Pesquisadores do consórcio internacional de Levantamento de Energia Escura (DES na sigla em inglês para Dark Energy Survey) realizaram seu encontro semestral, na última semana (3 a 7), na Unicamp. Uma colaboração entre 25 instituições, de oito diferentes países, envolvendo centenas de pesquisadores, o DES debruça-se sobre duas das principais questões da física deste século: a energia escura e a matéria escura.
Há 20 anos, as interpretações sobre a dinâmica do universo foram abaladas pela comprovação de que o Universo está em expansão acelerada. Ao contrário do que se pensava, a força da gravidade não estava freando o movimento de expansão iniciado pelo Big Bang. Havia uma pressão negativa que fazia o efeito de uma força contrária a da gravidade que não apenas mantinha o movimento, mas o acelerava. Essa pressão negativa é a principal característica da denominada energia escura, sobre a qual ainda se sabe muito pouco. A descoberta rendeu o prêmio Nobel da Física em 2011.
As observações, com equipamentos cada vez mais avançados, e os modelos que procuram explicar as interações no espaço apontaram, ainda, nos últimos anos, para a existência de mais matéria, no Universo, do que podemos ver. Essa matéria seria composta por partículas, cuja força gravitacional afetaria a matéria visível, mas que não refletiriam a luz. Este novo enigma foi denominado: matéria escura. Antes da energia escura ser descoberta, a matéria escura já surpreendia cientistas há várias décadas, quando medidas da massa de galáxias, feitas através de sua rotação, não batia com a massa luminosa desses mesmos objetos. Essa massa faltante se tornou um verdadeiro enigma da cosmologia.
Na tentativa de decifrá-los foram desenvolvidas tecnologias, que na impossibilidade de observá-los diretamente, fotografam seu entorno e provém aos pesquisadores dados sobre sua influência no Universo visível. A estimativa hoje é de que 70% do Universo conhecido seja composto por energia escura, 25% por matéria escura e apenas 5% por tudo o que conhecemos como Universo visível. “O que nós vemos, faz parte da matéria visível, é apenas uma pequena fração da quantidade total de matéria. Mas ela dá vestígios da distribuição oculta da matéria escura”, explicou Richard Kron, o coordenador do DES e professor da Universidade de Chicago. “Quanto melhores as tecnologias que temos disponíveis para aprender mais coisas, mais nós entendemos quão pouco sabemos”, afirmou.
O DES coleta e analisa os dados obtidos pelo telescópio Blanco, instalado no Observatório Cerro Tololo no Chile. Acoplado a ele, uma supercâmera de 570 Mpix, registra imagens de 300 milhões de galáxias. “Tivemos um avanço muito grande nos últimos anos, principalmente na quantidade de objetos observados que estão muito distantes. Conseguimos cada vez observar mais em menos tempo. O telescópio que está em construção, o LSST (Large Synoptic Survey Telescope), possibilitará, em 1 ano criar um catálogo de objetos 40 vezes maior do que os gerados pelo DES em cinco anos”, relatou Flavia Sobreira, professora do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW), que representa a Unicamp no consórcio.
Conforme explicou a pesquisadora brasileira, a partir dos dados obtidos, são criados modelos para explicar o funcionamento do Universo. “O modelo tem que obedecer aos dados. São os dados que apresentam o Universo verdadeiro uma vez que entendemos as sistemáticas envolvidas neles. Quando descobrimos que o Universo está em expansão acelerada, muitos modelos de gravitação modificada, de relatividade geral, foram criados. A partir da análise dos dados, muitos desses modelos já foram eliminados”, explicou. “Talvez seja preciso modificar algo na relatividade geral de Einstein para poder explicar essa expansão. Essa é uma possibilidade não descartada”, afirmou.
De acordo com Kron, até o momento, as pesquisas apontam para a quantidade aproximada de energia escura e matéria escura e para sua distribuição no Universo. “Nós sabemos aproximadamente quanto há e temos alguma informação sobre como está distribuída. A energia escura é distribuída em algumas escalas, com algum sucesso. Sabemos algumas coisas sobre isso. Mas nós não sabemos o que é exatamente”, contou.
O que se pode afirmar com certa segurança, segundo ele, é que o universo seria um lugar muito diferente sem a matéria escura e a energia escura. “Na verdade, um dos argumentos, é que nós não existiríamos se a matéria escura não existisse. É a matéria escura que provê a atração gravitacional que possibilita a formação de galáxias. Nós precisamos da gravidade da matéria escura para que possamos existir”, observou.
O encontro na Unicamp reuniu 90 pesquisadores, representando todas as instituições envolvidas no DES. Durante uma semana, eles apresentaram e discutiram os resultados da análise dos dados do terceiro ano de captação do telescópio. “Estamos no sexto ano de observação. Mas entre a observação e a produção de ciência, há um longo período de tratamento de dados. Atualmente, temos uma quantidade enorme de artigos científicos, que foram frutos da análise do ano 1 de observação. Quando formos analisar os dados do ano 6, o conjunto de dados será muito maior e precisão da ciência produzida será muito melhor”, explicou Sobreira.
Conforme descreveu Kron, “quando dizemos que vamos medir algo em cosmologia, significa que nós estamos tentando reduzir os erros e as incertezas em cada parâmetro”. Entre os parâmetros utilizados, o professor aponta a expansão do Universo. “Buscamos entender não apenas como o Universo se expande hoje, quão rápido as galáxias estão se separando no tempo presente. Mas também quão rápido elas estavam se afastando no passado. Nós chamamos isso de história de expansão do Universo. A história de expansão do universo depende da quantidade de matéria escura e energia escura. Caracterizamos, por tanto, a quantidade energia escura e matéria escura fazendo medições da história de expansão do Universo”, resumiu.
Outro parâmetro apresentado por Kron foi o “grau de amontoamento da matéria”. “Ao longo da história, desde o Big Bang, se duas partes do universo estiverem suficientemente longe uma da outra, elas vão continuar se afastando. Essa é a expansão do universo. Mas se elas estiverem próximas o suficiente, a gravidade entre elas pode causar até que as duas se juntem. Portanto, parte do material está se afastando e parte está se aproximando. Nós chamamos isso de crescimento da estrutura. Dependendo de como o universo é construído, que é o que estamos tentando descobrir aqui, nós teremos mais ou menos crescimento de estrutura”, explicou.
A Unicamp foi inserida nesta colaboração com a partir da incorporação de Flavia Sobreira ao quadro docente, em 2016. A pesquisadora integra o grupo desde 2011. Segundo ela, a participação brasileira no projeto inclui diversas instituições, por meio do Laboratório Interinstitucional de e-Astronomia (Linea), que a viabiliza financeiramente.
A professora ressalta a importância desse tipo de colaboração também para os estudantes do IFGW. “Você tem aqui algumas das pessoas mais importante da área e tem fácil acesso a elas. Qualquer aluno no início de sua carreira científica pode conversar e fazer perguntas para os grandes experts do assunto. É uma grande oportunidade de crescimento”, pontuou.