Como anda a pesquisa
em SP, segundo Brito Cruz
22/10/2015 - 14:15
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Antes de apresentar uma visão diferenciada da pesquisa atual no Estado de São Paulo, com aspectos pouco conhecidos pela comunidade científica, o professor Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da Fapesp, atentou para a “impaciência” da sociedade por resultados mais rápidos e que tragam benefícios imediatos para a população, em nível mundial. Ele abordou os “Desafios sobre o impacto científico, econômico e social da pesquisa em São Paulo”, no último dia 21, dentro do 2º Ciclo de Seminários de Pesquisa Científica do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp.
“Há 30 ou 40 anos era natural que usássemos o dinheiro do contribuinte para fazer ciência boa, esperando algum benefício que viria mais à frente. Digo que há no mundo um grau de impaciência crescente quanto a isso”, disse Brito Cruz para o auditório lotado. “Um projeto de lei no Texas diz que todo projeto analisado pela National Science Fundation só será aprovado se submetido a uma comissão do Congresso, que deve concluir que ele é de interesse dos Estados Unidos da América. Entendam que se trata de tirar da NFS a autonomia para escolher projetos com base no mérito. E falo do país que serve de modelo para o mundo se organizar em termos de pesquisa.”
O dirigente da Fapesp afirma que a comunidade científica, sabedora de que os resultados das pesquisas não vêm no dia seguinte, precisa buscar meios de proteger a ciência de exageros como em relação ao uso da fosfoetanolamina, estudada na USP como um produto químico, mas anunciada como a cura para diversos tipos de cânceres. “E vemos um juiz determinar que aquilo seja fornecido para milhares de famílias, quando nem pode ser considerado medicamento, pois não passou por testes clínicos. Instituições nacionais, no caso o Supremo Tribunal Federal, passam por cima das boas práticas científicas porque querem o resultado já.”
Ao discorrer sobre os impactos da pesquisa em São Paulo, Brito Cruz começou apresentando dados relativizando a ideia prevalente no Brasil de que as empresas investem pouco na área. “Em São Paulo, 61% dos gastos em pesquisa são feitos por empresas que se dedicam seriamente a isso, com seus centros e pesquisadores. Este percentual é maior que o de países como França, Reino Unido, Espanha e Canadá – e menor que dos EUA, Coreia do Sul e Japão. O total em valores é de 20 bilhões de reais, vindos principalmente dos setores químico, de alimentos, automobilístico e aeronáutico.”
Outra característica apontada pelo palestrante é a contribuição do governo estadual no campo da pesquisa (23%), quase duas vezes maior que do governo federal (13%). “Todos estão habituados com os dados nacionais, em que a contribuição das empresas encolhe para 42% e a federal se expande para 38%, tornando-se o dobro dos estados (18%). Mas vejam que, nessa conta do Brasil, praticamente a metade do dinheiro vem de São Paulo; subtraindo esta contribuição, veremos a realidade brasileira, com as empresas encolhendo para 25% (o que explica a ideia de que elas investem pouco) e o governo federal respondendo por quatro vezes mais (59%) que os estaduais (14%) – daí tanta reclamação dos outros estados por verbas federais, e aqui menos.”
Brito Cruz considera tais diferenças importantes por indicarem a estratégica mais adequada e a expectativa dos atores principais da pesquisa em São Paulo. “Se a questão para o governo federal é como aumentar a pesquisa nas empresas, para o nosso estado é como fazer com esta pesquisa tenha maior visibilidade mundial, a fim de que as empresas tenham mais mercado e prosperem. E, no ambiente acadêmico, a pergunta é como a ciência de São Paulo pode ter maior impacto internacional, sendo mais lida e utilizada.”
No quadro geral apresentado pelo ex-reitor da Unicamp se sobressaem detalhes como da fatia do imposto estadual aplicada em pesquisa, que é de R$ 8 bilhões por ano: 1 bilhão da Fapesp e 7 bilhões para custear a pesquisa na Unicamp, USP, Unesp e 19 institutos. “O Rio de Janeiro investe dez vezes menos (pouco mais de 700 milhões) e Minas Gerais, 25 vezes menos. Há uma diferença gigantesca, que não se explica com as conversas em Brasília de que São Paulo é um estado rico: a renda per capita paulista não é dez vezes maior que a carioca. O fato é que São Paulo estabeleceu prioridades ao longo dos anos e uma delas foi investir em pesquisa.”
Impactos
Em relação ao impacto intelectual, o diretor da Fapesp observa que os pesquisadores do Estado de São Paulo publicam mais do que colegas de qualquer outro país da América Latina, ainda que o México, por exemplo, tenha o dobro população do estado paulista – que é equivalente ao da Argentina. “Este aumento de produção científica também levou a um aumento do reconhecimento internacional. Em 99, a capa da Nature [estampando o estudo sobre a Xylella fastidiosa] foi assunto nacional; hoje somamos capas de revistas internacionais de várias áreas, como de nanotecnologia, biodiversidade, câncer, cardiologia.”
Brito Cruz sustenta, entretanto, que as nossas pesquisas precisam se tornar mais visíveis, apresentando gráficos mostrando o nível de citações de artigos de autores brasileiros em comparação com a média de citações na literatura mundial. “A linha do Brasil no gráfico fica perto de 60% da média, o que não é uma colocação muito boa. E vemos que esta linha persiste ao longo dos anos, não vem progredindo, enquanto China, Argentina, México e Coreia do Sul apresentam uma curva crescente, começando em 60% para alcançar entre 80 e 100%, quase a média mundial. Por quê? Existe algum problema em nosso sistema, visto que temos muito mais financiamento que México e Argentina. A questão não é investir mais dinheiro, o ensinamento talvez seja para não nos preocuparmos tanto em fazer muita pesquisa, e sim em fazer melhor.”
O palestrante também contrariou o senso comum ao mostrar dados sobre outro assunto recorrente no meio acadêmico, que é a colaboração entre universidade e empresa. “Inserindo as três universidades paulistas em um mesmo gráfico com as 20 universidades norte-americanas que mais têm convênios com empresas, a Unicamp ficaria em 11º lugar, a Unesp em 14º e a USP em 16º. Isso permite dizer que existe uma interação com empresas tão relevante quanto em boas universidades como de Ohio, MIT, Washington e Stanford, e acima de Michigan, Minnesota, Cornell e Carolina do Norte.”
Entre os vários exemplos de impactos da pesquisa de São Paulo oferecidos por Brito Cruz, o último é da criação de empresas por docentes, técnicos e principalmente estudantes da Unicamp. “Ao longo de 25 anos foram criadas mais de 250 empresas, que possuem 19 mil empregados e faturaram mais de 3 bilhões de reais em 2014 (50% a mais que o orçamento anual da Unicamp). É um caminho importante para gerar impacto econômico e social e trazer prosperidade para a região e o país. Mas cito um porém: que, entre as doze empresas principais, não aparece nenhuma aqui do IB, no momento em que todos falam em bioeconomia (ou economia através das ciências da vida). É um desafio que deixo para vocês.”