avalição de adesão farmacológica em hipertensos resistentes”

Autora: Nathália Batista Corrêa

Orientador: Heitor Moreno Júnior

Coorientador: Rodrigo Gimenez Pissutti Modolo

Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM)