Debate interdisciplinar sobre maconha
reúne pesquisadores na Unicamp
11/06/2015 - 14:19
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O primeiro dia do Fórum Visões Interdisciplinares da Maconha: Evidências, Valores e Fantasias, realizado nesta quinta-feira (11), no Centro de Convenções da Unicamp, abordou aspectos históricos, sociais e econômicos da Cannabis sativa no Brasil e no mundo, reunindo profissionais de diversas áreas de estudo. A perspectiva histórica da maconha e de outras drogas psicoativas no Brasil, entre o final do século XIX e o início do século XX, foi abordado pela historiadora Thamires Moreira, pesquisadora do Laboratório de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (Leipsi) da Unicamp. Para ela, a política de proibição das drogas no Brasil, a partir das décadas de 1920 e 1930, foi permeada de contornos eugenistas. Segundo ela, muitas das drogas que até então eram amplamente utilizadas para fins medicinais, como a cocaína e os derivados do ópio, começaram a ser alvo do controle social.
Em grande parte, afirmou a historiadora, isso se deve à associação do uso dessas drogas, no Rio de Janeiro, então a capital do país, a alguns grupos sociais considerados indesejados: como o ópio relacionado aos imigrantes chineses, a cocaína aos ambientes de prostituição e a maconha aos descentes de escravos e à população negra em geral. Para Thamires, esse processo histórico torna clara a “hipocrisia da seletividade” sobre esse tema. “Olhar para essa história é importante para entender de onde veio esse pensamento profundamente opressor e repressivo.”
Em sua palestra, o professor Henrique Carneiro, do Departamento de História da Universidade de São Paulo (USP), mostrou de que maneira a situação experimentada pelos Estados Unidos com a Lei Seca, na década de 1920, revelou que o modelo proibicionista não é eficiente para reduzir o consumo dessas substâncias. Carneiro afirmou que os resultados da Lei Seca foram considerados um “enorme fracasso”.
“A Lei Seca não alterou em nada uma situação que era de consumo alcoólico, e ninguém foi beber em massa quando a legislação foi alterada. Atualmente, no Brasil, temos um processo muito parecido com o que aconteceu nos EUA naquela época”, comparou Carneiro.
O medo exercido pela maconha na sociedade atrapalha as discussões sobre as políticas a serem adotadas com relação à planta, declarou o psiquiatra Luís Fernando Tófoli, professor da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp e um dos organizadores do evento durante a mesa de abertura. "O conjunto de crenças, evidências, tabus, desafios, terrores e prazeres pertencentes ao palco social tece uma tela que frequentemente cerra a visão sobre o tema. As experiências boas e ruins com a maconha são distorcidas e projetadas nessa tela de forma a não nos permitir, com clareza e inteireza, discutir qual seriam os melhores caminhos sobre a maconha."
Maurício Fiore, pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), fez uma análise sob a perspectiva das ciências sociais. O antropólogo considerou que a maconha está ocupando atualmente um lugar diferente das outras drogas ilegais na sociedade, deixando o aspecto da marginalidade. “A normalização traz novos desafios, principalmente considerando que o consumo de maconha se concentra nas populações jovens.” Fiore criticou o nível das discussões atualmente no Brasil, baseadas mais em discursos políticos do que em evidências científicas.
O jornalista Denis Burgierman, autor do livro O Fim da Guerra, sobre novas estratégias adotadas para lidar com as drogas no mundo, tratou da necessidade de criação de novas narrativas para debater o tema e destacou o papel da mídia, no século XX, na criação de um “pânico social” que levou à proibição da maconha, em um primeiro momento, e, em um segundo, à guerra às drogas.
A ONU estima que, em 2012, havia no mundo 177 milhões de usuários de maconha, sendo a substância psicoativa que mais gera valor no mercado. Apesar da dificuldade de se mensurar esse negócio, o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) considera que a Cannabis é um fenômeno global, lembrou a economista Taciana Santos de Souza. Ela discutiu em sua palestra as dificuldades de se acabar com o narcotráfico e criticou o discurso que tenta culpar o consumidor. “É uma ingenuidade pensar que o consumidor é soberano; o mercado existe e o narcotráfico prevalece porque é uma atividade altamente lucrativa.”
O juiz José Henrique Torres, membro da Associação Juízes para a Democracia, abordou a inconstitucionalidade da criminalização das drogas. Para o magistrado, a criminalização das drogas é “racista” e os dados mostram isso de maneira “muito evidente”, além de estigmatizar os usuários e privá-los das ações terapêuticas. Torres citou em sua apresentação uma resolução da ONU que afirma: “Não se deve sacrificar a saúde pública para preservar a segurança pública, mas, sim, deve ser garantido o acesso universal ao tratamento da toxicodependência, como um dos melhores meios para a redução do mercado ilegal de drogas”. Segundo o juiz, a constatação principal é que a guerra contra as drogas mata mais do que as drogas e o narcotráfico.
A proibição também não tem funcionado como um mecanismo de controle do plantio da droga no país, apontou o advogado Emílio Figueiredo, consultor jurídico do Growroom. O perfil do cultivador traçado por Figueiredo mostra que a maior parte tem mais de 30 anos, é da classe média e com carreira profissional estabelecida. A possível legalização da produção de maconha no Brasil precisa considerar a situação das pessoas que já lidam com os problemas do proibicionismo, alertou o advogado. Para ele, nesse processo, pode haver uma tendência de beneficiar usuários de classe média e grandes corporações empresariais, que explorariam comercialmente a planta. “O desafio é fazer uma legalização com inclusão social, é pegar o preto e pobre, de periferia, e o incluir. A legalização tem que ter uma função social de reparar os danos históricos das vítimas da guerra às drogas”.
O evento, organizado pelo Fórum Pensamento Estratégico (Penses), com o apoio da Faculdade de Ciências Médicas (FCM), do LEIPSI e da Casa do Lago da Unicamp, continua nesta sexta-feira apresentando debates sobre a maconha e seu uso medicinal, a questão da saúde pública, das políticas de combate e a experiência uruguaia de legalização.