Tratamento baseado na associação de imunoterapia e quimioterapia reduziu 80% do tumor em animais
O câncer de pâncreas, um dos mais agressivos, é responsável por cerca de 5% das mortes por tumores em todo o mundo. Dependendo do tipo e do tempo decorrido para o diagnóstico, a sobrevida do paciente é baixíssima e as alternativas terapêuticas escassas, devido a metástases e ao comprometimento funcional de outros órgãos, particularmente do fígado. Inquietado pela agressividade desse tumor, o professor Wagner José Fávaro, do Departamento de Biologia Estrutural e Funcional do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, orientou pesquisa visando caracterizar a histopatologia e a progressão da doença, bem como comparar os efeitos da imunoterapia associada à quimioterapia sobre ela.
O estudo verificando o papel da imunoterapia, que utiliza o sistema imunológico do indivíduo no combate à doença, e a ação da quimioterapia na distribuição das células tumorais, foi realizado em 50 animais de laboratório. Os resultados mostraram que a associação de imunoterapia e quimioterapia para o tratamento do câncer do pâncreas levou à redução de 80% do tumor nesses animais, podendo contribuir para o desenvolvimento de uma nova modalidade terapêutica para esta doença. O trabalho culminou na dissertação de mestrado de Mariana Martins dos Santos (bolsa Capes), que contou com a colaboração em nível de iniciação cientifica de Maísa Massafera (bolsa Fapesp) e a coorientação do professor Patrick Vianna Garcia, também do IB.
Wagner Fávaro explica que nos casos de câncer de pâncreas em que a intervenção cirúrgica não é possível, resta apenas a quimioterapia, que não encontra resposta para 40% a 60% dos pacientes, ou exigem a aplicação de uma associação de quimioterápicos. Entretanto, como esse tumor tem a capacidade de se propagar rapidamente para outros órgãos, e sendo o fígado seu primeiro alvo, o comprometimento hepático restringe muito a utilização de tais medicamentos.
Por isso, a preocupação nessa pesquisa de verificar primeiramente a possibilidade de combater o tumor ativando o sistema imunológico do individuo. Foi utilizado um fármaco que ativa os receptores do sistema imune e cria condições potenciais de ataque ao tumor. Tal terapêutica, que já se revela eficaz para outros tumores, ainda não havia sido estudada para o câncer de pâncreas. Acrescente-se que, apesar dos muitos fármacos desenvolvidos para atuar sobre cânceres, poucos são efetivos para este órgão.
O trabalho
Diante desse quadro, Fávaro se colocou algumas questões: a ativação do sistema imunológico determinaria o ataque às células tumorais pancreáticas de forma a levar à melhora do paciente?; a associação da imunoterapia e da quimioterapia poderia determinar resultados mais efetivos no ataque a esse tipo de tumor?; ou, ainda, essa associação poderia viabilizar, quanto necessário, a redução da dose do quimioterápico, minimizando seu efeito tóxico, que se manifesta na destruição inclusive das células sadias?.
Procurando responder a esses questionamentos, foram utilizados o imunomodulador P-MAPA (sigla em inglês para agregado polimérico de fosfolinoleato-palmitoleato de magnésio e amônio proteico), produto proveniente do fungo Aspergillus oryzae, substância ainda não comercializada, e o quimioterápico gemcitabina, já bastante conhecido. “A nossa surpresa foi que os tumores de pâncreas são sensíveis à ativação local do sistema imune e essa resposta se mostra até um pouco superior e mais efetiva que a quimioterapia, mas não suficiente. Mas quando associada à quimioterapia, leva à redução de 80% dos tumores induzidos nos animais estudados”.
A explicação, acrescenta o pesquisador, é que o imunomodulador, ao alcançar o tecido tumoral, desencadeia uma resposta inflamatória mais exacerbada contra as células tumorais, mecanismo natural do organismo no ataque a corpos que lhe são estranhos. Além de ativar o sistema imune do tecido capaz de atacar o tumor, o imunomodulador reduz os vasos sanguíneos que o nutrem. Paralelamente, a quimioterapia, que possui outro mecanismo, destrói as células doentes e interrompe a produção de novas células tumorais. Essa associação terapêutica mostrou-se muito efetiva, reduzindo e detendo o câncer. Para ele, o trabalho abre perspectiva para aplicação dessa associação terapêutica em humanos, possibilitando prolongar e melhorar a qualidade de vida do paciente.
Segundo o docente do IB, o próximo passo previsto envolve o teste de sobrevida, ainda em animais, a fim de determinar o tempo que o tumor leva para voltar a se manifestar depois de interrompida a medicação, o que servirá inclusive para estabelecer o período em que ela precisa ser aplicada. Há ainda necessidade de testar a terapêutica em outros animais com características semelhantes.
Contexto multidisciplinar
O anatomista Wagner José Fávaro lidera o Laboratório de Carcinogênese Urogenital e Imunoterapia do IB, que começou a trabalhar com tumores da próstata e bexiga urinária e depois expandiu os estudos para cânceres de ovário, mama, colorretal e pâncreas. Ele credita essa evolução e amplitude a parcerias que deram às pesquisas dimensões multidisciplinares. Entre elas, o professor menciona os trabalhos conjuntos com os setores de urooncologia e cirurgia do Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp. Sua atuação docente se estende também à Faculdade de Ciências Médicas (FCM), ministrando aulas no curso de graduação e orientando alunos do Programa de Pós-graduação em Ciências da Cirurgia – onde efetivamente se desenvolveu essa dissertação sobre o câncer de pâncreas.
Outra contribuição que o pesquisador considera fundamental advém da parceria com o Laboratório de Química do Estado Sólido (LQES) e com o Laboratório de Química Biológica (LQB) coordenados, respectivamente, pelos professores Oswaldo Luiz Alves e Nelson Durán, ambos do Instituto de Química (IQ) da Unicamp. A partir de 2013 esses laboratórios se fundiram no Laboratório de Síntese de Nanoestruturas e Interação com Biossistemas (NanoBioss). Surgia, assim, um laboratório associado de referência do Sistema Nacional de Laboratórios em Nanotecnologias (SisNano), financiado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), que reúne os maiores especialistas desta área no país.
A parceria com os profissionais do IQ tem levado ao desenvolvimento, para aplicação biológica, de novos fármacos, suas sínteses e caracterizações, o que vem possibilitando o emprego de novas associações terapêuticas para tumores. O pesquisador faz questão de enfatizar que “essas parcerias estão sempre voltadas para as necessidades da sociedade, retribuindo na forma de conhecimento o que o país gasta com suas universidades”.