O Centro de Engenharia Biomédica (CEB) da Unicamp teve aprovado pela Finep, integralmente, o projeto LabNECC – Laboratório Nacional para Estudo do Cálcio Celular, no valor de R$ 6,3 milhões. O LabNECC será instalado no CEB, mas o projeto prevê cinco laboratórios satélites: na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), na Universidade Federal de São Del Rei (UFSJ), no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), e também no Instituto de Biologia (IB) e no Hospital de Clínicas (HC/FCM) da Unicamp. “Cada laboratório satélite receberá cerca de 350 mil reais em equipamentos e o restante dos recursos ficará em nosso laboratório central.”

Bassani explica que o foco das pesquisas do LabNECC está nos transportadores de cálcio em células do coração e outros órgãos, que serão analisados utilizando abordagens técnicas desenvolvidas por ele, Rosana Bassani e Donald Bers, no laboratório deste último nos Estados Unidos. “Todos os laboratórios satélites, que já possuem seus espaços e pesquisadores experientes, utilizarão a mesma técnica. Além do estudo de modelos experimentais de doenças (epilepsia, hipertrofia cardíaca, distrofia muscular) e condições fisiológicas (hipertrofia pós-prandial em répteis), queremos abordar também o coração humano normal e doente. Vamos fornecer os equipamentos e trabalhar juntos no aprendizado das técnicas, adicionando técnicas que já são dominadas nestes laboratórios.”

O diretor do CEB exibe o cartoon  de uma célula do coração publicado por Bers para mostrar como o cálcio é absolutamente fundamental para o funcionamento das células. “O cálcio é importante na divisão celular, na respiração celular, na liberação de neurotransmissores, na secreção e em outras funções. No músculo, o cálcio é responsável por iniciar o processo de contração: sem cálcio não há contratação muscular e, no excesso dele, as células morrem. Portanto, as células do coração e de outros músculos possuem transportadores que, coordenadamente, introduzem e removem cálcio do meio intracelular, permitindo que ocorra o ciclo de contração e relaxamento. Isto é impressionante quando se considera que este ciclo ocorre no coração mais de 2 trilhões de vezes ao longo da vida”

José Wilson Bassani recorre a outra figura, publicada por Bers na revista Nature, para comentar um dos trabalhos mais importantes do trio de pesquisadores, no qual compararam a interação de transportadores de cálcio no coração de coelhos e ratos. “Desenvolvemos uma técnica quantitativa para caracterizar a participação relativa de cada transportador no ciclo do cálcio e contração. Por exemplo, no coelho 70% do cálcio mobilizado numa contração circulam entre o citoplasma e uma organela intracelular, o retículo sarcoplasmático, enquanto que 28% são provenientes do meio extracelular e são removidos por uma proteína de membrana denominada troca sódio/cálcio, e 2% são removidos por transportadores lentos: mitocôndria e ATPase de cálcio de membrana.”

Segundo o pesquisador da Unicamp, este tipo de estudo também foi feito, aqui no Brasil, comparando o papel dos transportadores em ratos neonatos e adultos. “O transporte de cálcio no coração do rato neonato é semelhante ao do coelho adulto, e bastante diferente ao do rato adulto. Isso significa que a administração a neonatos de medicamentos que melhorem o transporte de cálcio no coração de adultos podem não só não ser efetivos, mas até levar a prejuízo do funcionamento do coração do neonato. Isto é particularmente importante quando se lembra que o transporte de cálcio é afetado pela maior parte dos medicamentos usados para tratar problemas cardiovasculares.”

José Wilson Bassani observa que vários tipos de arritmias cardíacas podem ser causadas, pelo menos em parte, por alterações no transporte de cálcio, tópico que sua equipe também vem estudando, daí o impacto razoável do trabalho do grupo na literatura, com centenas de citações. “Os reguladores de cálcio no coração sadio e doente são o nosso foco principal, mas neste projeto queremos abordar também a célula nervosa e a célula muscular esquelética, investigando o papel do transporte de cálcio em modelos experimentais de epilepsia e enxaqueca, e distrofia muscular.”

Coração humano

A expectativa de Bassani é que um ponto forte do projeto LabNECC esteja no estudo do coração humano normal, a partir de tecidos cardíacos obtidos de transplantes realizados no Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp. “Do coração usado para o transplante, uma pequena parte do tecido atrial é descartada como parte do procedimento de rotina. É este tecido que queremos aproveitar. Estamos, no momento, procurando implementar  a técnica para isolar as células individuais a partir de uma pequena amostra de tecido atrial. Os resultados preliminares vêm sendo animadores. Não há muitas equipes no mundo que realizam estes estudos em corações humanos, e a expectativa é que desta colaboração entre CEB e HC/FCM possam ser obtidos resultados que auxiliem no desenvolvimento de medicamentos e outras terapias para doenças cardiovasculares.