A mastectomia radical
no centro dos debates
20/05/2013 - 11:40
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Há poucos dias, a mastectomia redutora de risco foi colocada em evidência quando a atriz norte-americana Angelina Jolie expôs sua vida diante da mídia ao fazer a retirada das duas mamas. Essa decisão chocou o mundo por se tratar de uma das mulheres mais belas do cinema hollywoodiano, em idade ainda jovem (37) e com as mamas íntegras. A ponta do icerberg foi que sua mãe morreu aos 56 anos em decorrência de um câncer de mama. Ao fazer um aconselhamento genético, Angelina teria 86% de chance de desenvolver a mesma doença. Os médicos que atenderam a atriz foram categóricos: indicaram o procedimento, que teve êxito, reduzindo as chances da patologia para 5%. A masctectomia redutora de risco não é algo novo. Mas ela é indicada em casos estritamente necessários, que justifiquem a intervenção. É o que garante o mastologista do Hospital da Mulher "Prof. Dr. José A. Pinotti" Caism, César Cabello dos Santos, um dos defensores da técnica para as situações de risco. O Caism já possui um ambulatório, criado há um ano, que segue essas pacientes especificamente. César Cabello aborda as técnicas, as recomendações da mastectomia e as complicações geradas pela cirurgia em entrevista concedida ao Portal Unicamp na manhã desta segunda-feira (20).
Portal Unicamp - Como enxerga essa indicação numa realidade mais próxima, na Unicamp, por exemplo?
Cabello - Sou favorável ao procedimento. Eu, o oncologista Renato Torresan e a chefia da Área de Oncologia do Caism montamos um Ambulatório de Alto Risco para avaliar essa população de mulheres que tem um risco elevado para desenvolver o câncer de mama, por terem tido familiares muito jovens que já enfrentaram a patologia. Essa população é chamada de população de alto risco para câncer de mama. O Ambulatório também atende os casos de alto risco para câncer de ovário hereditários. Trata-se de mulheres que nascem com uma herança, com uma alteração genética que vem dos pais. Essa alteração está associada a um alto risco de câncer de mama em idades muitos jovens – abaixo dos 50 anos. As mulheres partem de um grupo muito particular, que corresponde a um grupo pequeno - em torno de 5% a 10% - em relação ao grupo geral que tem câncer de mama.
Portal Unicamp - Então elas são muitos jovens...
Cabello - Sim e enfrentam uma série de problemas. Primeiro: dificuldade no diagnóstico precoce. Segundo: carregam uma preocupação em relação à contracepção. Terceiro: muitas mulheres ainda não tiveram filhos e ainda sofrem com esse impacto. Por isso realmente é um grupo muito específico. Assim sendo, faremos o que puder para evitar que as mulheres de alto risco venham a ter câncer de mama. Algumas das técnicas hoje discutidas são as cirurgias redutoras de risco.
Portal Unicamp - Como são essas técnicas?
Cabello - Duas técnicas são usadas para esse grupo que ainda não teve a doença, e que corresponderia a um alto risco: a mastectomia bilateral redutora de risco e a salpingooforectomia bilateral redutora de risco. A mastectomia bilateral redutora de risco consiste na retirada do tecido glandular. Normalmente, a técnica mais adotada é a adenectomia. Com isso, acabamos retirando apenas o recheio da glândula. Preserva-se a pele, o mamilo e o complexo areolopapilar. A seguir, é feita uma reconstrução simultânea empregando próteses de silicone. Já a sapilgooforectomia redutora de risco envolve a retirada das trompas e dos dois ovários dessas mulheres, mais comumente conhecidas. São cirurgias radicais porque podem gerar uma alteração da qualidade de vida das mulheres. No entanto, nesse grupo específico, de muitos casos de câncer de mama na família e com alto risco de terem nascido com mutação de genes, não resta dúvida de que é a indicação.
Portal Unicamp - O procedimento constitui um risco para a mulher?
Cabello - Sim, como toda cirurgia. Existem riscos inerentes à própria cirurgia, de infecção e de complicações no ato cirúrgico. Na situação da mastectomia bilateral redutora de risco, frequentemente as mulheres podem perder a sensibilidade dos dois mamilos. Esse é um grande dilema para elas. Outro é que, muitas vezes, as mulheres sofrem com alterações na temperatura, tornando a mama fria. E nem sempre se consegue um resultado cosmético tão adequado, uma vez que uma prótese nunca será igual à mama natural.
Portal Unicamp - Como fica esse resultado em termos de estética?
Cabello - Uma inserção como essa é diferente de uma cirurgia de cunho estético. A nossa ideia é fazer uma reparação, não uma cirurgia estética. Acompanhei a história de Angelina Jolie, alguém muito jovem, como muitas das nossas pacientes. Eu li em alguns veículos uma ideia de que este tipo de cirurgia é para alcançar resultados cosméticos 'excelentes'. Isso não corresponde à realidade. Sabemos que é uma técnica que pode ter complicações. Até 25% das mulheres podem perder parcial ou totalmente o mamilo (o bico do seio). Veja que não é um procedimento simples e nem isento de complicações. No entanto, o foco é fazer com que a mulher não morra de câncer de mama. Então essa é a intenção quando discutimos esse tipo de técnica.
Portal Unicamp - É favorável a esse tipo de intervenção?
Cabello - Com certeza, pois, como oncologista, vivencio algumas dessas situações muito de perto. Vejo famílias com dez a 15 pessoas que tiveram câncer de mama e de ovário aos 35 anos. Elas morreram muito jovens, mesmo com toda prevenção que se proclama. Ocorre que não há programa de rastreamento bem-estabelecido para essa população. O Ministério da Saúde recomenda o rastreamento mamográfico em mulheres assintomáticas somente a partir dos 50 anos. Na Sociedade Brasileira de Mastologia, recomenda-se o rastreamento a partir dos 40. Na verdade, a mulher de alto risco para câncer tem idade abaixo dos 40 anos ou entre 40 e 50. São mulheres então subavaliadas em termos de rastreamento e de detecção precoce. Sabemos que, mesmo durante esse processo de rastreamento, existem muitos tumores que aparecem no intervalo do rastreamento: os tumores-intervalo. Então é lógico que quem tem alto risco para ter mutação, com um histórico familiar importante, tem que fazer os exames de imagem sim.
Portal Unicamp - Como tem sido a atuação do Caism no Ambulatório de Alto Risco?
Cabello - No Ambulatório de Alto Risco, temos as participações de mastologistas, de uma geneticista que faz o aconselhamento das pacientes e de uma ampla equipe multidisciplinar. Estamos ainda em fase de estruturação, visto que iniciamos esse Ambulatório há apenas um ano. Estamos sistematizando a orientação às pacientes, o acesso aos exames de imagem (mamografia, ultrassom e ressonância magnética), e estudando a possibilidade de fazer os testes genéticos na Unicamp. O SUS ainda não paga esse tipo de testes, porém alguns órgãos de fomento e da própria Universidade pretendem oferecer uma melhor qualidade de vida a essas mulheres. Estamos buscando projetos para também começar o sequenciamento genético aqui. Há alguns anos, fizemos esse sequenciamento de forma pontual num trabalho realizado em parceria com a Universidade do Porto, Portugal, envolvendo os médicos Fernando Schmidt, Luiz Carlos Zeferino, eu e outros. A ideia é criar uma possibilidade de rastreamento aos casos indicados.
Portal Unicamp - Quem é elegível para se submeter aos testes?
Cabello - Quem, baseado no histórico familiar e em características próprias, tem essa indicação. Quem vai avaliar isso? Nós e a geneticista. Não é um teste para ser feito em qualquer pessoa. Os testes BRCA1 e o BRCA2 são genes mais importantes, mas existem outros, como o p53, o CHEK2 e o ATX. Quem vai indicar que gene será investigado são os geneticistas. Quando chega o resultado, ele nem sempre é positivo ou negativo. Às vezes, é duvidoso ou insatisfatório. Não é um teste como o de gravidez. Envolve uma interpretação. Existem ainda outros dados relevantes. Numa família com alguns cânceres de mama sem casos de morte, deve ser olhada de modo diferente daqueles vários casos que evoluem mal. Então esse comportamento clínico da doença é fundamental também quando fazemos a avaliação e quando se faz a solicitação do exame.
Quem é César Cabello dos Santos
Fez residência, mestrado e doutorado e livre-docência na Unicamp e um ano de fellow na Universidade de Londres, Inglaterra. Ficou um período no Instituto Europeu de Oncologia de Milão, Itália. Durante seu período de fellow, de 1991 a 1993, começou a trabalhar com grupos de alto risco, liderado pelo professor Ian Fentiman. Trouxe para cá as técnicas de cirurgias redutoras de risco. Desde então, tem discutido este oferecimento para as pacientes do grupo de mama.