São múltiplos os fatores que impedem que as meninas tenham melhor desempenho em ciências e matemática e influenciando, assim, seu distanciamento da carreira científica. Segundo o Relatório da Unesco de 2018 inclui a influência e perfil socioeconômico da família, o ensino e estímulos na escola e a convivência sociocultural (veja gráfico abaixo). Para haver transformação no desempenho de meninas nessas disciplinas e impactar suas escolhas profissionais é preciso movimentar todas essas instâncias. No Brasil, os problemas educacionais são tão complexos que atrair jovens, meninos e meninas, para o gosto do conhecimento científico tem sido parte dos objetivos de inúmeros projetos de extensão na Unicamp.
Entre eles está o programa Universidade de Portas Abertas (UPA) que reuniu, em 2018, 40 mil estudantes de 661 escolas e cursinhos pré-vestibulares. O projeto, existente desde 1980, mas em edições contínuas desde 2003, quer aproximar os jovens da universidade, literalmente convidando-os a visitar seus laboratórios, salas, bibliotecas e incentivar a escolha pelo ensino superior. Outro projeto que engaja os jovens no fazer científico é o Ciência e Arte nas Férias, existente desde 2002, e no ano passado reuniu o maior número de estudantes (195). Os jovens passam um mês no campus realizando atividades acadêmicas com orientadores nas inúmeras unidades, boa parte delas em laboratórios, e encerram as atividades com apresentação dos trabalhos a exemplo dos congressos de iniciação científica.
Outra forma de incentivar mais jovens e meninas para as ciências exatas e engenharias é através das recém ofertadas 90 vagas que a Unicamp oferece, este ano, para medalhistas de olimpíadas. Dentre os aprovados estão 21 meninas que poderão ingressar em vagas nos 27 cursos de ciências exatas, tecnológicas e engenharias.
A Olimpíada Brasileira de Matemática, organizada pelo Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa) e pela Sociedade Brasileira de Matemática desde 1979, é um importante mecanismo de incentivo ao estudo e reconhecimento de jovens talentos. Segundo Carolina Araújo, matemática e única pesquisadora mulher do Impa em artigo publicado na Ciência e Cultura, desde 2006 as meninas compõem metade dos 5% melhores alunos classificados para a segunda fase da competição. No entanto, seu desempenho cai conforme avança o nível escolar: cerca de 25% entre alunas do 6o ao 9o ano do ensino fundamental, até chegar a 10.4% entre alunas do ensino médio. A diferença de gênero só pode ser explicada, como concluiu o relatório da Unesco já mencionado, através de múltiplos fatores. “Quebrar o estereótipo de gênero em matemática é um desafio difícil, que passa por, entre outras iniciativas, dar visibilidade ao trabalho de matemáticas talentosas”, conclui Carolina.
Modelos nas ciências e engenharias
Gabriela Castellano é uma das 8 professoras do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW). Como ela, as dificuldades da carreira e a baixa presença de mulheres nas exatas e engenharias acabou sendo a motivação para agregar docentes da física, química e engenharias a se mobilizaram em debates, até resultar na formação de um grupo com desejo de formalizar sua atuação. Assim nasceu o projeto M.A.F.A.L.D.A. (Meninas na químicA, Física e engenhariA para Liderar o Desenvolvimento em ciênciA), submetido em um edital do CNPq para projetos que incentivam meninas em suas áreas de atuação. O CNPq reservou R$3 milhões para projetos voltados para Meninas nas Ciências Exatas, Engenharias e Computação (31/2018) e aprovou 78 projetos na primeira chamada.
Neste mês serão selecionadas 30 meninas de uma escola estadual pública Anibal de Freitas de Campinas (SP) que terão encontros mensais em áreas tão diversas quanto fascinantes: programação de jogos em celular e eletrônica, processamento de imagens, microfluídica, fenômenos eletromagnéticos, nanomateriais, cosmologia. O projeto prevê ainda que profissionais das ciências exatas e engenharias que atuem na indústria, empresas, universidades e institutos de pesquisa participem de palestras na escola, aberta ao público geral. Gabriela está se iniciando na extensão universitária com entusiasmo e vê grande engajamento dos envolvidos para garantir o sucesso e durabilidade do projeto.
Outro projeto na Unicamp voltado para meninas foi coordenado por Juliana Borin, professora do Instituto de Computação, de 2015 a 2016. O projeto Android Smart Girls, atuou com meninas do ensino médio para incentivar o gosto e capacitar para a programação de aplicativos para telefones Android de forma lúdica. Juliana é mãe de três meninos e escolheu a computação através de um incentivo de uma professora de matemática. O projeto foi uma iniciativa do grupo Mulheres na Engenharia (WIE, na sigla em inglês), iniciado em 2010, e ligado à maior associação mundial de profissionais da engenharia (IEEE). O projeto recebeu recursos de CNPq no edital MCTI/CNPq/SPM-PR/Petrobras ¬ Meninas e Jovens Fazendo Ciências Exatas, Engenharias e Computação.
Editais como estes do CNPq tem papel chave no efeito multiplicador necessário para incentivar ações que mobilizam docentes, estudantes e dirigentes de instituições a refletirem sobre e agirem para aumentar a presença feminina na ciência. Outra iniciativa relevante seria valorizar as atividades de extensão e divulgação científica na progressão das carreiras acadêmicas.
Gabriela Castellano não teve como modelo docentes físicas ou engenheiras eletricistas durante sua formação. Parte de suas escolhas estão no fato de seu pai ser físico, ter facilidade e gosto por cálculos e incentivo da família e amigos para optar pela física. Ela lembra com carinho os elogios e comentários que recebeu de turmas do PROFIS na Unicamp, quando os alunos confessaram ter sido a primeira vez que tiveram uma professora de física mulher. Se essa experiência não passou despercebida dos alunos e professora, certamente poderá ter sido uma importante fagulha para mudar a percepção de meninas e meninos para o fato da ciência ser lugar de mulheres e meninas.
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