Em tempos onde a discussão sobre uma possível guerra com o uso de armas nucleares volta à ordem do dia, o Comitê Norueguês do Nobel anunciou nesta sexta-feira (6) que o Prêmio Nobel da Paz de 2017 será entregue para a Campanha Internacional para a Eliminação das Armas Nucleares (ICAN em sua sigla em inglês). Durante a declaração do anúncio do vencedor do prêmio, o Comitê afirma que a ICAN merece receber o Nobel da paz “por seu trabalho para chamar a atenção para as consequências humanitárias catastróficas de qualquer uso de armas nucleares, e para seus esforços inovadores para conseguir uma proibição baseada em tratados de tais armas”. Os responsáveis pela campanha receberão uma medalha de ouro, um diploma e um pagamento de nove milhões de coroas suecas (cerca de R$ 3,5 milhões) em cerimônia a ser realizada em dezembro. Diferentemente dos demais prêmios, que são de responsabilidade de organizações suecas, o Nobel da Paz é entregue pela Noruega.
A ICAN é uma campanha tocada por uma série de organizações não governamentais de combate às armas nucleares, englobando entidades cerca de uma centena de países. Criada em 2007 e sediada em Genebra, Suíça, a campanha foi a grande impulsionadora do Tratado sobre a Proibição de Armas Nucleares, aprovado em junho durante conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) com apoio de 122 países membros, inclusive o Brasil. No entanto,os cinco países membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, Estados Unidos, Rússia, China, França e Reino Unido, não são signatários. Também não fazem parte do tratado Paquistão, Coreia do Norte, Índia e Israel, países que desenvolveram armas nucleares, bem como a Holanda, que possui armamento da Organização do Tratado do Atlântico Norte estacionado em seu território.
Em declaração após o anúncio do prêmio Nobel, os responsáveis pela ICAN afirmaram que o Tratado sobre a Proibição de Armas Nucleares oferece uma alternativa necessária contra as ameaças das armas de destruição em massa. “Este prêmio é uma homenagem aos esforços incansáveis de muitos milhões de ativistas e cidadãos preocupados em todo o mundo que, desde o início da era atômica, protestaram fortemente em armas nucleares, insistindo em não poderem servir de propósito legítimos e devem ser banidos para sempre rosto de nossa terra. É uma homenagem também aos sobreviventes dos atentados atômicos de Hiroshima e Nagasaki, e vítimas de explosões de testes nucleares em todo o mundo, cujos testemunhos impressionantes e defesa irresistível foram fundamentais para garantir este acordo histórico”, diz a declaração da campanha".
Península coreana
Um dos motivos que incentivou a indicação da ICAN ao Premio Nobel da Paz foi a escalada recente de ameaças entre países envolvendo a crise da península coreana. A Coreia do Norte realizou recentemente testes de artefatos nucleares e de mísseis balísticos na região do Mar do Japão. Ao mesmo tempo, o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, dissolveu o Parlamento e chamou novas eleições. Um fortalecimento da coalização de apoio ao governo de Shinzo Abe pode abrir caminho para uma reforma constitucional que visaria autorizar a remilitarização das Forças de Auto Defesa e a autorização para campanhas no exterior. Esse cenário de instabilidade na região se intensifica com a ampliação dos interesses comerciais e militares da China e Rússia, e a insegurança causada pelo governo de Donald Trump nos Estados Unidos.
O professor Luiz Marques, do Departamento de História, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, acredita que a situação atual de instabilidade com países possuidores de armas nucleares é delicada. "Segundo o Boletim dos Cientistas Atômicos, desde 1947 é publicada o Doomsday Clock, o relógio do juízo final. Se olharmos o Doomsday Clock, nós estamos a dois minutos e meio da meia-noite, que é a posição mais próxima de uma guerra nuclear, desde 1954, quando os Estados Unidos lançaram a primeira bomba de hidrogênio. Vivemos uma situação mais perigosa, segundo esse boletim, do que a invasão da Baia dos Porcos, quando estávamos a três minutos da meia-noite", avalia Luiz Marques.
No entanto, a retórica de governantes e os alertas de cientistas e organizações não governamentais não necessariamente indica que vai haver uma guerra. "Evidentemente é altamente provável que se trata de um blefe, como num jogo de cartas, entre Estados Unidos e Coreia do Norte, pois não existe a intenção de iniciar uma guerra nuclear. Não apenas a China faz limite com a Coreia, mas também a Rússia, e os dois países não estão dispostos a tolerar um ataque nuclear na região", avalia Luiz Marques. “Isso não deve acontecer no sentido que existe uma tentativa de buscar equilíbrio. As bombas nucleares são creditadas com a ideia de que elas impediram as guerras. Um estado que atacar sabe que também pode ser destruído. Portanto, é muito pouco provável que essa zona de risco possa se transformar numa guerra nuclear”.
Luis Marques entende que existem riscos mais graves para a humanidade na degradação ambiental. “Nós estamos mais perto de um colapso ambiental do que de uma guerra nuclear. É um mais lento processo provocado pelo aumento do uso de combustíveis fósseis emissores de gases do efeito estufa. E também pelo gás metano emitido pelo gado bovino e demais ruminantes, muito mais poderoso do que o CO² [dióxido de carbono]. Quando me perguntam qual é o risco mais grave para o futuro da humanidade, eu respondo que é a crise ambiental e não a guerra nuclear.”
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