LUME, 20 ANOS
MANUEL ALVES FILHO
Em 8 de março último, três dias antes de completar 20 anos de atividades, o Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas Teatrais (Lume) da Unicamp concorria com três indicações ao Prêmio Shell. Ao final da cerimônia, a estatueta referente ao prêmio especial foi entregue a outro concorrente, a Cia. Livre, de São Paulo, criada há cerca de sete anos, pelo projeto "Arena conta Arena 50 anos". A perda do prêmio poderia ser considerada natural, não fosse por um sentimento que incomoda os atores e pesquisadores do Lume. "Infelizmente, muitos ainda nos enxergam como um "grupo do interior", lamenta a professora Suzi Frankl Sperber, coordenadora do Núcleo. Nada mais equivocado. Nas últimas duas décadas, o Lume contribuiu enormemente com as artes cênicas do país, ao elaborar e codificar técnicas corpóreas e vocais de representação, além de criar a sua metodologia. Apenas para ficar num exemplo sustentado por números, perto de 6 mil atores do Brasil e de outros países passaram pela sede do grupo, onde aperfeiçoaram a sua formação. Tamanha procura demonstra, por si só, o reconhecimento à qualidade do trabalho executado pelos integrantes da trupe, que têm motivos de sobra para comemorar o aniversário.
Como convém à situação, a festa será grande e terá lugar no palco, segundo revela o ator, pesquisador e coordenador-associado do Lume, Carlos Roberto Simioni. De acordo com ele, o grupo apresentará o seu repertório, composto por nove peças, no Rio de Janeiro, São Paulo e Campinas, nesta ordem. Na capital fluminense, a previsão era de que a temporada durasse três semanas, a partir do dia 11 de março. Em Sampa, estão programadas cinco semanas de espetáculos, com início em junho - as datas precisas ainda não foram fechadas. "Para Campinas, que é o nosso berço, estamos planejando algo maior, ainda para o primeiro semestre deste ano. Além de encenar as peças, nós queremos promover simpósios e debates", antecipa Simioni.
Fora do contexto da comemoração dos 20 anos, mas comprovando a afirmação da professora Suzi de que se trata de um grupo vivo, o Lume tem novos projetos e uma vasta agenda para 2005. Em agosto, por exemplo, seus integrantes participarão, como convidados, do festival de teatro de Edimburgo, capital da Escócia. Considerado um dos mais representativos do mundo, o evento conta com a participação de companhias internacionais com vasta tradição teatral. "Só para se ter uma idéia da efervescência do festival, há dias em que são encenados até 300 espetáculos. Este convite é mais um reconhecimento ao trabalho que temos feito ao longo de todos esses anos", diz Simioni.
Além disso, o Lume, apontado como um dos núcleos de excelência acadêmica da Unicamp, também pretende desenvolver novas experiências, tendo como foco a relação com a comunidade. Um projeto que já está sendo discutido com a Pró-Rreitoria de Extensão (PRE) da Universidade e Prefeitura de Campinas leva o sugestivo nome de Kombi-N-Ação. A idéia é adaptar uma Kombi e transformá-la em um teatro itinerante. "Queremos levar nosso trabalho para os quatro cantos da cidade. Essa iniciativa corresponde a uma concepção de teatro que valoriza o público em geral e a pessoa em particular", explica a professora Suzi.
Trata-se, no fundo, de uma troca. Conforme a coordenadora do Lume, a intenção é fazer com que os atores e pesquisadores do Núcleo retornem às comunidades depois de algum tempo, para prestigiar alguma atividade realizada pelos moradores. "Pode ser uma manifestação ligada ao teatro, à dança, à música ou ao artesanato. O importante é que nós também tenhamos a chance de aprender com eles", assinala. Outra novidade é um projeto que será desenvolvido conjuntamente com a USP, com financiamento da Fapesp. "Essa colaboração com um outro centro de pesquisa estabelece algo novo no teatro. Ela rompe com a preocupação identitária estreita, com a idéia de exclusividades e lança o fazer teatral para o que de mais precioso caracteriza nossos tempos: a interação, a troca, a interdisciplinaridade nas técnicas e métodos, nas diferentes experiências, dentro do mais verdadeiro sentido do que seja a universitas", acrescenta a docente. A professora Suzi afirma, ainda, que a mescla de todas essas atividades constrói a essência do grupo. "Somos, sim, uma unidade acadêmica. Mas vamos além disso, pois o trabalho não é feito apenas com rigor científico, é feito com paixão". Vida longa ao Lume.
Grupo fez emergir pólo teatral
O Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas Teatrais (Lume) da Unicamp é o resultado das experiências do ator, diretor e pesquisador Luís Otávio Burnier, falecido em 1995. Burnier fundou o Lume em 1985 juntamente com o ator Carlos Roberto Simioni e a musicista Denise Garcia. Três anos depois, o ator Ricardo Puccetti juntou-se à trupe. Em 1994, ingressam os também atores Renato Ferracini, Raquel Scotti Hurson, Ana Cristina Colla, Jesser de Souza e, em 1998, Naomi Silmam. Luís Otávio Burnier criou a metodologia e técnica básicas de representação do Lume, posteriormente desenvolvidas, aperfeiçoadas e ampliadas pelos sete atores-pesquisadores do grupo, cada um com a sua contribuição pessoal. O Núcleo conta ainda com a colaboração do administrador José Divino Barbosa e da assistente geral Nair Barbosa Pinto.
De acordo com a coordenadora do Lume, professora Suzi Frankl Sperber, o grupo deve muito a Burnier, mas é um engano pensar que as suas atividades atuais ainda estão presas às ações iniciais. "Se o grupo continua até hoje, é sinal que a semente plantada teve desenvolvimento. Ao longo dos 10 anos posteriores à morte de Burnier, nós nos aperfeiçoamos e fizemos com que nossas pesquisas se ramificassem. Graças aos projetos interdisciplinares, por exemplo, nós crescemos quantitativa e qualitativamente". Exemplos de resultado? A professora Suzi cita inúmeros deles, num fôlego só. "Desenvolvemos um estudo em colaboração com uma fonoaudióloga, que levou para a sua área de conhecimento elementos da técnica vocal dos atores. Também atuamos em conjunto com uma médica do HC da Unicamp, que investigou, com o auxílio de técnicas teatrais, formas de reduzir o estresse numa comunidade rural", elenca.
Por último, mas não menos importante, é preciso registrar que, graças ao seu pioneirismo, o Lume ajudou a constituir um vigoroso pólo teatral em Barão Geraldo, em Campinas, apontado como um dos mais importantes do Brasil. Atualmente, o distrito abriga outros 11 grupos, que estão instalados num raio de apenas um quilômetro, na Vila Santa Izabel, e mantêm sete espaços em pleno funcionamento. "Mais do que dividirmos o mesmo espaço geográfico, nós interagimos e trocamos experiências constantemente. Aqui, nós vivemos intensamente o teatro", afirma Simioni, ator, pesquisador e coordenador-associado do Lume.