Ileide, uma mulher ecológica
11/06/2013 - 11:13
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O dia 18 de maio foi um sábado mágico para Maria Ileide Teixeira, idealizadora e coordenadora da Associação de Mulheres Ecológicas (AMA), uma empresa que ela criou com mais quatro agricultoras e que desde 1997 vem produzindo alimentos orgânicos no assentamento de Vergel, em Mogi Mirim. Naquela tarde, Ileide emocionou público e telespectadores do programa “Caldeirão do Huck”, da TV Globo, com a sua história de vida. E se emocionou, muito, ao ganhar dos patrocinadores do programa uma perua Kombi e uma van adaptada para transportar e comercializar a produção da AMA, além de um trator, vários equipamentos de cozinha industrial, uma conta bancária com um depósito generoso e uma empresa praticamente montada: a Marias da Terra (www.mariasdaterra.com.br).
A AMA dirigida por Ileide é um dos grupos que participam da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (ITCP), órgão da Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários (Preac). Veio dos alunos da Unicamp que atuam no ITCP a ideia de divulgar as atividades da entidade pela rede social, a fim de angariar 8 mil reais para a compra de uma Kombi usada: com o veículo, as Marias da Terra poderiam transportar mandioca, banana, milho e abóbora, in natura ou processados, até as feiras livres e entidades da região, inclusive para o CIS-Guanabara – Centro Cultural de Inclusão e Integração Social da Unicamp, onde acontece a Feira de Produtos Orgânicos todas as sextas-feiras.
“É verdade que a Unicamp possui a Inova, sua agência de inovação, mas também trabalhamos com inovação em termos de tecnologia social”, afirma o pró-reitor João Frederico da Costa Azevedo Meyer. “No caso das mulheres de Mogi Mirim tivemos um resultado inesperado e emocionante, diante da árdua dedicação dos nossos alunos para melhoria das condições de vida, de produção e de comércio no Vergel. Eles é que buscaram auxílio financeiro pela Internet. A produção do programa de TV resolveu visitar a associação para confirmar o que estava descrito no site, se entusiasmou com o que viu e fez essa grande doação. É um exemplo de como os projetos de extensão fazem brilhar os olhos.”
No programa de Luciano Huck, Ileide contou a sua trajetória de 57 anos de vida, desde o interior de Minas Gerais onde nasceu: o trabalho como empregada doméstica em Campinas com apenas 8 anos de idade, os 14 anos de labuta na lavoura, as experiências nos movimentos dos sem-teto e dos sem-terra, as creches que construiu a partir de barracões nos assentamentos. “Protegendo as crianças, outras mães podem trabalhar e trazer sustento para casa. Existe muito preconceito contra a reforma agrária, acham que somos um grupo de baderneiros, invasores. Não é bem assim. É um projeto que dá certo, tira as famílias da periferia, das favelas, de áreas de risco e isso devolve a dignidade. Sem falar que a gente produz alimento – e um alimento sadio.”
Na entrevista que segue, Maria Ileide Teixeira fala da importância da capacitação que foi obrigada a adquirir a cada obstáculo na vida.
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Portal da Unicamp – Em que momento você se conscientizou da importância da capacitação?
Maria Ileide Teixeira – A nossa associação faz parte do projeto de capacitação do ITCP desde 2005 e a gente tem obtido respostas muito boas, nos ensinam até a comercializar os produtos e a lidar com as coisas mais burocráticas. Agora estamos fazendo capacitação junto à FEA, com o professor Celso [Costa Lopes], na parte de processamento dos alimentos. Há seis meses ganhamos um prêmio também pelo Santander, 50 mil reais, e na segunda-feira vamos começar a construir uma microcozinha para processar chips de mandioca e de banana, o que já fazemos artesanalmente. A gente pretende estar dentro dessa fabriqueta em setembro ou outubro. Nesse ano fomos presenteados de todas as formas, o que fortaleceu o grupo de mulheres e agregou mais mão de obra.
P – Como funciona a Associação de Mulheres Ecológicas?
R – A AMA é uma associação de mulheres de 15 famílias, que buscam renda em várias fontes: produção no campo, processamento de alimentos, artesanato. Também oferecemos assistência psicológica para grupos de jovens e autoestima da mulher. E amanhã [08] vamos ter reunião com a professora Joseli [Rimoli, da Faculdade de Ciências Aplicadas], que é da área de saúde pública da Unicamp. Trabalhar com alimentos orgânicos é uma coisa muito linda. Somos orgânicas, vestimos a camisa da agroecologia, que a gente aprendeu desde 2003 com a Fundação Mokiti Okada [entidade sem fins lucrativos que visa projetos nas áreas de educação, saúde, meio ambiente, arte e assistência social].
P – E como surgiu a ideia da associação?
R – O que fiz foi resgatar as mulheres do assentamento e trazer para dentro da AMA, que fica no meu lote, para aumentar a autoestima e a renda delas. O pouco de renda é distribuído entre todas, e isso nos fortaleceu. Precisamos recuperar a renda da família, agregar valor ao nosso produto. A gente recebe uma quantia pouca pelo PAA [Programa de Aquisição de Alimentos da Conab – Companhia Nacional de Abastecimento]: 4,5 mil reais, divididos em 10 meses, o que é muito pouco para uma família que pode ter até sete pessoas. E os produtos eram desperdiçados no campo, até que começamos a fazer o chip de mandioca e de banana.
P – A exposição na TV contribuiu para aumentar a comercialização?
R – O que recebemos do programa do Luciano foi uma riqueza. A demanda está muito grande, gente do país inteiro querendo nos ajudar, querendo o produto ou uma parceria [em uma semana, a página da AMA registrou mais de 2 mil ligações para o número (19) 8168-6932]. Hoje fechamos com uma grande empresa de Mogi Guaçu e outra foi nos visitar. Viram a nossa realidade, que não temos produtos suficientes, mas vão ajudar a gente a se organizar para poder fornecer para elas, o que é lindo. Acreditamos que vamos ser uma empresa rural, agregando mais mulheres e os jovens. O mais importante é que essa empresa de Guaçu não fechou apenas com a Marias da Terra ou com a AMA, fechou com todos os produtores do assentamento, que vão plantar com mais ousadia sabendo que o produto vai ser escoado.
P – De onde vem essa vontade de ajudar as pessoas?
R – Desde a infância. Minha família sempre se preocupou em ajudar os outros. Meu pai era administrador de fazenda e trabalhava muito com o coletivo, com grupos de trabalhadores. E nós, os filhos, estávamos sempre no meio, sempre acolhendo gente em casa. Crescemos assim. Viemos para Campinas com muita dificuldade, para uma área de sem-teto, e vimos toda aquela necessidade. Procurando proteger as crianças, cheguei a fundar uma creche do nada, com apoio da população e da Robert Bosch, de Rolf Leeven, presidente da empresa. Quando a creche cresceu, não tive condições de continuar cuidando dela, por não ser formada: frequentei até o 4º ano, depois voltei para fazer até a 7º série, mas não terminei por conta do trabalho; minha formação é só do coração. A minha capacitação foi na raça, a necessidade me exige a capacitação. Essa creche foi assumida pelo Grupo Primavera, da Alemanha, que tinha seis unidades e atendia a 860 crianças de 4 a 18 anos. Quando Rolf Leeven voltou para o seu país, entreguei a creche para a prefeitura e hoje ela está com a Feac [Federação das Entidades Assistenciais de Campinas].
P – E você criou outra creche no assentamento de Mogi Mirim...
R – Quando fui para o campo, encontrei a mesma realidade, ou pior: são 97 famílias atrás dos pés de eucalipto, em lotes de 8 hectares, mas sem muito apoio, com nossas crianças e jovens indo para a cidade, para as drogas. Queremos que eles se agreguem à terra. Isso me obrigou a mexer novamente com a comunidade, pois acho que o que temos no coração não pode ficar para a gente ou para a família, tem que multiplicar isso. Trabalhei 4 anos com as crianças na creche do assentamento, junto com a Unicamp e a Secretaria de Educação de Mogi Mirim.
P – Qual foi a importância da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares para o seu trabalho?
R – Depois dessa creche, montei um restaurante com outras mulheres, trabalhei com horta para capacitação de jovens. A Unicamp sempre me apoiou, em educação e capacitação de jovens, ajudou a prefeitura a abrir ruas e levar ônibus para o assentamento, a criar o restaurante, uma cozinha, uma pousada. Mas tudo no campo é uma questão de fase. Na época do restaurante, tinha madeireiro na área, podia vender a comida, depois acabou. Na horta não tinha água, paramos, até encontrarmos uma engenheira da Fundação Mokiti Okada, que ensinou a gente a cultivar com pouca água, a agroecologia, e também a aproveitar o amido da mandioca como resíduo para compostagem. Ganhamos uma farinheira artesanal, mas fomos bloqueados pela vigilância sanitária por falta de infraestrutura. A gente está sempre mudando de fase para sobreviver. Voltamos à horta, ao processamento da mandioca e agora vem a fabriqueta para a gente entrar com mais ousadia no mercado.
P – No programa de TV, você fez uma defesa enfática da reforma agrária.
R – A reforma agrária é fundamental para manter a gente no campo e levar alimento para todos, ao invés de irmos morar embaixo de pontes, nas periferias, aumentando a violência na cidade. Tem uma mão de obra grande sendo desperdiçada, que podia ser aproveitada se o governo tivesse um olhar para expandir o trabalho no campo. É preciso ver que esse projeto dá certo. Às vezes, minha filha diz para eu parar com isso, que não vou mudar o mundo. Mas não quero mudar o mundo, só o que está ao meu lado. E vou semear essa semente dia e noite, tem dado certo.
Comentários
PARABÉNS, a todos que
PARABÉNS, a todos que contribuiram para que essa iniciativa desse certo! MUDANÇA só existe com a transformação dos pares.
endereço em Mogi pra eu visitar a fazenda
Amei a reportagem do Luciano Huk uma benção!!!
MUITO BOA
MUITO BOA