Fórum do Labjor alimenta debate sobre
proteção de dados pessoais na rede

19/05/2015 - 16:03

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David Lyon, da Queen’s University (Canadá)

David Lyon, da Queen’s University (Canadá)

Marta Kanashiro, da organização do fórum

Marta Kanashiro, da organização do fórum

Sergio Amadeu, palestrante da UFABC

Sergio Amadeu, palestrante da UFABC

Danilo Doneda, trabalhando no texto da lei

Danilo Doneda, trabalhando no texto da lei

A questão da vigilância e privacidade dominou os debates de mais uma edição do Fórum Permanente de Ciência, Tecnologia e Inovação, agora sob o tema “Novos horizontes da informação”, no Centro de Convenções. Os Fóruns Permanentes da Unicamp são uma iniciativa da Coordenadoria Geral da Universidade (CGU), sendo que o evento desta terça-feira foi organizado pelo Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor), do Núcleo de Desenvolvimento da Criatividade (Nudecri). 

A professora Marta Mourão Kanashiro, da comissão organizadora, disse que o evento veio alimentar o debate público em torno do anteprojeto da Lei de Proteção de Dados Pessoais em preparação pelo governo, que ainda não ganhou a devida repercussão. “A vigilância vem se tornando um tema cada vez mais importante. Desde as revelações de Edward Snowden, temos visto o acirramento das propostas de vigilância tanto das corporações como dos Estados. É urgente que a Universidade também passe a debater e tratar do tema em suas pesquisas.” 

Edward Joseph Snowden, a quem Marta se refere, é o ex-administrador de sistemas da CIA e ex-funcionário da Agência Nacional de Segurança (NSA) que denunciou vários programas do sistema de vigilância global dos Estados Unidos. Snowden também foi o mote da conferência de abertura do professor David Lyon, sociólogo que coordena o Centro de Estudos de Vigilância da Queen’s University (Canadá) e estuda o assunto há mais de 20 anos, sendo uma referência na área e autor de dezenas de livros e artigos. Por erro da editora, seu último livro, “Vigilância Líquida”, traduzido para o português, traz apenas o nome do coautor Zygmunt Bauman. 

O centro coordenado por David Lyon vem realizando pesquisas sobre câmeras de vigilância, sistemas de identificação e mídia social, entre outros focos. Na conferência intitulada “Vigilância global e vida cotidiana nos tempos pós-Snowden”, o sociólogo canadense observou que a vigilância afeta a todos no mundo, e não somente a EUA ou Canadá. “As revelações de Snowden causaram indignação porque eram de informações coletadas pela agência do governo americano, e chocaram o mundo por causa do tamanho e extensão. Os governos espionam seus cidadãos, violando a vida privada, que é uma prática democrática.” 

Outra revelação de Edward Snowden, segundo o palestrante, é que as companhias de internet e telefonia compartilham informações pessoais dos consumidores, traindo a relação de confiança. “O governo americano tem essas informações, que estavam sob a responsabilidade das empresas e eram interceptadas e armazenadas pela NSA sem a ciência das pessoas. A NSA funciona de maneira diferente das agências de inteligência de outros países, mas não está claro se interage com as demais. O que sabemos é que intercepta as informações em trânsito pelo mundo inteiro, possuindo vários programas com funções específicas, como para interceptar cabos de fibra óptica e acessar dados armazenados por empresas como Apple, Google e Facebook.” 

Lei brasileira 
A primeira mesa do fórum organizado pelo Labjor tratou de “Proteção de dados, privacidade e criptografia”. Sergio Amadeu, professor da Universidade Federal do ABC, discorreu sobre o mercado de dados pessoais existente hoje, em contraposição à defesa do direito à privacidade. “As grandes corporações da internet vivem da formação, manuseio, captura, processamento e análise de dados dos seus usuários – é um mercado crescente e nada indica que vá diminuir. Mas, quanto mais o cidadão assimilar a ideia de que pode controlar os dados sobre sua vida, intimidade e ações em rede, menos espaço dará para esse mercado que chamamos de ‘trade-off’ (a troca conflitiva entre mercado de compra e venda de dados pessoais e o direito à privacidade).” 

Sergio Amadeu ressalta que, apesar da crença de que esta apropriação de informações é inevitável, há meios de defender o cidadão. “Os países podem firmar tratados internacionais colocando limites para esse mercado que destrói a privacidade, a exemplo do anteprojeto de lei que estamos discutindo no Brasil. Além dessa alternativa no campo do direito, existe a de proteção individual: embora o cidadão muitas vezes não possa proteger seus metadados, pode evitar, por exemplo, o rastreamento (tracking) da sua navegação na internet ou usar criptografia para que os robôs da rede não leiam suas mensagens. Mas é preciso disposição para isso, quando a maioria das pessoas não reflete sobre o discurso predominante de que a privacidade acabou – discurso que, quanto mais avança, mais fragiliza o elemento vital da democracia, que é a privacidade.” 

Danilo Doneda, professor da UFRJ e membro do grupo criado pelo Ministério da Justiça para estudar e preparar o texto do projeto de lei sobre proteção de dados no Brasil, também participou da primeira mesa. “O texto para ser discutido pela sociedade tem o objetivo de estabelecer direitos do cidadão em relação a seus dados e instrumentos para que ele possa controlar o que as empresas e o próprio poder público farão com esses dados. É a peça que está faltando. Há leis que se preocupam com alguns aspectos da informação, como o Código Civil que trata da internet, mas de forma setorizada, e outras como de bancos de dados de credores e de consumo. Mas falta a regulamentação geral deixando claro que, tanto Estado como empresas, terão que respeitar um pouco mais o cidadão no que diz respeito aos dados pessoais.” 

Duas mesas na parte da tarde completaram a programação do fórum permanente sobre “Novos horizontes da informação”: “Vazamento de informação, resistência e transparência”, com as participações de Murilo Bansi Machado (UFABC), Ricardo Matheus (Instituto Pólis) e Lucas de Melo Melgaço (Vrije Universiteit Brussel, da Bélgica); e a mesa sobre “Informação, valor, prospecção e acumulação”, com Silvio Cesar Camargo, Diego Vicentini e Rafael Alves, todos do IFCH/Unicamp.