O estudo Segundo a professora Marina Sangoi de Oliveira Ilha, os projetos técnicos de escolas são muitas vezes padronizados e nem sempre atualizados, com a agravante de que o critério de menor preço, freqüentemente utilizado nas licitações, leva ao emprego de materiais de baixa qualidade, o que gera problemas. A docente acrescenta ainda que a ausência de manutenção preventiva e a demorada manutenção corretiva agravam as condições de uso. Estudos pilotos já realizados revelam grande incidência de vazamentos em escolas públicas e, como nem direção nem usuários pagam diretamente a conta, nem sempre há empenho em repará-los, embora na maior parte das vezes as iniciativas esbarrem em problemas oriundos de uma administração centralizada.
O projeto em andamento, que teve início em agosto de 2002 e resultou de uma proposta conjunta da Unicamp, da Escola Politécnica da USP e da UFSCar que responderam a um edital do CNPq, será finalizado em maio de 2005. Com o trabalho de campo já concluído, os dados estão na fase de análise e de monitoramento do consumo de água de algumas escolas. A professora acredita que o estudo conjunto que a Unicamp realiza historicamente com a USP e a UFSCar é muito importante porque as três instituições mantêm linhas de pesquisa em conservação de água, o que possibilita o desenvolvimento de uma metodologia que poderá ser aplicada em outros locais.
Os levantamentos tiveram como objetivo analisar os prédios escolares do ponto de vista de uso da água, das condições de operação e do estado de conservação. As condições de operação dizem respeito à condição de funcionamento dos equipamentos e constituem exemplos ocorrência de vazamentos, dificuldades de fechamento dos registros, desuso etc. O estado de conservação refere-se basicamente à aparência do equipamento como manchas, trincas, quebras, que se não prejudicam o uso, comprometem a estética e induzem utilização predatória.
Avaliaram-se escolas em uso, levando em conta o projeto inicial e o estado atual. Escolas de 60 anos ou de dois ou três anos não apresentaram muitas diferenças porque as antigas já passaram por manutenções e as novas rapidamente apresentam problemas por causa da precariedade dos materiais utilizados. Os levantamentos deram origem inicialmente às duas dissertações de mestrado. Um dos trabalhos aponta os problemas mais freqüentes nas condições de operação e no estudo da conservação e apresenta algumas diretrizes que podem orientar os órgãos competentes.
O outro avaliou a adequação dos aparelhos instalados em função do volume e do tipo de público atendido: número de bacias sanitárias, altura de colocação dos equipamentos, obediência às normas e, inclusive, a adequação delas, pois muitas vezes as diretrizes seguem manuais que não se adaptam às condições brasileiras. Faz inclusive algumas recomendações preliminares. A professora esclarece que está prevista a elaboração de um manual com orientações para futuros projetos.
O levantamento do consumo de água foi realizado com base nas contas de água fornecidas pela Sanasa, no número de alunos atendidos, no tipo de público, no horário de funcionamento, no número de turnos e na localização geográfica das escolas no município de Campinas. Para tanto, selecionaram-se 83 das 162 escolas em funcionamento em 2001, classificadas previamente em sete tipologias.
A Secretaria de Educação do município forneceu o projeto arquitetônico, à exceção de 14 delas que não o tinham e para as quais o grupo de estudo elaborou croquis aproximados. Nenhuma escola tinha projetos dos sistemas prediais hidráulico-sanitários. Cópias heliográficas ou croquis foram digitalizados para que pudessem ser detalhadas posições de ralos, registros, torneiras, bacias, pias e demais componentes. Uma cópia desse levantamento será encaminhada à Secretaria da Educação do município.
Variáveis - A professora Marina explica que o consumo deve ser analisado segundo três variáveis: o uso da água com conforto, a perda por vazamentos e o desperdício provocado por mau uso, de que são exemplos escovar os dentes com a torneira aberta, lavar pisos com mangueira, regar plantas ao meio dia e ainda deixar a mangueira jorrando nos canteiros.
Para levantar como se dá o uso da água nas escolas, o estudo acompanhou o procedimento dos funcionários na realização das atividades diárias como lavar hortaliças, descongelar carnes, lavar louça, pátios, corredores, sanitários e dos usuários na utilização dos equipamentos. Como esperado, o grande consumo de água se dá na cozinha e nos banheiros e isso deve orientar as prioridades das ações.
Sobre o uso da água e a satisfação com a utilização dos equipamentos foram entrevistados diretores e funcionários. Um questionário iconográfico foi aplicado a amostras de alunos não alfabetizados. Ao final do trabalho, cada escola vai receber um relatório específico e cópias serão encaminhadas à Sanasa, à Secretaria da Educação e ao setor responsável pela manutenção das escolas.
O projeto prevê o estabelecimento de uma metodologia que possibilite estimar o consumo de água para as várias tipologias de escolas e dimensionar as perdas. Segundo a professora Marina, o problema maior é de gestão e o gargalo está na correção dos problemas. A docente espera que diante do diagnóstico sejam tomadas providências para reverter o quadro: "Na verdade, é necessária uma ação global da Secretaria da Educação, envolvendo direção, professores e alunos e a própria Secretaria através da criação de um sistema de gestão que possa atender às escolas com agilidade e presteza, ou melhor, que possa agir preventivamente".
A professora considera ainda que o estudo pode motivar um trabalho interdisciplinar, em vários níveis, em todas as escolas, sobre o uso da água.
As Perdas
Nas escolas estudadas estimaram-se perdas que chegam até a 80%. Cerca de 10% das escolas apresentaram vazamentos na rede enterrada e muitos deles não afloraram: "Em uma delas nos informaram que havia uma mina d'água. Estranhamos e pedimos auxílio à Sanasa que constatou que a mina era, na verdade, água tratada pela própria autarquia. Estancado o vazamento, o consumo caiu cerca de 80%. A falta de parâmetros de consumo e a ausência de uma sistema de controle não permitiram detectar o problema", conta a professora.
Além do alto índice de vandalismo, estão entre os problemas mais recorrentes: ausência de banheiros para portadores de necessidades especiais; deficiências no sistema de combate a incêndios; posição inadequada do sistema de esgoto; caixas de água com tampas improvisadas e localizadas em situações de difícil acesso à manutenção e à limpeza; caixas de distribuição de esgoto entupidas; aparelhos sanitários sem proteção contra vandalismos e desprovidos de sistemas que permitem economia de água; espaçamento e altura inadequados de sanitários; alturas inadequadas de torneiras e bebedouros; e falta de cestos de lixo. Vários dos problemas encontrados fazem supor que não houve, na entrega da obra, verificação da sua adequação ao projeto contratado.
A ocorrência de patologias nos sistemas hidráulico e sanitário é freqüente em 40% das escolas investigadas e raramente ocorrem em apenas 27% delas. Os aparelhos/equipamentos com maior incidência de patologias são as torneiras de uso geral e as válvulas de descarga. Nos sistemas prediais de água fria e quente as patologias mais freqüentes referem-se ao cavalete do hidrômetro (vazamentos, ausência de volantes nos registros) e no reservatório superior (problemas na tampa ou na bóia). Nos sistemas prediais de esgoto sanitário e águas pluviais, os maiores problemas localizam-se nas caixas de gordura (ausência de sifão, sub-dimensão, vedação inadequada) e nas caixas de inspeção de esgoto (vedação inadequada ou tampa lacrada, presença de resíduos sólidos no interior).
Em 21% das escolas investigadas, o único responsável pela manutenção é a Secretaria da Administração Regional da Prefeitura. Em 37% das unidades, os pequenos reparos são realizados pelos próprios vigilantes da escola. Os grandes reparos são solucionados por empresas terceirizadas e/ou pela administração regional em 31% das escolas investigadas.
Na Unicamp, a lição de casa
O desperdício de água levou a Unicamp a desenvolver projetos com o propósito de evitar o consumo desnecessário nas suas mais diversas instalações, inclusive no Hospital das Clínicas (HC). O trabalho apresentou resultados tão bons que subsidiou o diagnóstico das instalações das escolas da rede municipal de Campinas.
Um minucioso levantamento feito pelo Laboratório de Ensino e Pesquisa em Sistemas Prediais (Lepsis), da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC), revela que "em todos os edifícios existentes no campus da Universidade existiam falhas no sistema hidráulico", conforme observa a professora Marina de Oliveira Ilha.
De acordo com a docente, foi constatado que no campus universitário de Barão Geraldo havia 1.263 pontos de consumo de água, nos edifícios construídos até dezembro de 2001, entre bacias sanitárias, torneiras e outros equipamentos. Cerca de 11% desse total apresentavam algum tipo de falha. Os aparelhos sanitários que apresentaram maior índice de vazamentos foram as bacias sanitárias com caixa acoplada, onde 29,3% apresentavam algum problema. Uma vez detectados os vazamentos, consertava-se o aparelho sanitário ou, quando isso não era possível, o mesmo era substituído. Além disso, foram instalados mais de 100 hidrômetros eletrônicos no campus, interligados a uma central de medição, de forma a monitorar o consumo de água e agilizar a detecção de vazamentos.
"Os resultados obtidos com o Pró-Água, na fase I (desenvolvida com financiamento da Fapesp e Prefeitura do campus, no período de maio de 1999 a junho de 2002), indicam uma redução média no consumo mensal da Unicamp na ordem de 24% no período de três anos de 1998 a 2001 o que representou uma economia de aproximadamente R$ 240 mil reais por mês, levando-se em consideração os valores cobrados pela água e pelo esgoto", diz a pesquisadora da FEC. Ela ressalta também que a população do campus aumentou nesse período considerado, com a criação de novos cursos, tanto no período diurno quanto no noturno, o que indica que as economias foram ainda mais significativas.
Parcerias - A fase II do Pró-Água, por sua vez, começou a ser desenvolvida em julho de 2003 e, assim como na fase I, envolveu estudantes de graduação e de pós da faculdade, num total de doze pesquisadores do Lepsis/DAC/FEC-Unicamp. O projeto vem sendo desenvolvido em parceria com a prefeitura do campus e a superintendência do Hospital das Clínicas. Até o ano passado, o hospital da Unicamp possuía 401 leitos, com uma ocupação média mensal de 85%, ou seja, 342 leitos ocupados, em média, ao longo do ano. O consumo médio de água no hospital, no período de setembro de 2002 a junho de 2003, considerando-se os finais de semana e dias úteis, foi de 1.313 litros por dia por leito ocupado.
Desde agosto de 2003 até abril de 2004, foram inspecionados 2.138 pontos de água, entre válvulas de descargas, chuveiros e torneiras nos diferentes pavimentos do hospital. "A partir dessa vistoria, registrou-se a abertura de aproximadamente 1.200 ordens de serviço de manutenção, das quais 59% já foram executadas", explica Marina. Apenas para exemplificar alguns desses resultados, verifica-se que no primeiro pavimento do HC existem 176 ambientes, dos quais 66 deles possuem algum ponto de água, num total de 448 equipamentos sanitários. Desses aparelhos, 22,60% (483) apresentavam algum tipo de falha manifestada por meio de desperdício ou perda de água.
Vale lembrar que o Programa de conservação de água do HC (Pró-Água/HC) encontra-se ainda em andamento. "No entanto, já se pode vislumbrar uma economia de água bastante significativa. Em setembro de 2003, foi registrado um consumo de 1.186 litros por dia por leito ocupado. Isso representa, no total, uma redução de 43.500 litros por dia.
No mês seguinte, o consumo foi reduzido mais um pouco, passando para 1.159 litros por dia por leito ocupado, proporcionando uma economia adicional de 12.204 litros por dia", explica a professora Marina. Considerando os meses de junho e outubro do ano passado, verificou-se que a redução total de água foi de 154 litros/dia por leito ocupado, ou, 4.626 litros/mês, representando uma economia média de R$ 28 mil.
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