Mais de 500 críticas teatrais, cerca de 1.200 fotos de espetáculos e 250 programas de peças dos anos 60 e 70 fazem parte do acervo do jornalista e poeta português João Apolinário (1924-1988) entregue nesta semana (16) ao Arquivo Edgard Leuenroth (AEL) da Unicamp, que preserva registros dos mais diversos movimentos sociais ocorridos no Brasil.

João Apolinário foi redator e editor de variedades do jornal Última Hora, em São Paulo. Durante o regime militar (1964-1985), escreveu sobre um teatro brasileiro que buscava construir uma identidade nacional em meio aos conflitos sociais e políticos daquele período. Conviveu com uma reconhecida geração de diretores, dramaturgos e atores, como Oduvaldo Viana Filho, Ademar Guerra, Antonio Abujamra, Gianfrancesco Guarnieri, Jô Soares, José Celso Martinez, José Renato Pécora, Augusto Boal, Plínio Marcos, Eva Wilma e Raul Cortez, entre outros.

O material doado abrange o período de 1964 a 1974, segundo a organizadora do acervo, a professora de história Maria Luiza Teixeira Vasconcelos, viúva de Apolinário. Nos últimos cinco anos, ela conduziu um trabalho de recuperação da obra do crítico teatral, a partir do arquivo pessoal do jornalista e de pesquisas nos acervos e bancos de imagens do jornal Última Hora, que estão no Arquivo Público do Estado de São Paulo e em posse do jornal Folha de S.Paulo.

“O papel do crítico, para ele, era formar um público atento, esclarecido sobre o espetáculo e com espírito crítico”, define Maria Luiza Vasconcelos. O jornalista escreveu sobre os principais grupos teatrais desse período, entre outros, como o Teatro Brasileiro de Comédia, o Teatro de Arena e o Teatro Oficina (cujo acervo, de 1958 a 1986, já está no AEL da Unicamp).

Apolinário escrevia de forma simples, didática, analisava o teatro e o contexto em que ele acontecia. Nos arquivos reunidos sobre a obra do crítico, há uma série de artigos, por exemplo, publicados de 1970 e 1971, nos quais ele realizou um balanço detalhado dos espetáculos de São Paulo, apoiado em estatísticas e categorias que construiu. Em 1975, com a queda do salazarismo (Revolução dos Cravos), o jornalista voltou a viver em Portugal, onde morreu em 1988.

“Esse material compõe uma importante temática relacionada à cultura do Brasil, e complementará o acervo existente”, explica a Diretora-Técnica do AEL, Elaine Marques Zanatta, ao encontrar numa das caixas o folheto da peça “Rei da Vela”, do Teatro Oficina, em excelente estado de conservação, peça que, em uma primeira análise, não existia no AEL. "Rei da Vela" (de Oswald de Andrade), como curiosidade sobre o potencial do arquivo, foi considerada por Apolinário uma "encenação-manifesto". "É um espetáculo destinado a fazer história", escreveu.

O material recebido abre um novo campo de investigação sobre a história política e cultural do país, segundo a Diretora Adjunta do AEL Lucilene Reginaldo. "Impressiona a qualidade e profundidade da crítica que ele escrevia", afirma.

A assinatura da doação aconteceu em São Paulo (15/05), quando do lançamento do livro “A Crítica de João Apolinário – memória do teatro paulista de 1964 a 1971”, volume 1 e 2, com cerca de 1.200 páginas, publicado pela editora Imagens. Também organizada por Maria Luiza, a publicação reuniu a críticas e fotos dos espetáculos analisados pelo jornalista, no período de 1964 a 1971, mas um apêndice especial contendo os principais textos de 1971 a 1974.

Hoje, o acervo total do AEL reúne mais de 4.300 títulos de jornais, 20 mil livros, quase 100 mil imagens digitalizadas e 27 mil fotografias, entre outros arquivos. Saiba mais sobre o AEL