“Atenção senhores passageiros! Nos próximos instantes embarcaremos numa retrospectiva fascinante pelo mundo da interdisciplinaridade com o expresso Profis”. Foi assim que os estudantes oradores na cerimônia começaram o discurso em nome de todos os alunos da 6ª turma de formandos do Programa de Formação Interdisciplinar Superior, o ProFis da Unicamp. A sessão solene de entrega dos certificados aconteceu na noite de sexta-feira, 16, no Centro de Convenções da Unicamp. Enquanto os oradores falavam, o telão exibia uma série de fotos: Os rostos que a gente via ali fazendo alguma atividade ou brincadeira, cada carinha que conseguíamos diferenciar no meio da galera, agora vestia beca. Noite importante, de amigos, familiares abraços e lágrimas.
“Tudo começou numa manhã de fevereiro, quando fomos surpreendidos com um bombardeio de mensagens que diziam: parabéns! Você passou no ProFis. Que tiro foi esse? Que alegria! Ser aprovado no ProFis! Mas peraí...o que é o ProFis?”,questionam os oradores. Ops...que pergunta difícil. Vai fazer quase dez anos que o programa foi criado e, mesmo assim, muita gente ainda não conseguiu entender qual a razão de um curso de formação geral, abrangendo várias áreas do conhecimento, antes da graduação propriamente dita.
Quem responde é o criador do ProFis e atual reitor Marcelo Knobel. “Muitos pensam que os alunos vão ‘perder’ dois anos. Não, eles vão na verdade ganhar dois anos. Vão ter oportunidade de aprender muita coisa que muitos na Unicamp não têm, vão amadurecer”. A coordenadora do Profis, Mariana Freitas Nery, complementou no discurso que fez “são os calouros mais experientes da Universidade”.
Há 120 vagas para os estudantes de todas as escolas da rede pública de Campinas. A seleção não é feita através do vestibular, mas com base nas notas do ENEM. O objetivo é oferecer uma visão integrada do mundo, capacitando o aluno para exercer as mais distintas profissões. Quando acaba o ProFis, o estudante pode ingressar, sem vestibular, em um curso de graduação da Universidade. (veja reportagem sobre a primeira turma de graduandos) “120 passageiros de diferentes origens e trajetórias embarcaram nesta viagem com destinos diferentes”, continuaram os oradores.
Nada menos que dez passageiros desembarcaram no curso de Medicina da Unicamp, o mais concorrido da Universidade com 278.9 candidatos/vaga na primeira fase do último vestibular. Quando o pedreiro José Ferreira Vaz colocava pás de cimento para levantar prédios que ajudou a construir na Unicamp não podia imaginar que o neto Marcos Adriano Vaz Barbosa estaria entre os ingressantes. “O Profis vem para quebrar barreiras que são impostas para a gente”, diz Adriano, aquele aluno que já ouviu demais sobre ter ou não as mesmas oportunidades.
Barreiras não faltaram e não faltarão para a turma. Os alunos transitam em um ambiente em que há o de melhor e também o de pior na universidade pública brasileira nos dias de hoje, segundo a patrona da turma Raquel Gryszczenko, professora do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH). De melhor, a proposta de inclusão, a interdisciplinaridade e com apoio financeiro. De pior, a exposição dos estudantes ao discurso meritocrático. “Na mesma sala (nos cursos de graduação) nós temos alunos dos melhores colégios técnicos de Campinas, por exemplo, e alunos que não tiveram durante todo o ensino médio professores de física ou matemática. Nós temos alunos que se deslocam cinco minutos de carro para chegar a Universidade e aqueles que entre idas e vindas passam 4 horas dentro de um ônibus. Temos alunos que tem apoio financeiro da família e alunos que são o apoio financeiro da família”.
De acordo Mariana Freitas Nery o número de formandos da sexta turma é o maior já registrado no ProFis, foram oitenta e um estudantes. “Tenho visto ao longo dos anos que cada vez mais o aluno do ProFis ocupa o espaço que lhe é de direito. A sexta turma logo que entrou enfrentou uma greve. Eles terminaram o curso muito engajados e conscientes”, salientou.
Marcelo Knobel presidiu a sessão solene de entrega dos certificados. O reitor fez muitos agradecimentos. Aos professores, maioria que trabalha de forma voluntária, e a alguém que muitas vezes acaba de fora nos discursos: o contribuinte. “As pessoas que pagam imposto e financiam a universidade pública também fizeram parte da formação de vocês”.
Knobel falou sobre os desafios do programa. Desde o início o número de inscritos dobrou para a mesma quantidade de vagas. “Infelizmente nós vivemos num país de desigualdades e há poucas vagas nas universidades públicas. Lembrando que a gente só atua em Campinas, uma das cidades mais ricas do país. E quem está em outras localidades?”
Segundo ele, a possibilidade de ampliação do programa para Limeira e Piracicaba continua sendo estudada. “Nós tínhamos colocado isso em nosso programa, mas realmente as condições financeiras da Universidade são um empecilho”.
De qualquer forma a experiência do ProFis tem ajudado inclusive a repensar algumas questões dos cursos de graduação. “O programa tem características que nos dão a possibilidade de pensar inclusive nas mudanças do restante dos cursos da graduação. Hoje existe uma expectativa de formação profissional que exige esse trânsito interdisciplinar, o que nos faz pensar na inclusão de mais atividades interdisciplinares para todos os alunos de graduação”, complementa a pró-reitora de Graduação, Eliana Martorano Amaral.
Os formandos fizeram um coral e se apresentaram cantando e convidando a cantar “Tempos Modernos”, de Lulu Santos. Agradeceram aos familiares, lembrando que não há uma só configuração familiar mas várias. Rodrigo Gabriel Baungartner vai cursar medicina. Foi abraçado pela mãe, pelo irmão e por sua “família de consideração” com mais uma mãe, um pai e outro irmão, todos do mesmo grupo religioso. “Não existia nenhum universitário na família toda. Orgulho”, resume o irmão Carlos.