Encontro com Malba Tahan
em exposição do V Shiam
03/07/2015 - 14:20
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O acervo de Malba Tahan (1895-1974), que na verdade oculta a identidade do brasileiro Julio Cesar de Mello e Souza, engenheiro que escolheu ser professor de Matemática e que deixou uma longa lista de contribuições a essa disciplina, poderá ser visitado entre os dias 6 a 8 de julho na Unicamp. Trata-se da exposição Malbamatemática, que foi ampliada e acontece no Centro de Convenções dentro do contexto do V Seminário Nacional de Histórias e Investigações de/em Aulas de Matemática (V Shiam), promovido pela Faculdade de Educação (FE). O docente Sérgio Lorenzato, ex-aluno de Malba Tahan, será o curador dessa exposição. Lorenzato é coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Matemática no Anos Iniciais (Gepemai). A novidade é que o acervo de Malba Tahan agora foi doado à FE pela família, que reside no Rio de Janeiro, e ficará sob a coordenação do professor André Paulilo. Sérgio Lorenzato falou ao Portal Unicamp na manhã desta sexta-feira (3) sobre Julio Cesar de Mello e Souza no marco dos seus 120 anos de história. A data de 6 de maio, do seu nascimento, se tornou o Dia Nacional da Matemática, institucionalizado por Lei Federal nº 12.835. A seguir, acompanhe a entrevista com o professor Sérgio Lorenzato.
Portal Unicamp – O que o público verá na exposição de Malba Tahan?
Sérgio - Será uma exposição em homenagem ao aniversário que ele faria, se tivesse vivo. Principalmente agora devemos a ele mais ainda do que antes porque o Dia Nacional da Matemática foi institucionalizado pela Presidência da República. Por que foi escolhido o dia 6 de maio? Foi em homenagem a este professor de Matemática brilhante que tivemos que se chamava Julio Cesar de Mello e Souza, conhecido como Malba Tahan (1895-1974). Era brasileiríssimo, mas muita gente conhece Malba Tahan como um cidadão da cultura árabe. Ele estudou durante sete anos antes de lançar o heterônimo Malba Tahan. Eles são a mesma pessoa. Ele já tinha criado o nome RV Slade, que nunca existiu. Inventou um tradutor do árabe para o português, Breno Bianco, que também não existiu. Quando tinha 12 anos, escreveu um livrinho de um volume só. Lá ele dizia que o redator era o Salomão IV. Então ele já tinha, desde a infância, essa habilidade de criar personagens. Aos 24 anos, escreveu uns contos e os encaminhou ao jornal O Imparcial, do Rio de Janeiro. Durante quatro meses, percebeu que não os publicavam. Ele assinava como Julio Cesar de Mello e Souza, seu nome. Decidiu mudá-lo usando o nome de um professor norte-iorquino que não existiu - Slade. Na mesma semana, foram publicados "Os contos de Slade". Então ele descobriu que era por aí. Ficou pensando o que fazer: vou lançar um nome em chinês, um em japonês, até que ele optou por um nome árabe, porque na época existiam alguns contos fascinantes de Mil e Uma Noites, com histórias de tapete voador, Ali Babá e os 40 ladrões. Consta nos arquivos dele que Irineu Marinho sugeriu a ele o árabe. E ele se dedicou a estudar a língua. Quem lê Malba Tahan tem a certeza de que ele não é brasileiro e que é árabe. Não é verdade.
Portal Unicamp - Quem é então Julio Cesar de Mello e Souza?
Sérgio - Nasceu no RJ, passou a infância em Queluz, no Estado de São Paulo. Viveu a fase de criança de maneira muito solta pelos campos, na beira do rio Paraíba, que margeia a sua cidade. Seu maior prazer era pescar ali. Eram nove irmãos, sendo a mãe professora. Tinha uma coleção de sapos. E poderia fazer coleção do que, já que sua família era pobre? Cercava os sapos no lugar onde ele chamava saparia e, quando foi para o RJ e teve que soltá-los, reclamou que houve uma sapotagem. Era de fato muito criativo.
Portal Unicamp - Qual foi o percurso que ele fez?
Sérgio - No Rio de Janeiro, fez o ginásio, entrou em Colégio Militar e depois no Colégio Pedro II, referência no Brasil. Ele e os irmãos foram para o RJ e as irmãs para SP. Todas eram educadoras e fundaram escolas primárias. Malba Tahan fez a Escola Normal e depois o curso de Engenharia. Fui aluno dele e ele muito me influenciou. Pensei: devo ensinar este tipo de matemática. Essa eu gosto. Aquela que faz as crianças decorarem as coisas e não gostarem, essa eu não quero, porque sofri muito com isso. Aliás, eu acho que ele sofreu também. Seus boletins na época de ginásio não condizem com a fama dele. Acho que era um tipo de repulsa, uma maneira de dizer “não concordo com essas coisas”. Ele publicou em 1961 um livro que é uma pérola: Didática da Matemática. No volume 1, ele gastou muitas páginas apontando os absurdos que estavam fazendo com o ensino da Matemática. No volume 2, então propunha as soluções que preconizava. Era um grande didata. Tinha retórica e fez escola de Arte Dramática junto com o artista Procópio Ferreira. Então ele punha isso tudo dentro da sala de aula: fazia muita mímica, dramatizava, criou uma disciplina no RJ que depois se espalhou pelo Brasil – A Arte de Contar Histórias. O seu livro de maior sucesso era O Homem que Calculava, dos 123 que ele escreveu. Só essa obra tem mais de 80 edições. Estamos em 20 diferentes países e em 14 diferentes línguas.
Portal Unicamp - O que ele falou de modo particular ao senhor?
Sérgio - Ele disse que toda criança pode aprender. Depende muito da maneira que se ensina Matemática a ela. O modo que a criança não quer aprender e não pode aprender é decorando sem entender o motivo. Malba Tahan teve uma forte influência na minha vida. O Ministério da Educação (MEC) patrocinava nas férias cursos de formação para professores. Com ele, fiz um curso desses de formação continuada. Mudei minha maneira de pensar e decidi que valeria a pena essa mudança, pois eu já sentia dificuldade como aluno de Matemática e depois como professor. Eu tinha somente um ano de docência e ministrava apenas aulas particulares. Percebi que isso que estava me mostrando somava ao curso que eu tinha feito de normalista, mas não a proficiência. O modo como aprendi tinha muitas coisas para decorar: fórmulas, enunciados, definições, demonstrações, e tudo muito sem nexo. Isso não agrada a ninguém. Então ele nos mostrava coisas muito curiosas: histórias e brincadeiras.
Portal Unicamp - O que essa exposição mostrará?
Sérgio - Essa exposição é uma ampliação de outra que fizemos há cerca de um mês na Biblioteca da FE. Agora, estaremos no auditório 1 do Centro de Convenções. Serão dez mesas-vitrines. O evento reúne fotos do professor Julio Cesar de Mello e Souza, dele com sua família, suas obras, cadernos de viagem e arquivos, condecorações e títulos, pertences de Malba Tahan e suas propostas pedagógicas. Esse acervo está todo depositado na FE da Unicamp, por doação da família dele. Renata, neta dele, virá à abertura da exposição no dia 6, às 12 horas. Também virão outros parentes, como Pedro Paulo, que é professor da USP; e Carla, que mora em Campinas.
Portal Unicamp - O que acha dessa oportunidade?
Sérgio - Nós é que seremos homenageados com a presença deles. Será uma grande celebração, pois 120 anos não é pouco tempo. Muito de sua memória poderia ter se perdido. Ele tinha por exemplo uma ponteira que utilizava em suas aulas para não ficar na frente da lousa enquanto escrevia. É uma relíquia da época. O público também poderá conhecer a sua coleção de sapos (objetos, é claro), de diversos materiais: de barro, de metal, de louça, de jade. Vamos expor alguns.
Portal Unicamp - A exposição é para quem?
Sérgio - É aberta ao público em geral, inclusive aos visitantes externos à Universidade. A entrada é franca e estamos de braços abertos para receber a todos os interessados. A exposição, que também terá som e imagem, vai até o dia 8. Vamos colocar músicas com as quais Malba Tahan conviveu, muitas da cultura árabe. Vamos criar um ambiente que ele mesmo escreveu nos seus livros. Ao acabar a exposição, no dia 8, ela voltará à FE, onde ficará sob a guarda do Centro de Memória da FE. Nesse último dia, às 9 horas, eu farei uma palestra sobre as contribuições dele no V Seminário Nacional de Histórias e Investigações de/em Aulas de Matemática (V Shiam).
Portal Unicamp - Alguma curiosidade?
Sérgio - Malba Tahan viajava muito, numa época em que isso não era tão fácil assim. Temos no acervo os cadernos de viagem feitos pelo próprio Malba Tahan. Ele tinha um arquivo em que registrava tudo: telegramas de convites que recebia, jornais em que publicaram notícias sobre ele, etc. Era como se ele soubesse que anos mais tarde alguém iria precisar disso para explicar por que 6 de maio foi escolhido para ser o Dia Nacional da Matemática. Essa homenagem é, antes de tudo, uma justa homenagem a ele.
Portal Unicamp - Qual a importância de Malba Tahan para a Matemática?
Sèrgio - Ele nos deixou um legado que transforma, ao propor uma mudança nos métodos de ensino da disciplina. Infelizmente a sala de aula ainda não conseguiu absorver bem isso. Atualmente, ele tem menos seguidores. Antigamente, não havia quem não conhecesse Malba Tahan, sobretudo porque grande parte das pessoas tinham lido O Homem que Calculava, um best-seller da área. Não cabe aqui ficar explicando porque esse entendimento não chega às salas de aula. Se fosse pelas crianças, já teria chegado. Se olharmos qualquer proposta curricular, federal, estadual e municipal, iremos encontrar recomendações para utilizar jogos, material didático, montagem de laboratórios de ensino de matemática, histórias, recreação, quebra-cabeças. Tudo isso está no livro que ele escreveu em 1962. Nos seus cursos, mostrou que tudo isso era possível. Foi o que me convenceu a modificar aquele professor antiquado para um professor moderno. É uma pena que todas as crianças de hoje não consigam mais conviver com isso.
Serviço
O V Shiam é promovido pela FE, que sedia esse evento a cada dois anos. Desta vez, o encontro contará com a participação de mais de 550 pessoas. São professores de Matemática de todo Brasil. Serão palestras, oficinas e apresentação de trabalhos que ocorrerão no Centro de Convenções da Universidade de 6 a 8 deste mês. Veja a programação do Shiam. Leia outro texto sobre Malba Tahan por ocasião da sua primeira exposição na Unicamp, na biblioteca da FE.