Trabalhos desenvolvidos há três anos pela Feagri, em área experimental, contribuem para a preservação do solo
Linha de pesquisa mantida pelo professor Zigomar Menezes de Souza, do Departamento de Água e Solos da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Unicamp, visa encontrar manejos mais conservacionistas para o plantio da cana-de-açúcar, ou seja, aqueles que possam contribuir para a preservação do solo e trazer benefícios para a produção desta cultura. Os estudos, que vêm sendo conduzidos há cerca de três anos, em área experimental da Usina Santa Fé, no município de Ibitinga, São Paulo, e que contaram com o apoio financeiro da Fundação de Estudos Agrários Luiz de Queiroz (FEALQ), obedecem algumas vertentes conduzidas por doutorandos. Em uma delas, Camila V. Vieira Farhate analisa o acúmulo de carbono no solo. Em outra, Lenon Henrique Lovera concentra-se no crescimento radicular da cana-de-açúcar. Já Ingrid Nehmi de Oliveira se ateve à determinação do teor de água no solo quando submetido a diversas plantas de cobertura e diferentes sistemas de preparo.
No estudo destes últimos atributos, Ingrid partiu da hipótese de que o emprego de diferentes plantas de cobertura e sistemas de preparo do solo durante a implantação do canavial modificam a estrutura do solo, promovem alterações em suas características físicas e aumentam seu teor de água, se comparados aos resultados obtidos no sistema de cultivo convencional, tradicionalmente utilizado pelas usinas de cana-de-açúcar no Estado de São Paulo. Para confirmar estes pressupostos, em linhas gerais, ela monitorou o teor de água no solo submetido a diferentes plantas de coberturas (crotalária, amendoim, milheto e sorgo) e sistemas de preparo do solo (plantio direto, cultivo mínimo, cultivo mínimo com subsolagem profunda e plantio convencional), determinando, em cada caso, em relação ao solo, o teor de água, a densidade, granulometria, porosidade e resistência à penetração das raízes na área cultivada com cana-de-açúcar.
A cana-de-açúcar é uma cultura considerada semiperene, que tem um ciclo de aproximadamente cinco cortes, ou seja, depois de realizado o plantio dos toletes, o primeiro corte se dá entre 12 a 18 meses, a depender do sistema de manejo adotado e, a partir daí, a cada ano, rebrota devido ao desenvolvimento dos rizomas deixados no solo após a colheita. Decorrido esse período, em que ocorre a queda progressiva da produtividade, o canavial é desfeito e o processo recomeça com novo plantio que se estende por mais outros cinco anos de cultivo. É apenas quando a cana-de-açúcar é replantada que as plantas de cobertura são inseridas e, quando atingem seu estágio de máximo desenvolvimento, são dessecadas, roçadas e deixadas sobre a superfície do solo que irá receber o novo canavial.
O experimento
O experimento de Ingrid teve início em dezembro de 2014. Na sequência foram selecionadas em parceria com a usina as plantas de cobertura a serem utilizadas na área experimental. Foram semeadas, como plantas de cobertura, crotalária, sorgo, milheto e amendoim, neste último caso para que pudesse ser esclarecida uma dúvida comum entre os produtores: seria o amendoim, muito utilizado como planta de cobertura no Estado de São Paulo, associado ao preparo convencional do solo, o manejo mais vantajoso para os produtores de cana-de-açúcar?
Para Ingrid, a pesquisa apresenta dois aspectos inovadores: nenhum estudo anterior relacionou tantas plantas de cobertura e tão diferentes sistemas de preparo do solo para o plantio de cana-de-açúcar e desmistificou a crença de que o processo convencional utilizado nas usinas é o mais vantajoso, permitindo comprovar, por meio dos teores de água, que preparos conservacionistas trazem mais benefícios. Com efeito, dentre as plantas de cobertura estudadas, o amendoim, a mais utilizada no Estado de São Paulo, foi a que trouxe menos benefícios. Além disso, o monitoramento do teor de água no solo por meio da Reflectometria no Domínio da Frequência (FDR), utilizando o equipamento Diviner 2000, ainda pouco difundido no Brasil, permitiu sua avaliação de forma fácil, rápida e eficiente, constituindo mais uma alternativa viável para o produtor.
Os diferentes manejos
Durante décadas a colheita da cana-de-açúcar foi realizada de forma manual pelos trabalhadores rurais na área previamente submetida às conhecidas queimadas, visando facilitar a operação de colheita por meio da eliminação da palha e ponteiros. Equipamentos eram utilizados apenas no preparo do solo, na aplicação de herbicidas para o controle de plantas e na aplicação de fertilizantes. Além de degradarem o solo, as queimadas produzem fuligem e poluem o ar provocando problemas de saúde, como os respiratórios. O advento de legislações que estabelecem prazos para sua definitiva extinção tem levado as usinas a adotar a colheita mecanizada. Essas pesadas máquinas colhem uma linha de cana-de-açúcar por vez e são acompanhadas ao lado por um conjunto de trator e transbordo, o que tem gerado compactação do solo.
Apensar da grande avanço ocorrido no setor sucroenergético brasileiro com a ampliação das áreas de colheita mecanizada, as usinas mantiveram o mesmo processo convencional de preparo do solo para o plantio da cana-de-açúcar. Como consequência da ampliação da utilização de máquinas na agricultura, houve um aumento na adoção de sistemas de preparo mais conservacionistas. No plantio direto, por exemplo, a implantação da cultura é feita sobre restos de culturas anteriores. Já no plantio convencional todo o solo é revolvido, enquanto que o cultivo mínimo é intermediário entre o plantio direto e o convencional, Neste caso, foram testadas duas variações do cultivo mínimo: a convencional, em que a subsolagem é feita a uma profundidade de 40 cm, e a subsolagem profunda, em que o revolvimento atinge 70 cm. Dessa forma, foram testadas três configurações de preparo do solo para cada uma das plantas de cobertura selecionadas, além do preparo convencional do solo sem plantas de cobertura.
Frise-se que a cada cinco anos o canavial é destruído e por um período de aproximadamente 90 dias utiliza-se uma planta de cobertura visando quebrar o ciclo de pragas e doenças, além de promover a cobertura superficial do solo. No Estado de São Paulo, o amendoim é a planta altamente utilizada nesse período, ou então o solo é simplesmente mantido em pousio, ficando sujeito ao crescimento aleatório da vegetação espontânea, manejo esse adotado na pesquisa em questão no caso do plantio convencional, que ao incorporar esses resíduos por meio do revolvimento do solo, acelera a sua degradação e o deixa sem a proteção superficial, oposto ao que acontece quando se utilizam plantas de cobertura e sistemas de preparo conservacionistas.
Considerações
A pesquisa mostrou que o plantio convencional não promoveu a diminuição da compactação do solo e menos ainda a retenção de água que evapora muito mais facilmente, principalmente nas camadas superficiais, por falta de cobertura. Mesmo durante o segundo ciclo de cultivo da cana-de-açúcar (cana soca), em que a palha proveniente da colheita mecânica é deixada sobre o solo, o desempenho do preparo convencional ainda é inferior aos demais tratamentos avaliados. Constatou-se que cada planta de cobertura traz contribuições diferentes para a estrutura do solo e seu teor de água, sendo o tempo de permanência dos resíduos sobre o solo um fator fundamental, pois reflete diretamente nos resultados encontrados por cada combinação entre planta de cobertura e o sistema de preparo do solo.
Ingrid, entretanto, frisa que “essas conclusões decorrem dos dados colhidos durante apenas os dois primeiros ciclos de cultivo da cana-de-açúcar, ou seja, cana planta e cana soca. As pesquisas vão continuar, com outros pesquisadores do nosso grupo, até que o canavial seja reformado, visando obter resultados mais conclusivos. Entretanto, no que diz respeito ao teor de água no solo, é possível perceber que os sistemas de manejo caracterizados por menor grau de perturbação proporcionam maiores conteúdos de água no solo, principalmente em camadas superficiais (até 30 cm de profundidade), onde se concentram maiores quantidades de raízes”.
Os resultados da pesquisa mostram que a crotalária e o milheto foram as plantas de cobertura que apresentaram os melhores resultados em relação ao teor de água no solo e sua qualidade estrutural, evidenciadas pelo monitoramento do teor de água ao longo do tempo e análises físicas do solo, embora o sorgo dê origem a uma quantidade muito grande de biomassa, o que mostra que não basta considerar apenas o volume de cobertura produzido. Existe um conjunto de fatores a serem considerados como alterações na estrutura do solo e a capacidade de retenção de água. Um conjunto desses fatores, em que a água tem grande peso, é que vai determinar o aumento da produtividade, enfatiza a autora, que conclui: “Sistemas de preparos do solo, tais como o plantio direto e cultivo mínimo, utilizando plantas de cobertura, propiciam maiores teores de água no solo, menores densidades do solo, aumento da macroporosidade, o que aumenta os benefícios para os agricultores em termos de produtividade e conservação do solo”.