| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Enquete | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 210 - 22 de abril 4 de maio de 2003
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Andreas Vesalius
 

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O corpo
entre a ciência e a arte

Editora da Unicamp lança em português
De Humani Corporis Fabrica, obra-prima de Andreas Vesalius de Bruxelas, o pai da anatomia moderna

Luiz Sugimoto

Em Montfaucon, no século XII, construiu-se um patíbulo - local para onde levavam os corpos de condenados enforcados ou guilhotinados em vários pontos de Paris. Os corpos permaneciam pendurados em vigas de madeira até que se desintegrassem e acabassem num grande ossuário. No caminho ficava o Cemitério dos Inocentes, onde sepultavam vítimas de pragas. Entre 1533 e 1536, um jovem estudante visitou esses lugares assiduamente, atrás de ossos humanos para seus estudos. Era Andreas Vesalius de Bruxelas, que em 1543 publicaria De Humani Corporis Fabrica, obra-prima que lhe conferiu o título de “pai da anatomia moderna”.

A Editora da Unicamp lança um livro que oferece ampla visão sobre a vida e obra do anatomista e cirurgião do século XVI, com requintado acabamento gráfico, o que garante o deleite de estudiosos e aficionados da arte, ciência e medicina. Os trabalhos estão reproduzidos segundo a edição fac-similar da Academia de Medicina de Nova Iorque e da Biblioteca da Universidade de Munique.

O livro traz, além da essência do mais importante tratado de anatomia da história e de suas ilustrações de alto nível artístico, um esboço biográfico de Vesalius e comentários esclarecedores dos professores J. B. Saunders e Charles D. O’Malley, também anatomistas, que fizeram a tradução do latim. A tradução para o português é de Pedro Carlos Piantino Lemos e Maria Cristina Vilhena Carnevale, ambos da USP
Um dos maiores tesouros da civilização e da cultura ocidentais, De Humani Corporis Fabrica estabelece o início da ciência e da pesquisa com base na observação direta dos fenômenos, mesclando textos e ilustrações. “O estudante de artes gráficas (...) encontrará o melhor da xilogravura do século XVI e sentirá o poder da ilustração quando empregada para o desenvolvimento do conhecimento humano”, observam Saunders e O’Malley na introdução.

Na história da Medicina, Andreas Vesalius tem sido incluído entre os grandes médicos e descobridores, como Hipócrates, Galeno, Harvey e Lister. Nasceu em dezembro de 1514, em Bruxelas, e embora de família renomada na medicina, pouco se sabe sobre sua educação na infância. A partir daí, apesar de considerá-la um esboço, os autores oferecem uma rica biografia do anatomista, começando pela sólida base que recebeu de latim e do primeiro esqueleto articulado por ele montado, em casa, depois de roubar um cadáver ressecado numa estrada rural de Louvain.

O único retrato autêntico de Andreas Vesalius de Bruxelas (...) é em sua ambientação, tonalidade e iluminação, dada a admirável habilidade do gravador, que ocupa um lugar de destaque entre as melhores figuras impressas em livros da época. (Dos Autores)O ápice - De Humani Corporis Fabrica marcou o ápice de uma carreira acadêmica construída por descobertas que destruíram conceitos arcaicos. A recepção desfavorável à obra, porém, levou Vesalius a queimar anotações e manuscritos de outras publicações que vinha preparando.Outro motivo para que um pesquisador de futuro brilhante optasse por ser médico da corte, estaria na necessidade da proteção de Carlos V, diante da indignação geral provocada pela excessiva exploração de material anatômico. “Vesalius é visto muitas vezes como uma espécie de mártir que, embora preparado para a batalha, foi consumido no fogo de suas heresias científicas”, afirmam os autores.
Cogitou-se ainda que o cirurgião viu-se obrigado a refazer a fortuna que herdara depois dos gastos com sua obra-prima. Ele, por sua vez, apresentava outra justificativa: o ideal de médico completo, que só poderia alcançar a plenitude com a prática da arte médica. Nesse sentido, previa que o séqüito imperial e as guerras ofereciam as melhores oportunidades de aperfeiçoar técnicas cirúrgicas.

A morte - Depois da morte de Carlos V, Vesalius ficou sob as ordens de Felipe II. A hostilidade dos médicos espanhóis teria feito com que desistisse da corte, partindo para uma peregrinação pela Terra Santa na primavera de 1564. Correu a história, entretanto, de um conceituado anatomista chamado a socorrer uma mulher da nobreza que sofria de estrangulamento do útero. Na primeira dissecção, ela foi dada como morta; na segunda intervenção, a mulher deu sinais de vida, ?fato que causou assombro e horror no coração dos amigos presentes?. A peregrinação seria um pretexto para fugir da Inquisição.

Em um túmulo solitário na pequena ilha de Zante, no Chipre, lia-se uma inscrição já apagada pelo tempo: “Andreas Vesalius de Bruxelas, falecido em 15 de outubro do ano de 1564, aos 50 anos, durante seu retorno de Jerusalém”. Há duas versões sobre a morte: a mais autêntica indica um naufrágio, com o corpo sendo arrastado até a praia e identificado por um ourives; outra conta que Vesalius adoeceu a bordo e que os marinheiros, temerosos de praga, foram persuadidos a levá-lo para morrer na ilha depois de quase jogá-lo ao mar.

O mistério - A maior controvérsia sobre a obra de Vesalius talvez diga respeito à identidade de quem ilustrou De Humani Corporis Fabrica. Entalhadas em Veneza, as chapas de madeira originais peregrinaram através dos Alpes até as mãos do impressor Iohannes Oporinus, na Basiléia. Mesmo no início do século XX, sobrevivia a hipótese de que as gravuras seriam um grande plágio dos desenhos de Leonardo da Vinci para seu manual de anatomia. Até mais recentemente, atribuía-se a autoria a Jan van Kalkar, cuja perícia artística ficava longe da qualidade vista na obra-prima, mas o único mencionado nos textos de Vesalius.

Saunders e O’Malley concluem, “quase com certeza”, que as ilustrações foram produzidas no ateliê de Ticiano, devido à presença de características do então maior artista de Pádua. Kalkar e Domenico Campagnola, alunos de Ticiano, teriam participado do trabalho sob supervisão do mestre. Algumas figuras são do próprio Vesalius. Já os traços de Campagnola são claros nos desenhos de fundo da série de gravuras sobre “Os Músculos”. Notou-se, apenas há meio século, que quando essas gravuras são colocadas lado a lado os desenhos de fundo formam uma paisagem contínua: as antigas Termas Romanas.

Chance rara de adquirir a obra-prima

O esquelético Hamlet junto ao túmulo (...) constitui, talvez, a figura mais admirada da série de gravuras vesalianas referente ao estudo dos ossos. (...) Na versão original desta gravura, estava escrita, na parte lateral do túmulo a seguinte epígrafe: "O gênio vive para sempre, tudo o mais é mprtal". (Dos autores)Este lançamento da Editora da Unicamp é a primeira edição em português do De Humani Corporis Fabrica, de Andreas Vesalius de Bruxelas. “Mesmo nas versões conhecidas no exterior, não encontramos esta qualidade gráfica”, garante o professor Paulo Franchetti, diretor da Editora. A tiragem inicial é de 3.000 exemplares, com 268 páginas, no formato 28x36cm para garantir a boa resolução das ilustrações.

Inicialmente, a comunidade da Unicamp conta com um preço promocional de R$ 60,00, com prazo limitado – depois desse período o livro passará a custar R$ 120,00 . “Esse preço só está sendo possível graças a um acordo com a Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, que responde pela impressão e acabamento. A parceria vai permitir que o livro esteja acessível a um público bem mais amplo”, observa Franchetti. A obra está disponível na livraria da Biblioteca Central e na própria Editora.

Na FCM – A Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, que está completando 40 anos de atividades, realizará em 28 de maio próximo, como parte das comemorações, um evento para lançamento do De Humani Corporis Fabrica na área de saúde da Universidade. Segundo o professor José Antonio Gontijo, diretor associado da FCM, haverá palestras com os professores Luiz Marques e Liberato A. Didio. Marques é chefe do Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) e falará sobre “Vesalius e os estudos de anatomia artística no Renascimento”, com base nos estudos de anatomia em Leonardo da Vinci e Michelangelo. Didio é uma das maiores autoridades em anatomia do País e falará sobre a importância científica da obra de Vesalius.

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