Pesquisa testa propriedades antibacterianas de veneno de serpentes
CARMO GALLO NETO
Daniela de Oliveira Toyama é dentista. Quando chegou ao Departamento de Bioquímica do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp para ser orientada pelo professor Sérgio Marangoni, viu possibilidade de desenvolver pesquisa vinculada à sua formação. As pesquisas do professor Marangoni envolviam o isolamento, purificação e caracterização das frações de venenos de serpentes.
Trabalhos realizados no exterior indicavam que frações isoladas do veneno de serpentes poderiam ser utilizadas como bactericidas, mas se referiam à bactéria E. coli, que causa problemas no intestino. Daniela estava interessada nas bactérias causadoras da cárie e de problemas periodontais. Elaborou então um projeto, aprovado pela Fapesp, e deu início a uma nova linha de pesquisa, desenvolvida no Laboratório de Química das Proteínas, dirigido pelos professores Sérgio Marangoni e José Camillo Novello.
A pesquisa partia de uma base sólida: orientador com grande experiência, infra-estrutura de um laboratório bem equipado e inserida em um ambiente de competências acumuladas: "Não parti do nada, embora há três anos pouca gente estudava frações do veneno de serpente como antibacterianos, diferentemente do que acontece hoje", diz Daniela.
A pesquisa - A partir da linha de pesquisa já existente, Daniela resolveu tentar um caminho específico: testar frações obtidas do veneno de serpentes como antibacterianos. Inicialmente estudou o efeito em bactérias que causam danos em plantas (fitopatogênicas) porque apresentam estruturas mais simples e conhecidas. Concentrou-se nas bactérias que atacam o tomateiro e o maracujeiro.
Diante dos bons resultados obtidos, partiu para as bactérias da boca que causam cárie, detendo-se no seu principal agente, o Streptococcus mutans. Os resultados foram animadores. Na seqüência, pretende estudar os efeitos de frações do veneno de serpente em bactérias responsáveis pela doença periodontal. O veneno de serpente é constituído de proteínas (as frações) e estas, de vários peptídeos constituídos de aminoácidos. As frações não tóxicas é que despertaram interesses nos testes.
A pesquisadora esclarece que mantêm cooperação com um grupo da Universidade Federal de Fortaleza que isola, de plantas locais, frações com propriedades semelhantes: as lectinas. Essas frações também deram muito bons resultados e são mais interessantes porque além de naturais não apresentam toxicidade.
A próxima etapa dos testes deve ser realizada na clínica, primeiro em animais e depois em seres humanos. Confirmados os resultados, a pesquisa será orientada no sentido de sintetizar em laboratório os peptídeos que interessam, já que extraí-las do veneno de serpente tem custo inviável.
Marcos Hikari Toyama, biólogo e coorientador, enfatiza que "o objetivo do trabalho é identificar na proteína a menor seqüência de aminoácidos (peptídeos) capaz do efeito antibacteriano desejado. Essa fração, inicialmente tridimensional, depois de transformada em cadeia linear, é testada. O próximo passo será reproduzi-la em laboratório, visando a produção em escala, o que tornará o emprego viável". Toyama lembra que a essas frações podem vir a sofrer modificações na estrutura com o objetivo de potencializar os efeitos esperados.
Daniela considera que o ineditismo do trabalho reside no fato de muitas frações do veneno de serpente não terem sido testadas anteriormente e sua nova linha de pesquisa abriu caminho para isso. Segundo ela, na época em que começaram os trabalhos, não se estudavam mais amplamente as atividades antibacterianas associadas a essas frações. Constata que agora começam a aparecer em congressos estudos nessa linha de pesquisa.
Aplicações - O interesse maior de Daniela de Oliveira Toyama é a utilização do veneno de serpente na odontologia. O emprego que considera mais relevante é o preventivo e refere-se ao uso como selante em dentes de crianças. Atualmente o material de selagem utiliza flúor na forma de fluoreto, que através do efeito residual atua durante certo tempo no combate às bactérias causadoras da cárie.
Efeito residual semelhante poderia ser conseguido com as frações adequadas de veneno de serpente. Daniela lembra também que as frações exercem um efeito de equilíbrio, não destruindo totalmente as bactérias presentes, mas reduzindo-as a um número compatível com as necessidades orgânicas, pois a eliminação total levaria a um outro problema: a proliferação de fungos. Esse efeito de equilíbrio é chamado de bacteriostático natural, reservando-se o termo bactericida para as situações que configuram destruição total das bactérias. Ainda na odontologia, outro emprego seria a utilização no tratamento de cana como medicação intra-canal.
O mesmo equilíbrio foi observado no emprego dessas frações contra bactérias fitopatogênicas, por isso o seu interesse na agricultura, e esta seria uma segunda aplicação que a produção comercial poderia viabilizar. Com vantagens, pois além da ausência de efeitos residuais, não apresentam toxicidade. Para a pesquisadora este seria um dos grandes achados para a agricultura.
Marcos Toyama chama a atenção também para a utilização na produção de alimentos enlatados, no combate às bactérias, como antibióticos naturais e não suscetíveis de gerar bactérias cada vez mais resistentes, e que têm exigido o emprego de antibióticos de espectro de ação cada vez mais amplo.