Pesquisas da Universidade em colaboração com empresas totalizaram R$ 64 milhões em 2017
Mudanças climáticas, desenvolvimento econômico sustentável, crescimento das cidades e geração de energia, entre outros exemplos, são alguns dos desafios complexos que temos pela frente. Seu enfrentamento depende de abordagens interdisciplinares, de financiamento de longo prazo e da participação de diferentes atores. Nesse sentido, as parcerias entre Universidade e o setor empresarial representam um caminho mais curto em direção à superação desses desafios, já que podem acelerar o desenvolvimento de produtos inovadores para as indústrias e fomentar a criação de recursos humanos qualificados. Atenta ao potencial da pesquisa em colaboração, a Unicamp encerrou o ano de 2017 com 49 convênios, 14 com empresas federais e 35 com o setor privado, de acordo com dados da Agência de Inovação Inova Unicamp, órgão da Universidade responsável por intermediar as parcerias com o mercado. Esses acordos envolvem 16 unidades ou centros de pesquisa, totalizando R$ 64 milhões em investimentos em pesquisa.
Foi justamente para buscar soluções para um desafio estratégico e global que a Shell, multinacional do setor petrolífero, firmou um convênio com a Unicamp para a criação do Centro de Inovação em Novas Energias (Cine). O Centro, que também reúne pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e do Instituto de Pesquisas Energéticas (IPEN), deve receber investimentos de R$ 110 milhões ao longo de cinco anos. Sediado na Unicamp e sob a coordenação do professor Rubens Maciel Filho, da Faculdade de Engenharia Química, o principal objetivo do Cine é o desenvolvimento de pesquisas para conversão de energia solar em produtos químicos e o armazenamento de energia, além da transformação de gás natural em combustíveis que produzam menos gases do efeito estufa ao gerar energia. “Trabalhamos com um cenário futuro de crescimento da demanda energética e, ao mesmo tempo, em que a manutenção da qualidade de vida, especialmente nas cidades, dependerá da redução da dependência de combustíveis fósseis e da ampliação da participação de fontes renováveis na matriz energética mundial”, afirma.
“Nesse cenário, um dos objetivos estratégicos da Shell é fornecer energia mais limpa, que gere menos impacto no meio ambiente”, explica Giancarlo Ciola, gerente regional de pesquisa externa e inovação da Shell. “Entendemos que somente um programa com abordagem multidisciplinar é adequado para enfrentar um desafio altamente complexo como a transição energética. Fazer isso internamente demandaria muito tempo. A parceria com a Universidade permite à empresa multiplicar sua capacidade de solucionar problemas”, afirma Ciola.
A parceria com a Shell surgiu a partir de uma chamada de propostas da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), lançada em 2017. Segundo Patrícia Tedeschi, gerente da área científica e pesquisa para inovação da Fapesp, a interação universidade-empresa traz desafios importantes em pesquisa e oportunidades de visibilidade internacional. “Esses projetos são uma ferramenta importante de transferência de tecnologia já que permitem que o conhecimento desenvolvido pela universidade seja aplicado a novos produtos, processos e serviços que poderão ser colocados à disposição da sociedade”, afirma. Ademais, a parceria também faz com que os alunos interajam com pesquisadores da empresa, abrindo portas para seu futuro profissional.
Segurança para inovar
A Inova Unicamp, por meio de sua diretoria de Parcerias, teve um papel fundamental para consolidar o convênio de pesquisa com a Shell. “O apoio da Inova foi muito importante na primeira fase do processo, no mapeamento do potencial dos grupos de pesquisa da Unicamp para atender nosso edital. E, depois, para desenhar um contrato de parceria que atendesse a todos os envolvidos”, revela Ciola. “Desde o início do processo, entendemos que o intuito da Shell não era desenvolver um projeto único, mas estabelecer uma parceria de longo prazo com a Universidade que pudesse trazer recursos, gerar conhecimento, acima de tudo integrando os dois atores. A partir daí, com apoio da Pró-Reitoria de Pesquisa, fizemos um mapeamento na Universidade buscando pesquisadores e grupos que poderiam atender o edital”, detalha Iara Ferreira, diretora de Parcerias da Inova. Segundo ela, a atuação do núcleo de inovação, como na interface entre a Universidade e a empresa, é essencial nos processos de parceria tanto para alinhar os objetivos da empresa com a dinâmica da Universidade, como para ajustar os termos de contrato que norteiam as pesquisas.
Para o diretor-executivo da Inova Unicamp, Newton Frateschi, a atuação da agência cria um ambiente seguro tanto para a empresa quanto para os pesquisadores. “A partir do know how que desenvolvemos aqui no sentido de estabelecer os termos de cooperação, podemos antecipar aspectos críticos que envolvem os convênios com empresas, como as questões de sigilo, propriedade intelectual e transferência de tecnologia”, explica Frateschi.
Um bom contrato de parceria pode inclusive ampliar as possibilidades de ganho para os atores envolvidos e para a sociedade como um todo. Isso foi o que aconteceu na parceria da Unicamp com o Grupo CPFL. A empresa buscou a Universidade para o desenvolvimento de equipamentos para mensuração do consumo de energia elétrica baseados no conceito de internet das coisas (IoT). Uma das pesquisas está sendo desenvolvida no Departamento de Sistemas Elétricos da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC), sob a coordenação do professor Luiz Carlos Pereira da Silva e alguns de seus alunos. “Nesse convênio está previsto que a CPFL vai utilizar as tecnologias desenvolvidas em seus sistemas e que os pedidos de patente serão feitos em cotitularidade. Além disso, nós acordamos o licenciamento da tecnologia para a startup Time Energy que poderá comercializar o novo equipamento”, explica Ferreira. “Com isso, ampliamos os benefícios gerados pelo convênio: para a Universidade, no desenvolvimento de pesquisas de alto nível, para uma grande empresa, que contará com uma tecnologia para adequar seus serviços a um cenário de uso racional de energia elétrica, e para uma empresa de menor porte, que poderá explorar outros mercados”, completa a diretora de Parcerias da Inova.
Leandro Vieira é doutorando na FEEC e um dos sócios-fundadores da Time Energy, que atua no fornecimento de tecnologia e equipamentos para empresas do setor elétrico. “O monitor poderá ser instalado pelo próprio usuário para medir o consumo de energia elétrica de todos os aparelhos da casa. Com isso, a pessoa pode tomar medidas de economia de energia, identificar desperdícios ou defeitos, estimulando um uso mais racional da energia elétrica”, afirma. Segundo Vieira, a tecnologia está em fase final de desenvolvimento e o novo equipamento deve ser lançado já no próximo ano.
Marco legal da inovação A equipe de Parcerias da Inova atua na intermediação e negociação das parcerias entre a Universidade e a empresa, viabilizando vários tipos de projetos de pesquisa e desenvolvimento (projetos colaborativos), que futuramente podem se tornar novos produtos, processos e serviços, além de negociar também os contratos de licenciamento de tecnologia. O arcabouço jurídico que sustenta as atividades das agências de inovação ou Núcleos de Inovação Tecnológica (NIT) ganhou um reforço neste ano com a regulamentação do Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação (lei nº 13.243/2016) em fevereiro (decreto 9283/18). O Marco estabelece que universidades e empresas podem ter o direito de propriedade intelectual em cotitularidade sobre o resultado de pesquisas em parceria, cabendo negociarem o direito de explorar produto ou tecnologia que tenha sido resultado de uma pesquisa com o uso de recursos públicos. Aqui a figura no NIT é fundamental, já que é ele que conduz essas negociações entre as partes, antes mesmo de um projeto começar. Isso garante segurança jurídica para os dois lados, antes, durante e depois de concluído o projeto de pesquisa. O primeiro movimento nesse sentido aconteceu em 2004, quando entrou em vigor a Lei de Inovação (Lei 10.973), que criou regras para a cooperação entre o setor privado e as instituições científicas e tecnológicas (ICTs), como passaram a ser designadas as universidades, institutos de pesquisa, laboratórios públicos, etc. Foi a Lei de Inovação que obrigou a criação de NITs nas ICTs públicas a partir de um modelo inspirado nos escritórios de transferência de tecnologia de universidades de países mais desenvolvidos. “A Unicamp foi pioneira nesse sentido. Antes da Lei de Inovação, ela criou uma estrutura administrativa para cuidar das questões ligadas a empreendedorismo e propriedade intelectual”, lembra Frateschi. “O que o Marco Legal trouxe foi deixar claro que a interlocução entre a universidade e as empresas é responsabilidade dos NITs. É aqui que as parcerias devem começar porque isso garante toda segurança jurídica para as ações da universidade e para as empresas parceiras”, aponta o diretor-executivo da Inova Unicamp. Esse ambiente regulatório consistente, aliado ao suporte da Agência de Inovação, colabora para que as empresas encontrem na Unicamp um ambiente adequado para parcerias, como mostram os números dos convênios firmados entre esses setores e a Universidade. São resultados que deixam claro que a manutenção da competitividade do nosso país inserido em uma economia global, bem como sua capacidade de dar soluções sustentáveis para problemas tecnológicos e sociais, depende de diversos atores: governo, empresas e universidades, e que essas soluções podem chegar mais rápido por meio de parcerias entre eles.
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