O escritor nipo-britânico Kazuo Ishiguro, 62 anos, é o vencedor do Prêmio Nobel de Literatura 2017. O anúncio foi feito na manhã desta quinta-feira (5). A Academia Sueca justificou a distinção destacando a importância da obra de Ishiguro, “que, em seus romances de grande força emocional, revelou o abismo sob a nossa ilusória noção de conexão com o mundo”. O autor é conhecido principalmente por seus sete romances, lançados entre 1982 e 2015. Quatro deles, além de um livro de contos, foram publicados no Brasil pela Companhia das Letras.
De acordo com Alcir Pécora, professor do Departamento de Teoria Literária do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp, Ishiguro destacou-se entre a nova geração de escritores britânicos. Sua produção alcançou difusão internacional, sendo que dois de seus livros foram transformados em filmes. A adaptação cinematográfica de “Os Vestígios do Dia”, volume lançado em 1989, tornou o autor conhecido mundialmente. “Embora não seja um especialista na obra dele, eu diria, como seu leitor eventual, que Ishiguro é quase um autor pop. De modo geral, acho que é um escritor de bom nível, mas apenas isso”, comenta o docente.
Em 2010, Pécora elaborou, para o jornal Folha de S. Paulo, uma resenha sobre "Noturnos - Histórias de Música e Anoitecer", o primeiro livro de contos de Ishiguro, lançado no ano anterior [Veja texto completo abaixo]. Em sua análise, o docente do IEL-Unicamp destaca que “na execução de Ishiguro, contudo, a melancolia se aproxima do clima das comédias românticas do atual cinema inglês, com seu herói atrapalhado, as situações de apuros entre pessoas de classes e culturas diversas, um ou dois fatos tristes, alguma evocação infantil e uma ilação mais ou menos realista sobre o destino. Bom de ler, fácil de esquecer”.
A concessão do Prêmio Nobel para o escritor nipo-britânico representa uma espécie de retorno da Academia Sueca à tradição. Em 2016, o contemplado foi o cantor norte-americano Bob Dylan, escolhido “por criar novas expressões poéticas dentro da grande tradição da música americana”. A decisão gerou certa polêmica, alimentada pela postura do artista, que demorou algumas semanas para se manifestar sobre a distinção.
Trajetória
Nascido em 1954, em Nagaski, Japão, Kazuo Ishiguro migrou ainda criança (5 anos) com a família para a Inglaterra. A experiência proporcionou ao futuro escritor a influência de duas culturas distintas. No final dos anos 1970, graduou-se em Inglês e Filosofia na Universidade de Kenty. Mais tarde, cursou escrita criativa na Universidade de East Anglia. Na adolescência, chegou a atuar como músico, mas a realização só veio quando se dedicou à escrita.
RESENHA
ALCIR PÉCORA
Nascido no Japão, mas vivendo na Inglaterra desde os seis anos de idade, Kazuo Ishiguro (1954) já foi considerado um dos 20 melhores jovens escritores britânicos pela revista Granta. Tornou-se mundialmente conhecido com a adaptação cinematográfica do romance “Os Vestígios do Dia”, de 1989, com o qual conquistou o Booker Prize.
Apesar de romancista experiente, “Noturnos – Histórias de música e anoitecer”, de 2009, é o seu primeiro livro de contos. O título é literal. Nas cinco histórias há música e cair da noite a enquadrá-las cenograficamente: música de piazza, música pop e jazz. No entanto, o seu verdadeiro tema comum apenas se revela se o título for também tomado, metaforicamente, como alusão ao momento de esfriamento das esperanças de o talento naturalmente se ajustar ao sucesso, cujas condições se descobrem aleatórias, injustas e, por vezes, ridículas. Assim os contos compõem uma espécie de hora da verdade na qual as promessas de uma vida solar se confrontam com a instalação de uma vida medíocre, à sombra do desejo. A medida do confronto se dá em tom menor, sem tragédia ou lances dramáticos fortes, mas de forma autoirônica e, por assim dizer, ternamente deceptiva.
Duas histórias giram em torno da mesma personagem, Lindy Gardner. Vinda do nada, bela sem talento, é vitoriosa na arte de casar com os homens certos. Cinquentona, na desflor, é objeto de uma tocante serenata de despedida de seu par de mais de 20 anos, o crooner Tony Gardner, e de uma terceira cirurgia plástica, com a qual conta conquistar mais um marido bem-sucedido.
Em duas outras, o narrador lida com a própria imaturidade prolongada, que adia a hora de tomar um rumo na vida e na carreira, e também com a crise de casais amigos, cujo amor parece insuficiente para conter o tédio ou os desenganos mútuos da banalidade. O conto final acompanha o dilema de um jovem violoncelista entre as altas expectativas excitadas por uma mulher misteriosa que lhe exalta o talento e as pedestres necessidades de sobreviver que o obrigam a tocar temas batidos em hotéis e praças, enquanto a gente come ou conversa sem lhe dar atenção.
Narrados em primeira pessoa por testemunhas mais do que protagonistas, os contos têm uma linguagem coloquial, com marcas deliberadas de oralidade e de conversa casual, o que os torna muito fácil de ler e de gostar. O melhor deles é, afinal, a homologia entre o seu andamento e o gênero musical do “noturno”, concebido como a construção de uma atmosfera delicada, que combina inteligentemente situações de humor e de pequenas estridências com uma tintura geral definitivamente melancólica.
Na execução de Ishiguro, contudo, a melancolia se aproxima do clima das comédias românticas do atual cinema inglês, com seu herói atrapalhado, as situações de apuros entre pessoas de classes e culturas diversas, um ou dois fatos tristes, alguma evocação infantil e uma ilação mais ou menos realista sobre o destino. Bom de ler, fácil de esquecer.
Texto publicado originalmente na Folha de S. Paulo
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