Fórum do Labjor alimenta debate sobre
proteção de dados pessoais na rede
19/05/2015 - 16:03
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A questão da vigilância e privacidade dominou os debates de mais uma edição do Fórum Permanente de Ciência, Tecnologia e Inovação, agora sob o tema “Novos horizontes da informação”, no Centro de Convenções. Os Fóruns Permanentes da Unicamp são uma iniciativa da Coordenadoria Geral da Universidade (CGU), sendo que o evento desta terça-feira foi organizado pelo Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor), do Núcleo de Desenvolvimento da Criatividade (Nudecri).
A professora Marta Mourão Kanashiro, da comissão organizadora, disse que o evento veio alimentar o debate público em torno do anteprojeto da Lei de Proteção de Dados Pessoais em preparação pelo governo, que ainda não ganhou a devida repercussão. “A vigilância vem se tornando um tema cada vez mais importante. Desde as revelações de Edward Snowden, temos visto o acirramento das propostas de vigilância tanto das corporações como dos Estados. É urgente que a Universidade também passe a debater e tratar do tema em suas pesquisas.”
Edward Joseph Snowden, a quem Marta se refere, é o ex-administrador de sistemas da CIA e ex-funcionário da Agência Nacional de Segurança (NSA) que denunciou vários programas do sistema de vigilância global dos Estados Unidos. Snowden também foi o mote da conferência de abertura do professor David Lyon, sociólogo que coordena o Centro de Estudos de Vigilância da Queen’s University (Canadá) e estuda o assunto há mais de 20 anos, sendo uma referência na área e autor de dezenas de livros e artigos. Por erro da editora, seu último livro, “Vigilância Líquida”, traduzido para o português, traz apenas o nome do coautor Zygmunt Bauman.
O centro coordenado por David Lyon vem realizando pesquisas sobre câmeras de vigilância, sistemas de identificação e mídia social, entre outros focos. Na conferência intitulada “Vigilância global e vida cotidiana nos tempos pós-Snowden”, o sociólogo canadense observou que a vigilância afeta a todos no mundo, e não somente a EUA ou Canadá. “As revelações de Snowden causaram indignação porque eram de informações coletadas pela agência do governo americano, e chocaram o mundo por causa do tamanho e extensão. Os governos espionam seus cidadãos, violando a vida privada, que é uma prática democrática.”
Outra revelação de Edward Snowden, segundo o palestrante, é que as companhias de internet e telefonia compartilham informações pessoais dos consumidores, traindo a relação de confiança. “O governo americano tem essas informações, que estavam sob a responsabilidade das empresas e eram interceptadas e armazenadas pela NSA sem a ciência das pessoas. A NSA funciona de maneira diferente das agências de inteligência de outros países, mas não está claro se interage com as demais. O que sabemos é que intercepta as informações em trânsito pelo mundo inteiro, possuindo vários programas com funções específicas, como para interceptar cabos de fibra óptica e acessar dados armazenados por empresas como Apple, Google e Facebook.”
Lei brasileira
A primeira mesa do fórum organizado pelo Labjor tratou de “Proteção de dados, privacidade e criptografia”. Sergio Amadeu, professor da Universidade Federal do ABC, discorreu sobre o mercado de dados pessoais existente hoje, em contraposição à defesa do direito à privacidade. “As grandes corporações da internet vivem da formação, manuseio, captura, processamento e análise de dados dos seus usuários – é um mercado crescente e nada indica que vá diminuir. Mas, quanto mais o cidadão assimilar a ideia de que pode controlar os dados sobre sua vida, intimidade e ações em rede, menos espaço dará para esse mercado que chamamos de ‘trade-off’ (a troca conflitiva entre mercado de compra e venda de dados pessoais e o direito à privacidade).”
Sergio Amadeu ressalta que, apesar da crença de que esta apropriação de informações é inevitável, há meios de defender o cidadão. “Os países podem firmar tratados internacionais colocando limites para esse mercado que destrói a privacidade, a exemplo do anteprojeto de lei que estamos discutindo no Brasil. Além dessa alternativa no campo do direito, existe a de proteção individual: embora o cidadão muitas vezes não possa proteger seus metadados, pode evitar, por exemplo, o rastreamento (tracking) da sua navegação na internet ou usar criptografia para que os robôs da rede não leiam suas mensagens. Mas é preciso disposição para isso, quando a maioria das pessoas não reflete sobre o discurso predominante de que a privacidade acabou – discurso que, quanto mais avança, mais fragiliza o elemento vital da democracia, que é a privacidade.”
Danilo Doneda, professor da UFRJ e membro do grupo criado pelo Ministério da Justiça para estudar e preparar o texto do projeto de lei sobre proteção de dados no Brasil, também participou da primeira mesa. “O texto para ser discutido pela sociedade tem o objetivo de estabelecer direitos do cidadão em relação a seus dados e instrumentos para que ele possa controlar o que as empresas e o próprio poder público farão com esses dados. É a peça que está faltando. Há leis que se preocupam com alguns aspectos da informação, como o Código Civil que trata da internet, mas de forma setorizada, e outras como de bancos de dados de credores e de consumo. Mas falta a regulamentação geral deixando claro que, tanto Estado como empresas, terão que respeitar um pouco mais o cidadão no que diz respeito aos dados pessoais.”
Duas mesas na parte da tarde completaram a programação do fórum permanente sobre “Novos horizontes da informação”: “Vazamento de informação, resistência e transparência”, com as participações de Murilo Bansi Machado (UFABC), Ricardo Matheus (Instituto Pólis) e Lucas de Melo Melgaço (Vrije Universiteit Brussel, da Bélgica); e a mesa sobre “Informação, valor, prospecção e acumulação”, com Silvio Cesar Camargo, Diego Vicentini e Rafael Alves, todos do IFCH/Unicamp.