Ex-aluna do IA é protagonista em
vídeo pela valorização do artesão

04/11/2013 - 10:51


Priscilla Ramos cursou Artes Plásticas no Instituto de Artes (IA) da Unicamp entre 2000 e 2003 e desde o início da graduação se interessou muito pelo tridimensional, ou seja, pela escultura e a modelagem em argila. "A cerâmica sempre foi a técnica com a qual mais me identifiquei. Mesmo antes de entrar na faculdade, já modelava em argila. Durante a graduação, fui uma desenhista mediana e uma pintora sofrível mas, quando comecei a fazer cerâmica, me apaixonei e, desde então, é isso que faço", conta a artista.

Agora ela foi escolhida para protagonizar o primeiro vídeo do movimento Compro de quem Faz, uma iniciativa para promover o artesanato contemporâneo no Brasil e que já conta com mais de 12 mil fãs no Facebook. O objetivo, segundo os organizadores, é a valorização do trabalho de artesãos e artistas independentes, buscando “incentivar o sustentável e o local por meio do apoio às pessoas que amam o que fazem”.

Priscilla criou a CumbucaChic há dois anos e vem recebendo reconhecimento constante por seu trabalho, inclusive nas redes sociais. O processo de abrir a loja foi simples, mas vender, inicialmente, foi difícil. Ela descobriu que ninguém instantaneamente a encontraria no site e compraria seus trabalhos. "É preciso divulgar, encontrar seu público e comunicar-se com ele. Ter uma fanpage no Facebook, postar, fazer marketing... e, isso, ainda estou aprendendo a fazer. Mas com o tempo, e com persistência, o negócio começou a crescer".

Outro resultado da divulgação que fez de seu próprio trabalho veio como uma surpresa. A ceramista foi escolhida como uma das 20 finalistas do prêmio Modern Craft Project, com curadoria do designer Fernando Jaeger e da estilista Isabella Capetto. Ela confessa que a premiação lhe devolveu o ânimo em uma época em que estava questionando se realmente valeria a pena continuar a trabalhar com cerâmica. "Felizmente, decidi seguir em frente!", confessa. Depois da premiação, foi selecionada para protagonizar o vídeo e conta que o retorno tem sido muito bom, não só pela visibilidade, mas também pelo fato de muitas pessoas se identificarem com o que diz sobre o trabalho do artista - suas alegrias e seus percalços.

O papel da Universidade na formação do artista: o que é arte? O espaço e a estrutura para o desenvolvimento de técnicas e projetos artísticos oferecidos pelo IA aos seus alunos, através dos ateliês de cerâmica, gravura, marcenaria e fotografia desempenham papel vital pois, em sua opinião, permitem o acesso às técnicas que formarão o artista. "Montar e equipar espaços como esses é muito caro e, se não fosse pela Universidade, a maioria dos alunos jamais teria feito gravuras, queimado peças de cerâmica no forno ou trabalhado com madeira, por exemplo. Esse apoio material que a universidade pública dá é essencial".

A artista também destaca a importância das trocas proporcionadas pelo contato humano durante a graduação, que permite ampliar conhecimentos e ter seu próprio trabalho criticado pelos professores e colegas. "É um importante espaço de socialização e intercâmbio com outros artistas. O curso de Artes Visuais não é só um lugar onde podemos 'pôr a mão na massa', mas um ambiente onde aprendemos a pensar criticamente sobre o que fazemos. E esse 'pensar criticamente' passa tanto pelas matérias práticas (escultura, gravura, desenho, etc.) quanto pelas teóricas. Aprofundar os conhecimentos sobre história da arte, em especial a contemporânea, foi fundamental para mim, e acredito que tenha sido para todos os meus colegas também."

A cerâmica era seu trabalho prático mas, ao final da graduação, Priscilla se interessou pela história da arte e pensou em seguir carreira acadêmica. Assim surgiu seu interesse em fazer mestrado e estudar a Body Art, como uma tentativa de entender o próprio significado do conceito de 'arte'. "Se uma pessoa faz uma performance usando o próprio corpo, muitas vezes recorrendo a elementos que causam choque (como a automutilação e o teste dos limites do corpo, presentes nos trabalhos de Marina Abramovic, por exemplo), como isso passa a ser considerado arte? Quem determina o que é arte e o que não é? Como é o processo de validação dessas experiências radicais que, ao longo do tempo, passam a integrar o universo da 'arte'?" - essas foram as questões pesquisadas em sua dissertação de mestrado.

O interessante é que a artista admite que "jamais conseguiria fazer uma performance, jamais procuraria afrontar o espectador como os artistas mais radicais da Body Art fizeram." Ela acredita que a arte tem muitas funções e cita Ben Vautier, autor da frase “a arte é um trabalho sujo, e é preciso que alguém o faça”, citação que escolheu para abrir sua dissertação de mestrado.

"Alguns artistas precisam realmente tratar desse lado mais obscuro, provocativo. Outros – e acho que é aí que meu trabalho se encaixa – preferem abordar um lado mais delicado, mas sensível da experiência humana. Parece contraditório, mas acho que essas duas visões, de algum modo, se complementam", diz ela. Para Priscilla, o processo de produção artesanal é sempre influenciado por tudo que o artista já viveu e pesquisou e que fica refletido em seu trabalho atual.

Nesta curta entrevista, ela conta um pouco sobre seu processo criativo e sobre os planos para o futuro. Confira:


Como é o seu processo criativo?

Priscilla - Modelo algumas figuras – um homenzinho, uma menina, bichos – e tiro moldes para poder reproduzi-las depois. Também faço moldes de peças prontas, como potes de plástico ou isopor. Tendo os moldes prontos, confecciono as peças. No caso das figuras e bichos, a argila é pressionada dentro dos moldes (o que, em inglês, é chamado de press molding); já as cumbucas são feitas com barbotina (argila líquida), que é colocada dentro dos moldes (é a técnica de slip casting). Depois combino as peças – figuras e cumbucas - colando-as com barbotina. As peças são então biscoitadas (queimadas a 900ºC), esmaltadas e queimadas em alta temperatura (1280ºC). Quanto ao processo criativo, é simples. Vem uma ideia e a coloco em prática. O processo de colagem permite inúmeras combinações, e vou brincando com as possibilidades que esse processo oferece.

Em quem você se 'inspira'?
Priscilla - Não me inspiro em nenhum artista em particular. Mas gosto muito de arte contemporânea, em todas as suas formas (visuais, dança, música, cinema...). Para mim, inspiração não é “olhar a obra de um artista para ter ideias”, e sim estar atenta a diversas manifestações artísticas para se deixar sensibilizar por elas. Mas confesso que gosto muito dos trabalhos do Leonílson e do Efrain Almeida...

Onde você cria as peças?
Priscilla - No meu pequeno ateliê, um quartinho nos fundos da minha casa na Zona Oeste de São Paulo. E enquanto ainda não tenho meu próprio forno, queimo as peças no ateliê da Alessandra Dantas, que foi minha professora e com quem me aperfeiçoei na cerâmica depois que saí de Campinas e vim para São Paulo.

Você ouve música ou trabalha em silêncio quando está modelando uma peça?
Priscilla - Quando estou trabalhando em casa, sempre ouço música.

Que peça você gostaria de modelar e onde gostaria que ela estivesse exposta?
Priscilla - Meu trabalho tem sido (intencionalmente) mais comercial, mas tenho ideias de desenvolver peças mais ambiciosas e conceituais com o intuito de expor. Onde? Não sei. Em algum lugar bacana que pudesse abraçar um projeto que reunisse ceramistas contemporâneos. Infelizmente, a cerâmica ainda é vista pela maioria das instituições como uma arte menor, utilitária, pertencente ao campo do artesanato. No exterior (Europa e EUA,) existe todo um mercado de galerias e colecionadores. Infelizmente isso ainda falta no Brasil.