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Desvendando a evolução do Universo

Pesquisadora da Unicamp participa da elaboração do mais completo mapa da distribuição de matéria escura

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Foto: Reprodução Diante da imensidão do Universo, imaginar que temos conhecimento de apenas 5% da sua composição pode parecer absurdo, mas é o que apontam os números obtidos pelo Dark Energy Survey (DES), liderado pelo laboratório norte-americano Fermilab. As estimativas, que corroboram pesquisas anteriores, indicam que 25% do Universo é constituído por matéria escura e os demais 70% pela chamada energia escura. Com esse levantamento, o DES divulgou o maior mapa de distribuição de matéria escura já construído, que pode ampliar o entendimento da evolução do Universo. Flávia Sobreira, pesquisadora vinculada ao Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) da Unicamp, participa da colaboração internacional que reúne 400 cientistas de 26 instituições e 7 países. No Brasil, além da professora da Unicamp, outros cientistas brasileiros participam do projeto por meio do consórcio DES-Brazil, que é apoiado pelo LIneA (Laboratório Interinstitucional de e-Astronomia) e  pelo Instituto Nacional de Ciência e  Tecnologia (INCT) e-Universo.

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Flávia Sobreira, docente do Instituto de Física: “O Universo tem uma dinâmica, ele funciona de uma maneira e devido a essa dinâmica conseguimos estabelecer que ali tem um conteúdo de energia que é muito maior e diferente do que a gente de fato vê”

A energia escura, que constitui a maior parte do Universo, é responsável pelo seu acelerado ritmo de expansão. Ao contrário do que se esperava, o processo de expansão não diminuiu, mesmo bilhões de anos após o Big Bang. Através da observação de supernovas do tipo Ia, estrelas no fim da vida que entram em colapso e emitem uma quantidade de brilho comparável ao do centro da galáxia, concluiu-se que a energia escura era o que aumentava a velocidade desse processo de crescimento. A matéria escura, por sua vez, recebe esse nome por não interagir com fótons (partículas que compõem a luz), tornando impossível sua detecção direta. A presença dela é notada pelos seus efeitos gravitacionais.

Apesar de sabermos com alguma certeza que a matéria escura e a energia escura existem, responder o que elas realmente são ainda não é possível. “O que temos são evidências dessas quantidades. O Universo tem uma dinâmica, ele funciona de uma maneira e devido a essa dinâmica conseguimos estabelecer que ali tem um conteúdo de energia que é muito maior e diferente do que a gente de fato vê”, explica Sobreira.

O mapa da distribuição de matéria escura elaborado pelo DES usou cerca de 26 milhões de objetos, 2 mil graus quadrados ou  cerca de 1/30 do céu.  Sua elaboração ocorreu através da análise da deformação das imagens das galáxias observadas causada pelo campo gravitacional da matéria escura que defletiu a luz vinda destes objetos distantes. “Conseguimos observar não somente a posição desses objetos, mas também suas formas. Você mede as distorções das imagens e estudando a maneira que estas distorções foram causadas pelo campo gravitacional, conseguimos extrair informações da distribuição da massa que gera este campo”, aponta Sobreira.

Para a realização das medições é feita uma grande  varredura  da esfera celeste, que até o fim das observações, em 2018,  pretende cobrir cerca de um oitavo do céu, obtendo informações de aproximadamente 300 milhões de galáxias, 100 mil aglomerados e 2 mil supernovas, além de objetos na Via Láctea e no Sistema Solar. Instalada no Observatório Interamericano de Cerro Tollo, no Chile, a Dark Energy Cam (DECAM) é uma das câmeras digitais mais potentes já construídas, com 570 megapixels de resolução.

Compreender a disposição atual da matéria escura pode contribuir também para o entendimento da evolução do Universo, partindo do Big Bang, a teoria mais aceita do surgimento do Cosmos. Com os conhecimentos atuais, pode-se traçar a evolução do Universo desde segundos após a explosão primordial, quando ele era ainda composto por uma sopa, quente e densa, que foi ficando mais fria à medida que ele se expandia. A matéria escura foi a primeira a se desacoplar dessa sopa inicial, enquanto a matéria conhecida (predominantemente prótons e elétrons) e os fótons permaneceram interagindo. O esfriamento prosseguiu e, quando o Universo se aproximou dos 400 mil anos, os primeiros átomos foram se formando. Esse tempo representa uma fração ínfima, levando em conta as projeções de que ele tem hoje cerca de 13,8 bilhões de anos. Logo, os fótons se libertaram da matéria e passaram a viajar livremente no Universo. A matéria produzida então passou a se agrupar ao redor da matéria escura, que havia escapado primeiro, e começou a formar as galáxias e demais objetos conhecidos.

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Reprodução do mapa de distribuição de matéria escura

A questão é que esses primeiros fótons livres são percebidos, naquilo que se denomina radiação cósmica de fundo. Pesquisas anteriores, em especial a do satélite Planck, conseguem traçar mapas dessa radiação, espécie de fotos de quando o Universo era extremamente novo. Combinando esses mapas com a distribuição atual da matéria escura, é possível perceber uma coerência. Sobreira complementa: “galáxias foram criadas bilhões de anos depois da radiação dos fótons, então você começa a ver uma consistência. O que eu consigo extrair de informações do Universo de quando ele tinha 400 mil anos é tem a ver com o que eu estou extraindo agora, observando galáxias, bilhões de anos depois. Os modelos são bem coerentes”. Em outras palavras é como plantar uma semente, projetar como seria a árvore  100 anos depois e, passado o tempo, tudo coincidir.

Os resultados expostos utilizam dados apenas do primeiro ano de observação, o que  torna ainda mais promissor o restante do projeto. “No futuro, esperamos  usar todos os dados observados para fazer um novo mapa com 5 mil graus quadrados, usando 300 milhões de objetos. Isso, de fato, vai ser surpreendente”, finaliza Sobreira.

 

Imagem de capa JU-online
A professora Flávia Sobreira: integrando grupo internacional

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