Artigo
Sobre a estatização de
vagas no ensino superior privado
A possibilidade de um repentino salto no número de vagas nos cursos de graduação pode esconder sérios riscos ao ensino superior do país, principalmente se quisermos manter os padrões de excelência e qualidade que sempre estiveram dentro das exigências de estudantes de todo o Brasil.
DAVI ORTEGA E
PEDRO AUGUSTO FRANCO
PINHEIRO MOREIRA
A Avaliação Nacional de Cursos (o Provão) atesta, pelo menos em tese, a liderança absoluta em qualidade e excelência das Universidades públicas em praticamente todos os cursos ministrados no país. Além disso, elas são responsáveis pela manutenção de linhas de pesquisa em ciências e desenvolvimento de novas tecnologias.
Ainda segundo os resultados do Provão, as entidades educacionais de ensino superior privadas obtiveram médias muito inferiores em relação às das federais. Nesse sentido, devemos encarar a proposta do governo não como a democratização do ensino superior, mas como uma deliberada tentativa de ”empurrar” a população carente para as entidades de ensino de baixa qualidade em todas as etapas do aprendizado.
Portanto, não será forçando as pessoas que não passaram nos vestibulares das grandes universidades a entrar em qualquer faculdade que o problema terá solução. Todos temos consciência de como o problema de desemprego é generalizado e enganam-se aqueles que concordam com o fato de que qualquer diploma é garantia de remuneração. Hoje, o país conta com doutores e mestres desempregados ou trabalhando em outras áreas diferentes das que tiveram formação, o que aponta a fragilidade da capacidade de absorção de mão de obra “qualificada”. Além disso, o próprio mercado de trabalho discerne pessoas realmente bem capacitadas das que apenas possuem títulos nominais.
Em outras palavras, um aluno carente inicia seus estudos nas falidas escolas de ensino fundamental e médio do estado e, se isso já não bastasse, são encaminhados agora, pelo governo, às piores entidades de ensino superior do Brasil: as universidades privadas.
Ou seja, não é dessa maneira que iremos acabar com os problemas sociais que o Brasil carrega. Por exemplo, a política de cotas nas universidades pode ser desastrosa para a qualidade do ensino e ineficaz no alcance do seu objetivo. Colocar alunos que não tiveram uma boa formação no ensino médio ou fundamental para dentro da universidade não é saudável, independente de credo, raça ou categoria social.
No entanto, inclusão social é importante, porém o modo mais apropriado é realizá-la durante a formação educacional básica do indivíduo para prepará-lo de maneira homogênea antes da competição que o espera no futuro. Dessa forma, primamos pelo crescimento cultural e social do país.
Seria então mais interessante que o governo aplicasse o conceito de estatização de vagas em escolas de ensino médio e fundamental. Nesse nível de educação as entidades privadas são de excelência e, hoje, provém uma minoria bem-nascida com um desenvolvimento intelectual acima da média nacional.
Continuando com a proposta sobre a estatização das vagas no ensino superior, apontamos um outro aspecto controverso: a isenção fiscal às Universidades particulares que colaborarem com o projeto. Podemos considerá-la um tanto quanto estranha, pois o governo requisitou apenas as vagas ociosas e isso significa que não haverá ônus às faculdades que se engajarem o projeto.
Portanto, como as vagas já existem, não haverá investimento nenhum das particulares. O incentivo fiscal passar a ser uma ajuda pelo simples fato de disponibilizarem cursos de qualidade inferiores em relação aos das federais. Um acordo bastante lucrativo para as Universidades particulares.
Contudo, a diminuição da carga tributária para as entidades privadas, ou seja, diminuição da arrecadação nacional e, indiretamente, da verba de manutenção e expansão das Universidades públicas, nos leva a acreditar que as Universidades mantidas pelo país já não cumprem mais o papel de democratizar o ensino.
Porém, constatamos a qualidade dessas Universidades, bem como o cumprimento do seu papel, quando notamos que há desenvolvimento e pesquisa em outras regiões fora do eixo Rio-SP. Por isso, elas não só são essenciais para a uniformização do desenvolvimento humano no Brasil, como também pelo desenvolvimento da grande maioria das pesquisas feitas no país. O que é de suma importância estratégica para concretizarmos um crescimento sustentável e que garanta a hegemonia nacional.
Desde a redemocratização política, vemos os nossos governantes dispensarem cada vez menos atenção à educação do povo, o que levou à falência o ensino fundamental e médio do estado.
Diariamente, a mídia noticia o sucateamento das universidades federais, que passam dificuldades até em pagar contas de luz, água, papel higiênico... Conclui-se que a verba existente é apenas para o essencial, mesmo que esse ainda seja precário. Assim, não podemos esperar que sobre dinheiro para remunerar com justiça mais professores e funcionários ou financiar pesquisas. Dessa forma, a prioridade não deve ser aumentar o número de vagas nas universidades e, sim, dar condição para que elas sobrevivam, de preferência, com qualidade.
No entanto, o governo não deve medir esforços para resgatar o desastroso ensino fundamental e médio. A verdadeira justiça social se faz nessa etapa do aprendizado, propiciando a mesma oportunidade a todos na competição tanto por vagas nas universidades públicas como por empregos no mercado de trabalho.
Enfim, esperamos que o governo haja com sensatez e que consulte os acadêmicos antes de anunciar medidas tão drásticas que possam acabar com as únicas esperanças de desenvolvimento do nosso país.
Sem dúvida, a parte da arrecadação das universidades particulares que o governo está se desfazendo seria muito bem vinda para ampliar e melhorar o ensino superior público e de qualidade oferecido pelo país. Além disso, podemos estender a súplica para um resgate da qualidade do ensino médio e fundamental público para o combate imediato das desigualdades sociais que acarretam da falta de oportunidade das crianças brasileiras estudarem com qualidade.
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Davi Ortega e Pedro Augusto Franco Pinheiro Moreira são pós-graduandos da Unicamp