LUIZ SUGIMOTO
Os brasileiros ainda cantariam pérolas como Na batucada da vida, No tabuleiro da baiana, Pra machucar meu coração, Na baixa do sapateiro e Aquarela do Brasil, mas o Maracanã, santuário do nosso futebol, poderia estar compondo a paisagem de Jacarepaguá, caso Ary Barroso não enveredasse pelo rádio e pela política. Além de compositor mais popular do País entre astros como Haroldo Lobo, Herivelto Martins e Ataulfo Alves ele liderava a audiência também como locutor esportivo na Rádio Tupi do Rio, à frente de Oduvaldo Cozzi e Jorge Cury.
Eleito vereador do Distrito Federal pela UDN em 1946, perdendo em votação apenas para Carlos Lacerda, Ary Barroso fez uso do Ibope para manobra esperta em sua grande batalha pública, o local de construção do Maracanã. Em agosto de 1947, encomendou pesquisa de opinião para que a população escolhesse entre o terreno do Derby Club e uma restinga de Jacarepaguá. O Instituto foi a campo durante uma rodada em que quase todos os clubes atuavam: Botafogo x Olaria, Flamengo x São Cristóvão, América x Madureira, Bangu x Fluminense e Vasco x Bonsucesso. Pudemos contemplar as diversas torcidas, comentava-se na pesquisa.
No placar geral, 56,8% dos entrevistados escolheram o Derby Club e 9,7%, Jacarepaguá; 6,9% sugeriram outras regiões como Centro, Gávea, Quinta da Boavista e Cascadura. A pesquisa indicava ainda que 79,2% achavam necessária a construção de um estádio para a cidade e 53,6% se dispunham a arcar com algum ônus tributário para que a prefeitura bancasse a obra. Os índices de aprovação, obviamente, garantiram o apoio da bancada majoritária à vontade de Ary Barroso.
O maior estádio do mundo começou a ser erguido em 2 de agosto de 1948, com 1.500 homens trabalhando. Nos últimos meses eram 3.000 operários. A arquitetura de formato oval mede 317 metros no eixo maior e 279 metros no menor. A altura do estádio corresponde a um prédio de seis andares. Os ferros utilizados dariam volta e meia no planeta; foram 500 mil sacos de cimento, 60.000 m2 de pedras e 45.000 m2 de areia. Tanto material exigiu 40 mil viagens de caminhões que, enfileirados, ocupariam toda a extensão da Rio-São Paulo.
Oficialmente, a capacidade do estádio era de 155 mil espectadores: 30 mil em pé nas gerais, 93.500 sentados nas arquibancadas e 30 mil nas cadeiras cativas, mais 1.500 nos camarotes. Esta capacidade não foi esgotada no jogo de inauguração, em 16 de junho de 1950, quando Didi marcou o primeiro gol do Maracanã, aos 10 minutos do primeiro tempo (placar que os paulistas viraram para 3 x 1 contra os cariocas). Exatamente um mês depois, em 16 de julho, quando o Brasil perdeu de 2 x 1 a final da Copa do Mundo para o Uruguai, 200.000 brasileiros choraram dentro do santuário.
A pílula da polêmica
A pílula anticoncepcional, que ofereceu às mulheres sexo separado da gravidez, chegou ao Brasil em 1962. Nos anos de 1967 e 1968, quando o Ibope realizou amplas pesquisas sobre o comportamento da mulher em São Paulo e no Rio de Janeiro, estimava-se que as farmácias já vendiam mais de 5 milhões de pílulas por mês. Embora o contraceptivo oral trouxesse alívio às mulheres casadas limitadas a métodos incômodos e inseguros para controlar o número de filhos e viesse a contribuir decisivamente para a liberação sexual na década seguinte, havia uma rejeição expressiva em torno dos 30%. A condenação do uso da pílula pelo Papa alimentava a polêmica.
A mulher da época ainda idealizava um casamento aos 21 anos de idade, com noivo obrigatoriamente mais velho, programando três filhos que serviriam para consolidar a união. Numa das pesquisas, 48% das entrevistadas achavam que as crianças deveriam seguir acreditando em Papai Noel, no coelho da Páscoa e na cegonha. Quase 40% eram contrárias a métodos anticoncepcionais, enquanto 25% admitiam ter feito aborto. Entre as casadas, 88% se diziam felizes com o marido e 84% garantiam que sempre foram fiéis. Contudo, 63% das mulheres viam a melhor fase da vida na adolescência e 33% gostariam de ter nascido homens.
Na primeira quinzena de junho de 1967, o Ibope quis saber de universitários paulistas e cariocas sobre a vida acadêmica e sentimental. Aqueles jovens ouviam, pela ordem de preferência, bossa nova, o romântico tradicional e iê-iê-iê. Período dos grandes festivais de música brasileira, as vozes mais lembradas eram de Jair Rodrigues, Elis Regina, Nara Leão e Maísa. Liam Jorge Amado e Érico Veríssimo, enquanto Nelson Rodrigues aparecia em sexto lugar.
No sexo, 59% dos estudantes julgavam que a liberdade para moços e moças já era a mesma e 56% aprovavam que meninas tivessem relações completas antes do casamento. Na prática, porém, 88% admitiam que os homens procuravam mais as virgens para se casar e, 70%, que o respeito era menor para com aquelas que perderam a virgindade. Nesse sentido, a pílula anticoncepcional não era uma boa solução moral para 53%; e 70% não viam na pílula a superação do mito da virgindade, mesmo eliminado o risco de gravidez.
Familiae Vitae Temendo que a pílula contribuísse para aumentar a infelicidade feminina, o Papa Paulo VI divulgou a encíclica Familiae Vitae, condenando a utilização do contraceptivo. O Papa, a mulher e a pílula era o título da pesquisa feita pelo Ibope junto a trezentas entrevistadas da Guanabara, em 1968. Mesmo que 72% delas carregassem forte o sentimento de que deviam conceber apenas quantos filhos pudessem criar, 28% afirmavam que sempre se pode criar mais um.
Variavam as perguntas nas pesquisa, mas permanecia em um terço a proporção de mulheres que viam a pílula como um processo artificial que deve ser proibido por contrariar a religião e a moral e como um comodismo de quem não quer ter as dores do parto e o trabalho de criar mais filhos. Poucas, entretanto, achavam que a encíclica evitaria o uso da pílula pelas católicas ou que elas seriam menos religiosas por isso.