Leia nesta edição
Capa
Sobre universidade e avaliação
Inovação é tema de seminário
Feagri: 20 anos e 500 teses
Museu Exploratório de Ciências
Era do cobre em Carajás
Reforma: plano estratégico
Piadas
Adulteração de bebidas
Lume, 20 anos
Painel da semana
Teses
Estante
Consumo de água em escolas
A sexualidade em Pompéia
 

5

Professores e alunos de Geociências contribuem
para que o país passe de importador a exportador do metal

Grupo da Unicamp registra
a ‘era do cobre’ em Carajás



LUIZ SUGIMOTO


SO professor Roberto Perez Xavier mostra o mapa da região (Foto: Antoninho Perri)ossego é o nome de uma mina em Canaã dos Carajás, centro-sul do Estado do Pará, que parecia um fim de mundo. Não mais. Nos últimos seis anos, surgiram na localidade creches, escolas, comércio e mais gente do que lugar para se instalar. O que professores e estudantes do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp estariam fazendo por lá? Roberto Perez Xavier, diretor associado do IG, é quem descreve o cenário e contextualiza o trabalho do grupo de pesquisa em Evolução Crustal e Metalogênese, desenvolvido na Província Mineral de Carajás desde 1999, em parceria com a recém-privatizada Companhia Vale do Rio Doce.

“Carajás é uma das principais províncias minerais do planeta. Possui uma mina gigante de ferro, que gera exportação intensa, além de guardar manganês, níquel, alumínio e ouro – para recordar a grande corrida ao ouro de Serra Pelada na década de 1980. Também existem depósitos com concentrações importantes de elementos do grupo da platina, cuja exploração ainda está nos estágios iniciais. Agora a província ganha importância econômica ainda maior, diante da decisão de explotar, com a abertura de minas, um cinturão de depósitos de cobre com ouro associado”, explica Roberto Xavier. Já está comprovada a viabilidade econômica de abrir minas em cinco depósitos: Sossego, Igarapé Bahia/Alemão, Alvo 118, Cristalino e Salobo. O cobre é o metal a ser extraído, tendo como subproduto o ouro, daí o termo “associado”.

Província ganhou importância econômica

O impacto econômico do cobre de Carajás é facilmente mensurável, visto que o Brasil sempre foi dependente do metal, importando quase a totalidade das 200 mil toneladas que consome anualmente. A primeira mina em operação é a de Sossego, inaugurada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em junho do ano passado, mas que desde maio oferecia concentrados de cobre. “É uma mina de classe mundial, ou seja, que possui grande reserva, com vida útil estimada em 17 anos. Até 2007, a CVRD planeja colocar em operação as minas de Salobo, Alvo 118, Igarapé Bahia/Alemão e Cristalino. Com isso, a produção prevista até 2010 é de 650 mil toneladas de cobre por ano. No plano mundial, passaremos de importador a exportador, comercializando cerca de US$ 2 bilhões”, adianta Roberto Xavier.

A decisão de apenas agora extrair o cobre de Carajás traz aspectos estratégicos. “AO grupo de pesquisa composto por, a partir da esquerda, Lena Virginia Soares Monteiro, Xavier, Ana Carla Bizotto, Emerson de Resende Carvalho e Carlos Eduardo Ganade de Araújo (Foto: Antoninho Perri) decisão depende muito do preço do metal no mercado e de suas aplicações. Some-se a extrema dependência que tínhamos de cobre, enquanto crescia sua importância em aplicações tecnológicas, como em ligas com ferro, fios, indústria automobilística, construção civil e mesmo na medicina”, pondera o pesquisador. Sossego, por si, tem capacidade de produção de 470 mil toneladas de concentrado de cobre por ano. A reserva comprovada é de 245 milhões de toneladas de minério – cada tonelada traz a média de 1% de cobre e 0,25 gramas de ouro. De Sossego, em junho de 2004, seguiram 16,5 mil toneladas de concentrado de cobre para a Alemanha e, em julho, mais 17 mil toneladas para o mercado interno.

Metalogênese – Roberto Xavier explica que este grupo de pesquisa, em particular, atua mais na área de Metalogênese: o estudo das características geológicas e gênese de depósitos minerais. Cada projeto começa com várias idas ao campo para realizar o mapeamento geológico e a descrição de furos de sondagem, além da coleta de amostras para pesquisas detalhadas em laboratório. Por meio do microscópio, faz-se a descrição das rochas e dos minerais que compõem o minério, sendo suas composições químicas também determinadas por métodos geoquímicos e por microssonda eletrônica. Posteriormente são aplicadas técnicas sofisticadas como espectroscopia de reflectância, isótopos estáveis e radiogênicos e inclusões fluídas.

É deste trabalho que resultam as teses e trabalhos científicos. Em Carajás, o interesse está em adquirir novos conhecimentos geológicos sobre os depósitos de cobre e ouro, estudando os processos de formação e suas características para a montagem do chamado “modelo genético” (veja matéria nesta página). A empresa de mineração, que garante o acesso à área, aos dados disponíveis e todo o apoio logístico, tem como contrapartida a utilização dos parâmetros obtidos pelos pesquisadores. “Esses parâmetros são importantes para a mineradora, pois podem ajudar a localizar anomalias ou depósitos satélites no entorno da mina, aumentando a reserva e, conseqüentemente, sua vida útil. As informações também permitem melhor avaliar a potencialidade de ocorrência de outros depósitos similares na província, preferencialmente de classe mundial”, observa o professor.

Roberto Xavier ressalta que o grupo do IG realiza estudos com os quais os geólogos da empresa não têm como se ocupar. “Eles estão envolvidos no dia-a-dia, avaliando teor de cobre e ouro nas rochas, procurando a parte da mina onde há minério a ser extraído economicamente. Eles precisam cumprir metas. Trata-se de uma boa união entre universidade e empresa”, afirma. Dos cinco depósitos de cobre e ouro de Carajás que devem se tornar minas, a equipe da Unicamp está presente em Sossego, Igarapé Bahia/Alemão, Alvo 118, além de Breves, que está sob avaliação. Esses trabalhos estão sendo executados também com a colaboração de pesquisadores da UFPa, ao passo que a Fapesp, por meio de projetos de auxílio à pesquisa, financia principalmente a parte analítica e a aquisição de equipamentos.


O início há 2,75 bilhões de anos,
em ambiente submarino


A Província Mineral de Carajás é constituída de uma seqüência de rochas vulcânicas e sedimentares, sendo o Supergrupo Itacaiúnas, com idade de 2,75 bilhões de anos, uma de suas principais unidades geológicas. O professor Roberto Perez Xavier, do IG, sugere que se imagine um ambiente submarino, onde há vulcanismo intercalado com a deposição de sedimentos. “Em cima dessa unidade ainda se formou uma seqüência de rochas sedimentares, que se depositaram em ambiente fluvial a marinho raso, há 2,65 bilhões de anos (100 milhões de anos depois): é a formação Águas Claras”, explica.

As seqüências de rochas foram posteriormente afetadas por deformação, aumento de pressão e temperatura, e cortadas por corpos magmáticos intrusivos, especialmente por granitos. “Os depósitos de cobre e ouro de Carajás surgiram durante uma longa história geológica, entre 2,75 bilhões de anos até a introdução dos últimos corpos granitos, há 1,8 bilhão de anos. Note-se que a história vai de parte da era Arqueano (3,5 bilhões a 2,5 bilhões de anos) até o Proterozóico Inferior (2,5 bilhões a 1,6 bilhão de anos), ou seja: Carajás se formou quando todos os continentes estavam unidos no supercontinente Gondwana”, complementa.

O maior interesse do grupo do IG está nos fluidos que circularam pelas rochas enquanto eram formadas, deformadas, metamorfizadas e injetadas por corpos granitos. Esses fluidos, denominados de hidrotermais, são soluções aquosas quentes, de 300 a 400 graus centígrados, que continham muito sal. “Enquanto a água do mar possui 3,2% de seu peso em sais, o índice nesses fluidos é de pelo menos 30%, dez vezes mais”, observa Roberto Xavier. Em torno da mineralização, que é composta pelos minerais de minério, aparece toda uma zona que reflete a interação desses fluidos com as rochas – a zona de alteração hidrotermal. Em campo, uma das primeiras providências dos geólogos é identificar e mapear tais zonas, pois registram o momento em que os fluidos estavam alterando as rochas e precipitando cobre, por exemplo.

Em laboratório, as análises para saber quais minerais compõem as zonas hidrotermais e o minério reservam atenção especial para a calcopirita (sulfeto de cobre e ferro) e ouro. Estudos de inclusões fluidas determinam o quanto de água e sais os fluidos possuíam, além de temperatura e pressão no momento da mineralização. Já com a técnica de isótopos de estáveis, sabe-se de onde os fluidos vieram. Esses dados permitem interpretar, por exemplo, que Igarapé Bahia/Alemão e Salobo são casos de mineralizações de cobre-ouro formadas por fluidos representados por água do mar evoluída que se misturou com fluidos derivados da cristalização de magma. Por um outro lado, em Sossego e Breves, ambos em granito, houve fluido magmático se misturando com fluidos meteóricos ou superficiais.

“Em suma, queremos saber a origem e a evolução desses fluidos hidrotermais, assim como o que aconteceu para que propiciassem a formação das mineralizações em Carajás. No caso do cobre, seu transporte é favorecido por fluidos altamente salinos, ricos em cloreto de sódio (NaCl), a 300 ou 400 graus centígrados. Fluidos altamente salinos, sejam de origem marinha ou magmática, é o que não faltaram em Carajás. É tal cenário que tentamos montar, por meio do estudo de peças que vão se encaixando em outras peças geológicas, num quebra-cabeça para formar o modelo genético. Este modelo significa um input importante que transmitimos aos geólogos da empresa, pois podem guiá-los até a descoberta de possíveis depósitos similares na província mineral”, finaliza Roberto Xavier.



SALA DE IMPRENSA - © 1994-2004 Universidade Estadual de Campinas / Assessoria de Imprensa
E-mail: imprensa@unicamp.br - Cidade Universitária "Zeferino Vaz" Barão Geraldo - Campinas - SP