Seminário de filosofia debate
desenvolvimento científico da China
17/12/2014 - 12:39
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O seminário China - Inovação ou Ocidentalização? Lógica, linguagem e ciência, realizado nesta terça-feira (16) na Unicamp, trouxe à tona um intenso debate filosófico sobre o enorme desenvolvimento científico chinês a partir do final do século XX e a sua relação com a estrutura da língua chinesa. O encontro reuniu filósofos e especialistas em temas chineses no auditório I do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH).
A disseminada visão de que os chineses não tinham uma língua apropriada para o desenvolvimento da ciência, dentro do paradigma europeu do século XIX, foi oriunda, primordialmente, dos textos do filósofo alemão Hegel (1770-1831). Para Antonio Florentino Neto, professor colaborador da Universidade Estadual de Londrina (UEL), Hegel fez afirmações categóricas de que o Oriente não fez filosofia e que ela era essencialmente grega.
“Essa ideia não morre com Hegel, ela é repassada, e nós ouvimos isso hoje ainda, por alguns pensadores ou estudantes, de que a filosofia é grega, europeia, e que o Oriente não fez filosofia”, destacou Florentino, que é membro do Grupo de Estudos Brasil-China do Fórum Pensamento Estratégico (PENSES).
O professor da UEL criticou esse ponto de vista e apontou o erro de se dizer que o idioma chinês não permitiria afirmações predicativas e que os chineses não teriam conhecido o conceito de substância. “Toda a estruturação da lógica ocidental, que se desdobra posteriormente e chega aos nossos dias, passa pela elucidação e discussão do conceito de substância. Em última instância, a ciência do século XX não se desvencilhou totalmente do conceito de substância." Esses dois pontos estariam no cerne da crítica ao universo chinês como inapropriado para a produção do conhecimento científico, segundo Florentino.
O filósofo Lucas Angioni, professor de História da Filosofia Antiga no IFCH da Unicamp, classificou como “delirante” o conceito de que o mandarim seja inapropriado para essa estrutura predicativa, que seria privilégio das línguas indo-europeias. Essa inadequação viria da suposta ausência do verbo “ser” no chinês antigo, explicou Angioni, complementando que, mesmo em grego, não há relação entre o verbo “ser” e a predicação.
Foi consensual entre os palestrantes apontar como problemática a divisão categórica entre o que é Ocidente e Oriente. Para o diplomata Marco Tulio Scarpelli Cabral – que ocupou o posto de primeiro secretário da embaixada do Brasil em Pequim entre 2009 e 2013, sendo responsável pela área de ciência, tecnologia e inovação –, há muito de caricatural na visão ocidental sobre o chinês. “A China é uma das grandes civilizações da história, mas o que a distingue das outras grandes é o fato de ter mantido por mais tempo e com maior intensidade uma singular combinação de coesão cultural e linguística e unidade política”, afirmou Scarpelli.
Para o diplomata, que é doutorando em filosofia pela Université Libre de Bruxelles e professor no Instituto Rio Branco, o processo que a China vive atualmente não é de ocidentalização, mas de modernização. Scarpelli defendeu que a China, cientificamente, já se destacou ao longo da história, com a criação da prensa de tipos móveis antes de Gutenberg (1398 -1468), do papel e do sistema de administração pública imperial dos mandarins.
“A China foi uma sociedade extremamente inovadora, que produziu algumas das maiores inovações de todos os tempos, e teve seus momentos de crise, quando se fechou em si mesma e foi vítima do próprio sucesso ao perder o bonde da Revolução Industrial. Mas isso não autoriza qualquer conclusão sobre a incapacidade da cultura chinesa e do povo de inovar e produzir ciência”, apontou Scarpelli, citando dados sobre o enorme avanço científico e tecnológico do país nas últimas décadas.
Também participou do seminário o tradutor e professor de chinês Plínio Marcos Tsai, que abordou questões específicas da língua chinesa e sua relação com a estrutura predicativa. O seminário China - Inovação ou Ocidentalização? Lógica, linguagem e ciência foi realizado pelo Grupo de Estudos Brasil-China do Penses, espaço acadêmico ligado ao Gabinete do Reitor da Unicamp.