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Depois
da 1ª calça comprida
A trajetória de Lobato, que quando garoto
foi reprovado
em português, matéria na qual se tornaria mestre
JOÃO
MAURÍCIO DA ROSA
Em 1894, aos
12 anos de idade, Monteiro Lobato vestiu sua primeira calça
comprida. No ano seguinte foi reprovado no exame para o curso preparatório,
hoje denominado segundo grau. Levou pau justamente em português,
matéria em que depois se tornou mestre.
Como castigo, teve de arrumar as malas e voltar para Taubaté,
então uma vasta e preguiçosa roça. Viu-se obrigado
a conviver, cheio de rancor, com a Visconda, como ele
denominava a mulher de seu avô, Maria Belmira França.
O Visconde de Tremembé, José Francisco Monteiro, pai
de sua mãe, teve dois filhos com outra mulher, a professora
Anacleta Augusto do Amor Divino, a avó verdadeira e predileta
do escritor.
A vida e a obra
de José Renato Monteiro Lobato depois convertido por
iniciativa própria a José Bento pode ser lida
apenas nas cartas que enviava regularmente aos seus amigos, especialmente
a Godofredo Rangel, com quem se correspondeu por mais de 40 anos
este relacionamento deu origem ao livro A barca de
Gleyre: quarenta anos de correspondência literária.
Mas, juntamente
com o acervo da família confiado à Unicamp, essas
cartas já estão filtradas e transformadas em uma vasta
bibliografia, sendo as mais recentes Monteiro Lobato, um brasileiro
sob medida, da professora Marisa Lajolo, do Instituto de Estudos
da Linguagem (IEL) da Unicamp, e Furacão da Botocúndia,
de Vladimir Sacchetta, Carmem Lucia Azevedo e Marcia Camargos.
O pai do Jeca
Tatu e dono Sítio do Picapau Amarelo é
retratado como um gênio não só das letras, mas
do mercado em geral. Marqueteiro, inventou estratégias para
multiplicar a venda de livros, dando-lhes uma embalagem para serem
vistos como mercadoria. Também quis transformar o Brasil
numa potência por meio da extração de petróleo
e da fundição de ferro. Em plena ditadura Vargas,
Lobato escrevia cartas ácidas ao presidente acusando o governo
de curvar-se ao cartel internacional do petróleo, o que lhe
valeu três meses na Casa de Detenção.
Surpreendente
Lobato realizou empreendimentos surpreendentes. Bacharel
em direito por imposição de Visconde de Tremembé,
virou promotor público em Areias e advogou uma única
vez. Com a morte do avô, em 1911, herdou a Fazenda Buquira
em Taubaté e tentou torná-la um negócio rentável.
Frustrada a tentativa, passou a atacar a figura do caipira colono,
a quem atribuía a perda da lavoura. Viria a se arrepender
depois de tais acusações (veja matéria na página
9).
Em 1917 conseguiu
um comprador para a fazenda e foi com a família para São
Paulo onde, de colaborador, passou a proprietário da Revista
do Brasil e fundador da editora Monteiro Lobato & Cia, depois
transformada na Companhia Gráfico-Editora Monteiro Lobato.
Em 1924, a revolução
e um racionamento de energia levaram a firma à falência,
mas no ano seguinte Lobato já estaria de volta ao mercado
editorial com a Companhia Editora Nacional, que viria a ser a pioneira
das editoras modernas do Brasil. Ela foi inaugurada com a obra Hans
Staden: meu cativeiro entre os selvagens do Brasil.
A Godofredo
Rangel, seu fiel correspondente, escreveu: Mando-te um Staden,
a edição primogênita da nova companhia e, por
coincidência, o primeiro livro que se publicou sobre o Brasil.
É obra realmente interessante e merecedora do sucesso que
tem tido. A edição inicial é de 3 mil e está
no fim. Vamos tirar outra maior.
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O
petróleo e a prisão
Em
1925, falido e morando no Rio de Janeiro, Monteiro Lobato escreveu
artigos atacando o governo Bernardes e defendendo uma política
econômica que estabilizasse a moeda e o câmbio, e pedindo
o fim da taxação à importação
de papel para livros e de máquinas gráficas. A sua
contrariedade devia-se ao fato de que a mesma lei que taxava em
170% a importação do papel para livro, liberava a
importação de papel para jornal.
Em
1926, já bastante conhecido, Lobato escreveu ao então
presidente Washington Luís, chamando sua atenção
para a questão do papel e intitulando-se um editor falido
e ressurgido. Logo, recebeu de Alarico Silveira, seu antigo protetor
quando no governo de São Paulo, a oferta do posto de adido
comercial em Nova York, para onde o escritor se mudou em 1927, com
toda a família.
O
capitalismo, então, entrou na vida de Lobato definitivamente.
Ele voltou ao Brasil pregando a construção de companhias
siderúrgicas e a exploração de petróleo.
Em 1931, em meio a intermináveis conferências pelo
país, fundou a Companhia de Petróleo do Brasil, a
Companhia de Petróleo Nacional, a Companhia Petrolífera
Brasileira e a Companhia de Petróleo Cruzeiro do Sul.
Contudo,
dizendo-se alvo do cartel internacional do petróleo capitaneado
pelos EUA, denunciou a Getúlio Vargas que o Departamento
Nacional de Produção Mineral e o Conselho Nacional
do Petróleo estavam comprometidos com interesses estrangeiros.
Em 1936 publicou O escândalo do petróleo,
censurado no ano seguinte pela ditadura Vargas.
Em
1941, depois de enviar outra carta a Vargas, acusando-o de má
conduta na política brasileira de minérios, acabou
preso. Da cadeia, continuou destilando veneno. Ao general Horta
Barbosa, comandante do Conselho Nacional do Petróleo, responsável
por seu encarceramento, escreveu agradecendo os deliciosos
dias passados na Casa de Detenção, que lhe permitiram
meditar sobre o livro de Walter Piktin, A short introduction
to the history of Human Stupidy.
Monteiro
Lobato sofreu um espasmo vascular, que afetou sua motricidade, em
abril de 1948. Morreu na madrugada de 4 de julho, em São
Paulo. Seu corpo foi velado na Biblioteca Municipal e de lá
saiu carregado por uma multidão até o Cemitério
da Consolação.
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Livros
aos litros
Somos
uma leiteria com várias vacas lá fora. Você
é uma delas. Temos aqui um leite (livro) que você produziu
chamado Tatá que nunca sai porque nunca há
espaço. É um leite muito grande é toda
uma lata de leite. Você é vaca holandesa, das que dão
leite demais, e dão leites muito compridos. Se puder meter
a tesoura nesse conto e reduzi-lo a dois ou três, seria ótimo.
Cada livro considero uma vaca holandesa que me dá o
leite da subsistência. O meu estábulo no Brasil conta
com 23 cabeças no Octales, mais 12 na Brasiliense e mais
30 obras completas. Total: 65 vacas de 40 litros. E meu estábulo
na Argentina conta com 37 cabeças. Grande total, lá
e cá, 102 cabeças
(Carta a Godofredo Rangel)
(...)
hoje só concebo que se extravase pelo bico da pena tantos
ideais sobre umas tantas tiras de papel, quando alguma vantagenzinha
resulta disso. (...) se há alguma compensaçãozinha
eu mandarei para A Tribuna (de Santos) ver um conto já escrito,
Bocatorta, e um artigo que posso escrever já,
A futura guerra anglo- alemã. Querendo também
qualquer coisa contra o Hermes, arranja-se. Sobre agricultura, sobre
a cultura do sisal vulgo Pita, sobre vias férreas, sobre
assuntos palpitantes nacionais e estrangeiros, sobre estética,
sobre a morte de M. Chanchard, sobre a decadência do ensino
no Brasil e seus remédios, sobre a mentira eleitoral também
se forma uma coisa bem arranjada. Só não sai artigo
jurídico... nem diatribe contra Washington Luís
(Carta ao cunhado Heitor de Morais)
Impossível
negócio desse jeito assim privado de varejo. Mercadoria
que só dispõe de quarenta pontos de venda está
condenada a nunca ter peso no comércio de uma nação.
Temos de mudar, fazendo uma experiência em grande escala,
tentando a venda do livro no país inteiro, em qualquer balcão
e não apenas em uma livraria. Mandamos uma circular a todos
os agentes de correio, pedindo a indicação de uma
casa, uma papelaria, de um jornalzinho, de um bazar, uma venda,
de um açougue, de qualquer banca, em suma, que também
pudesse ser vendida uma mercadoria chamada livro... Passamos de
quarenta vendedores para 1.200 pontos de venda, fosse livraria ou
açougue
(Carta a Godofredo Rangel)
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