A notícia dos ganhadores do Nobel de Medicina e Fisiologia de 2017 na área de cronobiologia – os norte-americanos Jeffrey C. Hall, Michael Rosbash e Michael W. Young – reacenderá novas descobertas sobre o “relógio biológico” dos seres vivos. É o que acredita a pesquisadora da Faculdade de Enfermagem da Unicamp (FEnf) Maria Filomena Ceolim, ao falar da propriedade da escolha dos especialistas para receber o prêmio mais destacado da pesquisa científica mundial.
A distinção foi anunciada nesta segunda-feira (2) na Suécia. As pesquisas começaram a ser desenvolvidas na década de 1980. “Mesmo havendo o peso da descoberta em si, que é praticamente equivalente à descoberta do DNA, tem também o holofote que os prêmios Nobel lançam sobre a nossa área de estudo. Logo, devemos ter um forte incremento nas pesquisas de cronobiologia a partir desse marco”, qualificou Filomena.
Entre os achados do trabalho de Hall, Rosbash e Young, estão algumas descobertas de como é que plantas, animais e seres humanos se adaptam ao ritmo biológico para o sincronizarem com a rotação do planeta: o ciclo circadiano. Eles estudaram o funcionamento do relógio biológico interno e o mecanismo molecular que o controla. Esse assunto permanecia, até o momento, sem explicação, revelou ela.
Filomena contou ainda que as investigações mundiais em cronobiologia tiveram como ponto de partida a década de 1960, quando houve o seu primeiro evento oficial nos Estados Unidos. No Brasil, as pesquisas começaram na década de 1980, impulsionadas, em grande parte, pelo grupo multidisciplinar de desenvolvimento de ritmos biológicos do professor Luiz Menna-Barreto, docente da Universidade de São Paulo, informou.
A especialista aproveitou para esclarecer que esse tema é bastante abrangente e que vale uma ressalva: "quando falamos em relógio biológico, estamos na verdade falando de um conjunto de estruturas no organismo que funciona como relógio biológico. Não se trata de uma única estrutura, um único relógio biológico", defende ela, mas reconhece que esse assunto tem suas controvérsias na comunidade de cronobiologia.
A professora Filomena é uma das referências na Unicamp sobre o tema. Ela inclusive acaba de orientar uma dissertação de mestrado de autoria de Cléber de Souza Oliveira acerca das internações decorrentes de transtorno bipolar de acordo com a época do ano. “Foi uma pesquisa documental desenvolvida no Serviço de Saúde ‘Dr. Cândido Ferreira’ que consistiu em avaliar quando ocorriam mais internações, a partir de um levantamento retrospectivo de 35 anos”, comentou.
Na literatura, a prevalência de internações na fase de mania, euforia (quando o humor do indivíduo fica exaltado), ocorria mais no verão. No estudo de Cléber, a constatação foi justamente inversa: houve uma menor prevalência na fase de mania dos investigados no período do verão.
Embora o trabalho não tenha tido como objetivo estudar o fenômeno de causa-efeito, uma hipótese aventada é que houve uma sincronização dos ritmos por causa de um maior período de luminosidade. O estudo apontou uma associação com as manchas solares, regiões na superfície do Sol com temperatura menor que a média local e que, por essa razão, parecem ser mais escuras.
Objeto de estudo
A despeito da relevância da cronobiologia para entender diversos comportamentos relacionados ao ser humano, Filomena frisou que existe falta de interesse, principalmente econômico, para investigar o assunto. Ela então apontou um obstáculo na parte experimental: os estudos na área exigem condições de produção controladas, muito complexas de serem observadas nos laboratórios tradicionais. Há estudos que requerem que os animais fiquem em condições peculiares de iluminação 24 horas por dia.
A professora explicou que a cronobiologia estuda como a matéria viva se organiza temporalmente. Conforme a especialista, essa questão tem tanta importância quanto a organização espacial. "As suas estruturas corporais são dinâmicas, mas isso não ocorre aleatoriamente. Elas sofrem mudanças com regularidade. Há picos de secreção do hormônio cortisol no início da manhã, há picos do hormônio de crescimento de madrugada, e a temperatura corporal é mais elevada no final da tarde. Existe, portanto, um 'planejamento' do relógio biológico."
Mesmo com organismos que permanecem em isolamento em relação ao tempo, com todos os seus ritmos sendo medidos (como temperatura e comportamento), foi verificado que esse ritmo mantinha sim uma periodicidade. “Continuava ocorrendo o pico do cortisol, e a temperatura se mantinha com poucas modificações. Por nosso ritmo interno ser um pouco maior que 24 horas, nos adaptamos perfeitamente ao horário do ambiente, que é marcado a cada 24 horas”, explanou Filomena, que tem como um dos focos de sua investigação ritmos biológicos no adulto e no idoso.
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