Revoada auto-organizada
PARTE II
Às vezes, basta olhar para o céu para identificarmos mistérios da ciência. Muitas situações comuns, como a formação em V de pássaros (e outros animais), pertencem ao conjunto de fenômenos inexplicados que a ciência está tentando compreender. Vimos na coluna anterior alguns modelos teóricos que os cientistas estão tentando aplicar para entender esse problema aparentemente simples. Um desses modelos considera os pássaros como um fluido complexo. Vamos tentar entender como o fato do sistema estar fora do equilíbrio e se comportar como um líquido pode permitir que os erros se diluam rapidamente, mesmo em um plano bi-dimensional. Vamos aqui considerar a seguinte analogia: Imagine um motorista desatento dirigindo o seu carro a 100 km/h em linha reta em uma rodovia. O seu celular toca, ele atende, e conseqüentemente se distrai levemente, mudando a direção do carro em 10 graus. Isso implica em uma mudança de velocidade na direção da estrada para aproximadamente 98,5 km/h, o que não é muito. Mas isso implica uma mudança enorme na velocidade lateral, que passou de repente de 0 a mais de 17 km/h! Em resumo, enquanto a sua velocidade lateral muda enormemente, a sua velocidade na direção da estrada não muda significativamente.
O mesmo ocorre em um grupo de pássaros, e a grande dificuldade era entender como esse erro aleatório não iria se propagar até os outros pássaros e confundi-los, até destruir o grupo. Mas é justamente esse processo que ajuda o grupo a se auto-controlar, através do espalhamento rápido do erro entre diversos pássaros, tornando-se diluído. Imagine um pássaro em um grupo, do lado esquerdo, que comete um erro, e portanto se desloca lateralmente para a esquerda. Esse deslocamento vai afetar os seus companheiros da esquerda. Mas no próximo instante, esse mesmo pássaro muda de posição no grupo (o sistema não está em equilíbrio), e estará mais ao centro do grupo, influenciando os pássaros daquela região. No instante seguinte, o pássaro estará do lado direito, atrapalhando os pássaros da direita. Como resultado geral, o erro é rapidamente transmitido a todos os pássaros do bando, e é diluído antes que ele possa realmente afetar a direção do grupo.
Voltando mais uma vez às nossas analogias, o processo descrito acima é muito parecido com um processo de transferência de calor, conhecido como convecção (como ocorre, por exemplo, ao aquecer água em uma panela). A convecção é o método mais eficiente de transferir calor em grandes escalas, e no modelo dos pássaros ela é utilizada para espalhar o erro, e diluí-lo pelo grupo rapidamente. No modelo magnético inicial, a informação e o erro eram transmitidos através de um método mais lento e menos eficiente, conhecido como difusão, vizinho a vizinho (como ocorre quando você joga uma gota de tinta em um copo de água). No caso da difusão, o processo é muito lento, e os erros se tornam muito mais problemáticos, pois são compartilhados por poucos pássaros.
Como todos os problemas complicados, o entendimento da dinâmica de um bando de pássaros ainda tem muito para evoluir. Ainda faltam inserir diversos fatores que os pássaros de fato utilizam, como a temperatura e o campo magnético da terra. Mas é um passo importante poder modelar um grupo de animais que se movem através de distâncias curtas, e entender que eles dependem das informações de seus vizinhos para definir uma direção e sentido de movimento, e para permanecerem juntos. Além disso, a teoria foi feita apenas para duas dimensões. Além de ampliá-la para três dimensões, deve-se tentar prever como se forma um grupo a partir de um movimento desordenado inicial. Será que esse modelo serve também para outros animais que andam em bandos, como peixes, búfalos, ou mesmo seres humanos, dentro de seus automóveis? Talvez ao entender como os grupos de pássaros se movem juntos em harmonia possamos dar umas dicas aos engenheiros de tráfego de novas estratégias para fazer com que a hora do rush seja um pouco menos trágica para milhões de pessoas ao redor do mundo.