Crise hídrica requer uma
abordagem interdisciplinar
12/05/2015 - 16:16
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A complexidade da crise hídrica exige uma abordagem interdisciplinar e a interlocução dos diversos atores e instâncias decisórias envolvidos na busca por saídas. Essa foi uma das conclusões do Fórum Olhares sobre Nossas Águas: seus usos, qualidade, aspecto, gestão e saneamento, realizado nesta segunda e terça-feira (11 e 12), e que reuniu geólogos, advogados, economistas, engenheiros e químicos, entre outros profissionais, no Centro de Convenções da Unicamp.
No âmbito jurídico, a água é um direito fundamental e bem de uso comum do povo, não devendo ser considerado um bem de domínio público, defendeu a professora Luciana Cordeiro, da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp. Apesar de a Política Nacional de Recursos Hídricos estabelecer que a gestão hídrica deva ser feita de forma descentralizada, considerando a divisão das bacias hidrográficas e a criação de comitês que englobem todos os segmentos da sociedade, muitas vezes a água é tratada como domínio público. Ou seja, ela seria restringida a uma propriedade do Estado, excluindo a participação social, como estabelece a Lei nº 9.433/97, criticou a docente.
Segundo o professor Roberto Luiz do Carmo, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) e do Núcleo de Estudos de População (Nepo) da Unicamp, a falta da participação popular advém da falta de representatividade e capacidade efetiva de tomada de decisões e da falta de renovação de atores ao longo das duas últimas décadas. Carmo criticou que, à medida que o Estado brasileiro começou a se organizar para fazer valer a legislação ambiental, o setor produtivo agropecuário se articulou para alterá-la.
“Nós precisamos pensar quais são os atores que estão atuando efetivamente nos processos e quais são os processos políticos e econômicos que estão envolvidos. E isso implica pensar em diferentes escalas”. Segundo o demógrafo, enquanto o pequeno produtor está aberto para receber orientações técnicas, o grande produtor, que causa os maiores impactos ambientais, é inacessível.
Além da oferta de água, é necessário levar em consideração a questão qualitativa. O Brasil é o maior consumidor mundial de pesticidas, um dos principais contaminantes de águas subterrâneas e superficiais. Apesar disso, a legislação nacional é muitas vezes omissa em relação ao seu uso e não há um programa de monitoramento de pesticidas em águas superficiais. A química Cassiana Montagner Raimundo, do Instituto de Química (IQ) da Unicamp, apontou para a questão dos contaminantes emergentes, compostos presentes em diversos ambientes e que oferecem riscos a saúde humana, fauna e flora, tais como pesticidas, efluentes industriais e contaminantes de origem antrópica. Cassiana Raimundo criticou a falta de regulação dos contaminantes, principalmente em ambientes aquáticos, já que interferem no sistema endócrino de diversas espécies.
Sônia Amaro, da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor PROTESTE, criticou a tarifa de contingência cobrada em São Paulo em caso de elevação do consumo, desde dezembro de 2014, sem que ainda não se tenha adotado medidas como o racionamento de água. Ela afirma que, além de outros requisitos previstos na legislação não terem sido efetivamente cumpridos, uma grande campanha de informação deveria ter sido feita para que a população soubesse a real situação de desabastecimento no Estado. “À luz da defesa do consumidor, penalizar o consumidor, antes de serem cumpridos esses requisitos da lei, não seria a melhor forma de conduzir a situação.”
O evento desta semana foi uma continuação do Fórum Sustentabilidade Hídrica: Perguntas, Desafios e Governança, promovido em março na Unicamp. O evento foi organizado pelo Fórum Pensamento Estratégico (Penses), com apoio da FCA, do Instituto de Economia (IE) e da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) da Unicamp.
No Sistema Cantareira, o município de Extrema, no sul de Minas Gerais, foi pioneiro na implantação do sistema de pagamento por serviços ambientais, que remunera o proprietário responsável pela recuperação de áreas degradadas. Esse modelo considera a importância da readequação do solo para aumentar a produção de água no subsolo. Na cidade mineira o pagamento é custeado pela prefeitura, mas seria necessário um aprimoramento desse instrumento econômico de gestão dos recursos hídricos para que pudesse ser multiplicado em outros locais de maneira sustentável,
explicou o professor Ademar Romeiro, do Instituto de Economia da Unicamp.
Para o economista, o consumidor deveria pagar não somente o custo de captação, tratamento e distribuição, mas também o preço da água, que englobaria os serviços ambientais: adequação do solo para a máxima absorção de água, recuperação florestal e manejo racional de pastagens. "Nós fizemos um estudo sobre a disposição da população em pagar pela água e, aqui em Campinas, o resultado foi de cerca de 10 reais por mês na conta. Isso é altíssimo. Ou seja, a população está disposta a pagar, mas o valor nem chegaria a 10 reais", declarou. Oscar Sarcinelli, que foi aluno de doutorado de Romeiro no IE, detalhou durante o fórum um estudo sobre a efetividade da cobrança por serviços ambientais no Cantareira para elevar a produção de água.
O papel das microbacias como importantes produtoras para abastecimento municipal foi o foco do pesquisador científico Rinaldo de Oliveira Calheiros, do Instituto Agronômico de Campinas. Ele criticou o fato de que muitas prefeituras se preocupam em demasia com estações de tratamento de água e esgoto, sem dar a devida atenção para a preservação das nascentes, que poderiam garantir o abastecimento em caso de escassez nos grandes reservatórios. Calheiros especificou a situação das microbacias de Nova Odessa, município autossuficiente na produção de água, onde vem desenvolvendo um trabalho. Segundo o pesquisador, a autossuficiência hídrica deriva de duas preocupações: a autossustentabilidade hídrica e a seguridade dos mananciais. Calheiros disse que nascentes degradadas podem reduzir sua produção para apenas 20% de sua capacidade em decorrência do assoreamento.
Lançamento
Durante o Fórum Olhares sobre Nossas Águas, houve o lançamento do livro infantil Clara: Uma Gotinha d'Água, de autoria da professora Luciana Cordeiro. A história é a primeira de uma série de 12 livros que vão retratar os biomas brasileiros, rios, fauna, aquíferos e simbiose de água e florestas. Os personagens principais, inspirados em pessoas importantes da trajetória da autora, são os “guardiões da água”. A narrativa retrata também temas econômicos e sociais do Brasil.
O livro já está disponível nas versões impressa e em e-book, em versões em português, espanhol e inglês, e foi lançado na plataforma Kickante. “A ideia é que as crianças mostrem para os seus pais. Eu sou professora de Direito Ambiental. Eu falo sobre água para adultos desde 1999. Eu vejo que, às vezes, isso é em vão. O conhecimento verdadeiro tem que ser sentido. Eu vejo que a forma de conseguir isso é por meio das crianças”, afirmou a docente da FCA.
Saiba como foi o Fórum Sustentabilidade Hídrica: Perguntas, Desafios e Governança.