É com incomensurável tristeza que a Assessoria de Comunicação e Imprensa (Ascom) da Unicamp noticia o falecimento do jornalista e escritor Eustáquio Gomes, enquanto dormia, nesta sexta-feira, 31. Todos da Ascom, especialmente, e todos da Unicamp que tiveram a sorte de conhecer sua generosidade, talento e competência, já vinham sentindo a sua falta desde que ele teve uma rica trajetória abalada por problemas de saúde. A Unicamp decretou luto de três dias pela morte de seu Servidor Emérito Eustáquio Gomes. O sepultamento ocorreu no final da manhã deste sábado, 1 de fevereiro, no Cemitério Parque das Aleias, em Campinas. Veja como foi
"Além do jornalista brilhante, que implantou a área de comunicação na Unicamp e notabilizou-se pelo estilo inconfundível de suas crônicas, Estáquio Gomes sempre foi um amigo que aprendi a admirar pela generosidade e inteligência", disse o reitor da Unicamp, José Tadeu Jorge. "Mesmo antes de conhecê-lo pessoalmente, já admirava seu talento literário ao acompanhar a publicação, em capítulos, do livro Jonas Blau, pela imprensa, na década de 1980. Nossa relação pessoal transcendia às questões institucionais e se baseava numa profunda e sincera amizade. Foi também um dos servidores mais dedicados e comprometidos com a Unicamp. Além de criativo e talentoso, sua postura muitas vezes ia além da mera obrigação profissional. Por essa razão, a Unicamp perde alguém profundamente identificado com a Universidade. Eu, particularmente, perdi um grande amigo".
Eustáquio Gomes implantou a Ascom em 1982 e, salvo um breve hiato, comandou o trabalho de interface entre a Unicamp e a mídia externa, respondendo também pelo Jornal da Unicamp e pelo conteúdo noticioso do Portal da Unicamp, até março de 2012. Em dezembro, foi homenageado em sua residência com o título de Servidor Emérito da Universidade, proposta aprovada por unanimidade pelo Conselho Universitário (Consu).
Nascido no povoado de Campo Alegre (MG) em 1952, o filho de lavradores contou com a ajuda de amigos para realizar seus primeiros estudos, formando-se depois em jornalismo pela PUC-Campinas e tornando-se mestre em letras pela Unicamp. Trabalhou em jornais do interior, principalmente nos diários de Campinas, tendo atuado também nas áreas de comunicação das empresas Bosch do Brasil e White Martins. Como colaborador regular do campineiro Correio Popular, publicou cerca de 800 crônicas, além de reportagens especiais, entrevistas culturais e outros textos.
O escritor Eustáquio Gomes é autor do romance A Febre Amorosa (1994), possivelmente seu livro mais conhecido, adaptado para o teatro em 1996 e traduzido para o russo em 2005. Ao todo, ele produziu 16 obras, entre elas: Cavalo Inundado (poemas, 1975), Mulher que Virou Canoa (contos, 1978), Os Jogos de Junho (novela, 1982), Hemingway: sete encontros com o leão (ensaio biográfico, 1984), Jonas Blau (romance, 1986), Ensaios Mínimos (ensaios, 1988) e Os Rapazes d’a Onda e Outros Rapazes (ensaio, 1992).
Para a comunidade acadêmica, em particular, Eustáquio Gomes escreveu O mandarim: história da infância da Unicamp (biografia, 2006), contando como foram os primeiros anos da vida da Universidade, a partir do levantamento de documentos históricos e do depoimento de personagens que ajudaram a construir a instituição.
Por ocasião do título de Servidor Emérito, seu filho, Leandro Gomes, declarou: “É notória sua admiração pela Unicamp e pelas pessoas que a integram. Ele sempre ressalta o quanto aprendeu com a diversidade de ideias e conhecimentos que circulam no meio universitário e com os quais teve contato ao longo dos anos. Este reconhecimento por parte da instituição à qual consagrou parte significativa da sua vida é uma grande honra para meu pai e nossa família, coroando uma carreira dedicada à divulgação da Universidade e do conhecimento nela produzido”.
Leia depoimentos sobre Eustáquio Gomes
Pausa para o Almoço
Clayton Levy
Na hora do almoço, ele passa na minha sala e seguimos de carro para uma cantina próxima à Universidade. Durante a refeição, ele conta os sonhos da noite anterior. Impressiona-me sua facilidade para achar o significado de cada vivência onírica. Aprendeu isso com Jung, de quem se tornou admirador. Também acostumou-se a anotar os sonhos assim que abre os olhos, quando as imagens ainda estão frescas na memória. Até pouco tempo, vinha colhendo material para um novo livro cujo título, a princípio, seria Sonhos Constelados.
Entre uma garfada e outra, a conversa muda de rumo. Agora falamos sobre a morte. Não de um jeito tétrico, mas com a naturalidade que o assunto pede. Uma de suas preocupações é saber se poderá continuar escrevendo. Outra é saber se no além haverá bibliotecas, pois sem bibliotecas nem o paraíso valeria a pena. Tudo isso porque, entre outras coisas, mesmo depois de morto, não pretende interromper o hábito de escrever diários.
Essa coisa de diários vem de longe. É um jeito de “filtrar os venenos” do cotidiano. Boa parte dos livros que publicou, 16 ao todo, nasceram desses manuscritos íntimos. Até pouco tempo ainda registrava tudo a mão. Um dia abriu o armário e mostrou-me mais de 20 cadernos recheados de anotações. O segredo está em não banalizar o dia a dia. Miudezas opacas ganham brilho após ser banhadas na riqueza intelectual de seus neurônios. Personagens apagados emergem do anonimato de um jeito que jamais foram vistos.
A conversa dá mais algumas voltas, e ele agora fala do passado. Atravessou parte da infância num seminário, mas desistiu da vida eclesiástica a tempo de tornar-se escritor. No início, temeu que Deus punisse a falta mandando-o para o inferno. Mas depois, ao saber que o inferno estava cheio de escritores, passou a olhar o problema com outros olhos. Afinal, se já estavam aceitando essa gente por lá, não devia ser tão mal assim. Conta-me essas histórias e ri do tom caricato com que descreve a si mesmo.
Depois do almoço, caminhamos até o sebo que fica ali perto. Ele adora sebos. Conhece todos os que há na cidade, bem como os inquilinos ilustres que habitam cada uma de suas prateleiras. Com paciência e generosidade, apresenta-me um a um: Kafka, Camus, Mann... Pode ter desistido do seminário, mas mantém uma relação religiosa com a literatura. É devoto de Machado de Assis.
Corre o dedo pelas lombadas e puxa um volume: O eu profundo e outros eus, de Fernando Pessoa. Abre uma página ao acaso e começa a ler em voz alta: “Toda a gente que eu conheço e que fala comigo nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho, nunca foi senão príncipe, todos eles príncipes, na vida... Quem me dera ouvir de alguém a voz humana...” Dois estudantes param de conversar e olham com o rabo do olho. A gerente estica o pescoço para certificar-se do que está acontecendo.
Ele não dá bola e segue adiante: “...Quem me dera ouvir de alguém a voz humana, que confessasse não um pecado, mas uma infâmia; que contasse, não uma violência, mas uma covardia! Não, são todos o Ideal, se os ouço e me falam. Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil? Ó príncipes, meus irmãos...”
A essa altura, já há uma rodinha de curiosos ao nosso redor. Eu, que não sou escritor nem sei declamar, sinto que estou sobrando na cena. Tento esgueirar-me, sair de fininho, mas estou encurralado por pilhas de livros. A plateia entra numa expectativa muda, esperando o próximo ato. Ele se empolga:
“... Arre, estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo? Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra? Poderão as mulheres não os terem amado, podem ter sido traídos, mas ridículos nunca! E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído, como posso eu falar com os meus superiores sem titubear? Eu, que tenho sido vil, literalmente vil, vil no sentido mesquinho e infame da vileza.”
Um dos estudantes começa a bater palmas. Os demais vão atrás. Aliviado, porém orgulhoso, sigo a plateia. Ele ajeita os óculos, fecha o volume e devolve-o à prateleira. Depois, dá uma risadinha sardônica e começamos a sair. Lá fora, o ruído de um monomotor chama nossa atenção. Como num sonho, ganha altura, faz uma curva e some atrás das nuvens.
Clayton Levy é assessor-chefe da Assessoria de Comunicação e Imprensa (Ascom) da Unicamp
O Mandarim
(Entrevista com Eustáquio Gomes, produzida pela TV Unicamp)
A partir de uma entrevista com o jornalista e escritor Eustáquio Gomes, autor do livro O Mandarim, o programa Repórter Unicamp resgata a formação da Unicamp e parte da trajetória do ex-reitor Zeferino Vaz. Assim como no livro O Mandarim, no vídeo o jornalista narra os bastidores da época. O projeto para os cursos, a vinda de professores estrangeiros e brasileiros de ideologia oposta. A ousadia de trazer docentes de esquerda, em plena ditadura militar. O programa traz imagens raras do idealizador e fundador da Unicamp e depoimentos de quem viveu histórias curiosas envolvendo Zeferino Vaz.
Comentários
Saudades
Um amigo querido que marcou sua trajetória pelo brilhantismo e humildade.
Descanse em paz. Ensinou,
Descanse em paz. Ensinou, acolheu, ajudou todos aqueles que o procurou, obrigado Tatá por ter me deixado fazer parte um pouquinho destes momentos da sua vida. Amem
Eustáquio teve nesta vida uma
Eustáquio teve nesta vida uma trajetória brilhante, principalmente pela sua capacidade e facilidade de se comunicar com as pessoas. O carinho dele pelas bibliotecas da Unicamp sempre teve destaque nas conversas que tive oportunidade de ter tido com ele.
Eustáquio
É uma enorme perda para a Universidade e para a comunidade acadêmica. No entanto, ficarão as boas obras deixadas pelo nosso colega.
Uma grande perda,
Uma grande perda, infelizmente. Uma pessoa atenciosa, simples, humilde e companheira, acompanhou-me em conversas e discussões muito inteligentes, aprendi muito com ele. Deixo aqui registrado meu sincero luto e minhas condolências aos amigos e familiares.
Difícil conter as lágrimas
Difícil conter as lágrimas neste momento que leio esta notícia. Ao mesmo tempo meu coração se alegra por lembrar de momentos tão marcantes na história da Unicamp, e da assessoria de imprensa. Durante o tempo que tive o privilégio de conviver com o Tatá, foram inúmeras vezes que no Centro de Computação e Centro de Comunicação, pudemos colaborar juntos pra divulgar uma Unicamp sempre dinâmica, cumprindo seu papel, como Instituição de ponta no país.
MORTE DO ESTÁQUIO GOMES
12:15 horas - Sexta-feira, 31.janeiro.2014
Quem teve a felicidade de conviver com ESTÁQUIO GOMES sabe o ser humano que acabamos de perder. Afável, competente, criativo, diligente, generoso. Era um jornalista de primeira linha e um escritor ficcional de imenso valor literário.
Roberto Medeiros
Muito cedo....
Difícil não lembrar em momento como este o profissional competente, amigo, mineiro, que dedicou parte importante de sua vida à Unicamp e aos amigos. Tive o privilégio de conviver com o Tatá como jornalista que cobria a Unicamp, seja pelo JB ou pela Folha e depois ao seu lado, na Assessoria, por 11 anos. Seus planos de aposentadoria para dedicar-se integralmente à literatura, seus livros, foram sempre adiados.... A vida pregou-lhe uma peça com o AVC que o impediu de escrever... e o retirou do convívio de todos nós. Todos que conviveram com ele gostavam de seu jeito acolhedor, carinhoso e sobretudo humano. Era delicado até nas broncas....Não perdia a ternura, jamais. Seu texto era impecável e gostava de mostrar a todos a melhor maneira de contar uma história... É deste ser humano que mais sentirei saudades. Descanse em paz, Tatá... Saudades. Que a família saiba que era muito amado e admirado por todos que conviveram com ele. Perda irreparável. Existem coisas na vida que não têm uma explicação lógica. Esta é uma delas... Devemos, porém, continuar nossa trajetória, assim como Tatá....
Um bom amigo
Um amigo que valorizava a grandeza do resultado dos feitos mais simples. Fique em paz junto dos seus colegas escritores .... seja onde for.
Eustaquio uma lenda viva da historia da UNICAMP
Quem viveu a Universidade desde seu início, testemunha o quanto este fantástico jornalista contribuiu para que UNICAMP fosse o que é hoje.
O Mandarim, sua obra sobre a história da universidade
é seu legado maior, intransponível documento de profissionalismo e de amor.
Deixa um enorme vazio, sem reposição possível.
Toda a admiração e os pêsames sentidos para sua família e toda a Área d Comunicação da UNICAMP
joao luiz pinto e silva-professor titular da FCM
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