Para especialistas há necessidade de
evidências científicas sobre a maconha

12/06/2015 - 15:48

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Mesa sobre uso medicinal do Fórum Visões Interdisciplinares da Maconha

Mesa sobre uso medicinal do Fórum Visões Interdisciplinares da Maconha

Fabrício Pamplona, do Instituto D'or de Pesquisa e Ensino

Fabrício Pamplona, do Instituto D'or de Pesquisa e Ensino

Renato Filev, pesquisador da Unifesp

Renato Filev, pesquisador da Unifesp

Público do segundo dia do evento no Centro de Convenções

Público do segundo dia do evento no Centro de Convenções

Leandro Ramires, da Associação Brasileira de Pacientes de Cannabis Medicinal

Leandro Ramires, da Associação Brasileira de Pacientes de Cannabis Medicinal

Mesa sobre a política da maconha

Mesa sobre a política da maconha

Luiz Guilherme de Paiva, da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas

Luiz Guilherme de Paiva, da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas

Cristiano Maronna, da Plataforma Brasileira de Política de Drogas

Cristiano Maronna, da Plataforma Brasileira de Política de Drogas

Julita Lemgruber, da Universidade Cândido Mendes

Julita Lemgruber, da Universidade Cândido Mendes

Maria Aparecida Carvalho, da Associação Brasileira de Pacientes de Cannabis Medicinal

Maria Aparecida Carvalho, da Associação Brasileira de Pacientes de Cannabis Medicinal

O debate sobre os diversos usos e proibições da maconha e de seus derivados deve ser baseado em evidências científicas e não apenas em posicionamentos políticos, morais e religiosos. Esse foi um dos consensos dos especialistas reunidos no Centro de Convenções da Unicamp, nesta sexta-feira, no segundo dia do Fórum Visões Interdisciplinares da Maconha: Evidências, Valores e Fantasias.

A Cannabis sativa é uma planta com uma grande complexidade química, formada por cerca de 400 compostos praticamente exclusivos dessa planta, sendo aproximadamente 60 deles canabinoides. O psicofarmacologista Fabrício Pamplona, do Instituto D'or de Pesquisa e Ensino, ressaltou as enormes potencialidades terapêuticas e benefícios medicinais dos canabinoides. Ele lembrou que todos os seres humanos dispõem de canabinoides no organismo: os endocanabinoides agem no cérebro para regular a atividade elétrica dos neurônios. "Se fosse em outros tempos ou com uma substância menos estigmatizada, eu não tenho a mínima dúvida de que muitas pessoas já teriam se beneficiado do canabidiol e de outros canabinoides", lamentou Pamplona.

O uso de canabinoides remete há 10 mil anos, estando presente nas sociedades egípcias, chinesas, assírias e hindus, apontou o biomédico Renato Filev, doutorando em neurociências pelo Departamento de Fisiologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). A maconha é originária da Ásia Central, na região do Tibete, Índia, Nepal e Paquistão, mas a planta se adaptou e se espalhou pelo mundo, sendo empregada para finalidades ritualísticas, recreativas e medicinais.

O médico Leandro Ramires sensibilizou a plateia ao mostrar sua experiência pessoal como pai de uma criança epilética que luta pelo fim da proibição e pela popularização de derivados da maconha, como o canabidiol. Fundador da Associação Brasileira de Pacientes de Cannabis Medicinal (AMA-ME), Ramires apresentou dados de um estudo científico feito por seu grupo, ainda não publicado, que mostra benefícios expressivos em crianças que sofrem de epilepsia, como a redução das crises em 78% dos pacientes, além de diminuição da intensidade desses episódios e a melhora no desenvolvimento neuropsicomotor. “Temos que ter mais evidências científicas, não basta afirmarmos os benefícios do óleo de canabidiol para pacientes epiléticos”, alertou o médico.

Filev foi taxativo ao afirmar que não existe sequer uma morte registrada na literatura médica por intoxicação pelo uso de cânabis. Mesmo havendo diversos estudos evidenciando os benefícios medicinais da maconha, como para epilepsia e tratamento de estresse pós-traumático, o biomédico disse que há necessidade de mais estudos científicos para embasar de maneira enfática os argumentos favoráveis à liberação da Cannabis sativa. “O senso comum é de que a maconha mata neurônios, mas as pesquisas mostram o contrário, que ela evita a deterioração dos neurônios”, exemplificou.

Marcelo Sodelli, professor da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da PUC-SP, aponta para a necessidade de um modelo de prevenção do uso da droga que esteja fora do contexto de punição. Sodelli fez uma analogia com as atividades lúdicas das crianças e a busca humana por estados alterados de percepção. Segundo ele, a atração exercida nos parques infantis por brinquedos como o gira-gira revela uma necessidade humana de lidar com esses estados alterados, mesmo fora de contextos relacionados a drogas.

No fórum foi lembrado o modelo da Holanda de redução de danos, que engloba programas baseados no diálogo com os usuários. Denis Petuco, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), apontou esse modelo como uma forma de combate ao estigma dos usuários de droga, que disse ser a maior causa de danos. A partir do diálogo, disse ele, é possível que a voz do paciente não seja usada só no diagnóstico do tratamento, mas também como uma voz que ajuda a produzir técnicas de cuidado.

Maria Aparecida Carvalho, da Associação Brasileira de Pacientes de Cannabis Medicinal, utiliza óleos ricos em canabidiol no tratamento da filha, Clarián, que possui Síndrome de Dravet. A doença provoca fortes crises de convulsão e dificulta a regulação da temperatura do corpo, impedindo a transpiração.  A partir do uso do óleo, a quantidade de convulsões mensais de Clarián diminuiu de 16 para uma ou duas e ela passou a transpirar. Apesar de conseguir o tratamento, Maria Aparecida reclama da falta de uma política padronizada de fiscalização no país, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e Receita Federal, o que dificulta a importação desses derivados medicinais. Por causa do problema, algumas famílias se arriscam na produção artesanal. “O tema maconha não pode ser visto de qualquer maneira pelas autoridades. Quando falamos dele, falamos de vidas. Vidas que se perdem ou pela falta da maconha medicinal ou pelo porte dela, que é a absurda guerra às drogas.” 

O evento foi organizado pelo Fórum Pensamento Estratégico (Penses), com o apoio da Faculdade de Ciências Médicas (FCM), do Laboratório de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (Leipsi) e da Casa do Lago da Unicamp.

Veja como foi o primeiro dia do fórum