Brito faz um balanço
de seu trabalho
CLAYTON LEVY
Entre suas principais realizações à frente da Reitoria da Unicamp, Carlos Henrique de Brito Cruz afirma que gostaria de ser lembrado sobretudo por três: o programa de expansão de vagas na graduação, o programa de ação afirmativa e de inclusão social no ensino de graduação e a criação da Agência de Inovação. Para Brito Cruz, esses três empreendimentos reforçaram a imagem da Unicamp como um modelo de instituição capaz de gerar novas idéias e oferecer soluções originais ao desenvolvimento da sociedade brasileira. Leia a seguir os tópicos mais importantes da conversa que o reitor teve com o Jornal da Unicamp à véspera de transferir o cargo a José Tadeu Jorge, recém-nomeado pelo governador Geraldo Alckmin para o período 2005-2009.
OS ANOS 2002-2005
Foram três anos em que a Unicamp avançou e viveu num ambiente de tranqüilidade institucional. A estratégia geral que a Reitoria aplicou neste período foi exatamente aquela expressa no programa de trabalho apresentado em 2002, baseado em três pilares: o valor acadêmico, a institucionalidade e a defesa do ensino superior público e gratuito. Nesse aspecto, trabalhamos não apenas no nível das demandas do cenário nacional, como no caso da reforma universitária em curso, mas também e principalmente através do bom exemplo que uma instituição como a Unicamp pode oferecer, demonstrando realizações e progresso em todas as áreas do conhecimento, na gestão institucional e nas atividades de extensão, de tal modo que o contribuinte constate que vale a pena pagar imposto para ter uma instituição como a Unicamp.
EXPANSÃO DE VAGAS
Ao longo de toda a história da Unicamp, este talvez tenha sido o momento no qual houve, num único pacote, o maior aumento de vagas nos cursos de graduação: 18% de 2002 para 2003. Hoje, o número de vagas é duas vezes maior que o oferecido em 1987, ano em que a Unicamp começou a fazer o seu próprio vestibular. São duas vezes mais vagas numa das melhores universidades brasileiras. Essa realização demonstra o compromisso não apenas da Reitoria mas também da comunidade da Unicamp com o ensino superior público e gratuito. É importante lembrar que esse aumento de vagas veio no mesmo momento em que houve uma perda de professores em conseqüência da reforma da Previdência, além de uma crise econômica no país, o que fez com que o orçamento disponível para a Universidade, vinculado à arrecadação de ICMS e ao ritmo da atividade econômica, tivesse um crescimento limitado. Uma segunda característica desse programa é o fato de que, pela primeira vez na história da Unicamp, falou-se em expandir vagas na graduação com recursos definidos para os investimentos necessários à adequação e à melhoria da infra-estrutura de ensino, de modo que essa expansão pôde ser absorvida garantindo-se a qualidade dos cursos. O governo do Estado e a Assembléia Legislativa organizaram um sistema suplementar ao orçamento, permitindo que em 2003, 2004 e 2005 a Unicamp investisse cerca de R$ 26,1 milhões exclusivamente para infra-estrutura. O fato é inédito nos últimos 30 anos.
INVESTIMENTOS NA
INFRA-ESTRUTURA DE ENSINO
Esses recursos permitiram a realização de uma das obras que mais me satisfez como reitor: a reforma das salas de aula do Ciclo Básico, que nunca havia recebido qualquer melhoria significativa desde sua inauguração em 1972. A reforma serviu não apenas para readequar aquele espaço como também para estabelecer um novo referencial na Unicamp em termos de salas de aula. Esse projeto sinalizou que em uma universidade as salas de aula são um lugar importante e que precisa ser bem cuidado. Não vale a pena economizar dinheiro com sala de aula. As salas que reinauguramos no Básico são certamente uma novidade no Brasil em termos de qualidade. Associado a isso, criamos uma diretoria de logística e infra-estrutura de ensino que responde pela manutenção e adequação das salas na graduação e pós-graduação. Esse trabalho acaba de resultar num inventário completo de todas as salas de aula da Unicamp, que agora estão mapeadas, descritas e fotografadas em todas as suas características, como localização, capacidade, área útil e equipamentos disponíveis. Tudo isso está inserido no programa de expansão de vagas.
AGÊNCIA DE INOVAÇÃO
Trata-se de um órgão que potencializou uma capacidade que a Unicamp já possuía, mas que agora foi elevado a um nível qualitativo muito superior. A Unicamp é a universidade brasileira que tem a melhor e mais intensa tradição de relacionamento com a sociedade, incluindo o poder público, organizações não governamentais e empresas. Isso é algo que já está no DNA da Unicamp. Desde a sua criação, a Unicamp entendeu que se relacionar com a sociedade em nada diminui as perspectivas da qualidade da pesquisa produzida e da educação dos alunos. Pelo contrário, aumenta. A Agência de Inovação veio elevar isso a um novo estágio, institucionalizando esse relacionamento através de uma ação valorizada pela instituição. Hoje, além da enorme visibilidade no campo da inovação, foram alcançados resultados concretos na área de propriedade intelectual. Trata-se da universidade com o maior estoque de patentes no país e uma das poucas que faz hoje um esforço organizado e com resultados expressivos para o licenciamento dessas patentes. Pesou muito nesse esforço o trabalho da equipe comandada pelo professor Roberto Lotufo. Também houve uma intensificação no número de contratos de parcerias com empresas e com o governo. Não só com empresas e governo, mas também com toda a sociedade. Algo que freqüentemente as pessoas não imaginam, mas que a Agência faz, é obter contratos de patrocínio para atividades culturais, como produções teatrais por exemplo. O mais importante, porém, é entender e destacar o conceito que está por trás da Agência. Um primeiro conceito é que a Unicamp quer ter relações com a sociedade porque isso ajuda a Universidade a fazer mais e melhor pesquisa e mais e melhor educação. Esses são os nossos objetivos com a agência de Inovação. É importante ter clareza sobre esses objetivos. O objetivo da Unicamp ao estabelecer relacionamentos com a sociedade não é fazer caixa esse papel é do estado , e sim fazer mais e melhor pesquisa, mais e melhor educação. Se um contrato nos permite fazer isso, então a parceria nos interessa. Mais do que resultados nós queremos estabelecer uma cultura. O segundo conceito importante é que a Agência foi organizada por uma iniciativa da e na Unicamp. Não criamos uma fundação privada externa. Isso é importante porque estamos demonstrando que é perfeitamente possível, dentro da universidade pública e gratuita, ter um esforço eficaz no desenvolvimento de relações com a sociedade.
AÇÃO AFIRMATIVA
O programa de ação afirmativa mostrou que é perfeitamente possível aliar valor acadêmico, defesa da universidade pública, institucionalidade e inclusão social. Estamos demonstrando que essas situações são inteiramente compatíveis desde que a autonomia da universidade seja preservada. O Brasil tem deficiências no ensino público de nível básico e médio, e ao mesmo tempo tem excelentes universidades no ensino superior. Há um paradoxo nesta questão, cuja solução estrutural só ocorrerá quando se cuidar da educação fundamental e média. Entretanto, a universidade não pode cruzar os braços esperando que o assunto seja solucionado por outras esferas. Pelo contrário, a Unicamp se dedicou a estudar e a entender esse tema. Tivemos a felicidade de contar em nossa equipe com pessoas que se dedicaram a tratar do assunto objetivamente, como os professores Leandro Tessler e Renato Pedrosa, ambos da Comvest (Comissão Permanente para os Vestibulares), e o grupo de trabalho presidido pelo professor José Tadeu Jorge. Esse grupo fez um estudo belíssimo sobre as características dos estudantes da Unicamp. Constatou-se que quando dois estudantes obtêm notas similares no vestibular para o mesmo curso, sendo um da escola privada e o outro da escola pública, quase que invariavelmente aquele que vem da escola pública tem um desempenho acadêmico superior. Nossa hipótese é que se esse jovem enfrentou uma situação mais desfavorável e, mesmo assim, alcançou no vestibular a mesma nota que o outro, é porque a capacidade de aprendizado dele é melhor. Essa discussão nos trouxe um conceito importante, que é paradigmático, mas que o Brasil ainda não entendeu completamente. O objetivo de uma universidade ao selecionar os estudantes não é escolher os mais sabidos no dia da prova; o objetivo deve ser escolher aqueles que têm maior capacidade de desenvolvimento intelectual durante o período que vão passar na instituição. O vestibular não é um prêmio. Trata-se de um instrumento da universidade para selecionar os estudantes com maior capacidade de aprendizado. O estudo que realizamos mostrou que, sob certas condições, o estudante que vem do ensino público tem maior capacidade de aprendizado. Com isso criamos o programa de pontos adicionais que não exclui ninguém, ao contrário do chamado sistema de cotas defendido pelo governo federal. O sistema desenvolvido pela Unicamp permite fazer inclusão social com preservação do mérito acadêmico, além de preservar o princípio da isonomia. Além do mais identificou-se a necessidade de uma pontuação especial para os candidatos pretos, pardos e índios, conforme a definição do IBGE. Os resultados do programa, aplicado pela primeira vez em 2005, foram interessantíssimos. Em primeiro lugar, o número de inscritos no vestibular provenientes da escola pública aumentou de 29% para 34%. Ao mesmo tempo, aumentou o percentual de aprovados vindos da escola pública, passando de 28% para 34%. Além disso, esses resultados foram verificados de maneira mais intensa nos cursos de maior demanda. Também aumentou substancialmente o percentual de pretos, pardos e índios.
FAPESP
Creio que teremos a possibilidade de dar uma contribuição importante para o desenvolvimento da ciência e da tecnologia no Estado de São Paulo. Acredito que o grande desafio seja valorizar a atividade de recursos humanos na pós-graduação e as atividades de pesquisa fundamental e, ao mesmo tempo, dar uma contribuição mais efetiva nos assuntos relacionados à aplicação do conhecimento. A palavra que se usa para isso é inovação. Claro que a Fapesp tem dado uma grande contribuição nesse aspecto, com programas voltados para pequenas empresas e de parceria universidade-empresa, mas não é possível alimentar a expectativa de que a Fapesp deva ser o único ator nesse campo. A inovação tecnológica, que é algo que acontece dentro da empresa, envolve números que são grandes até para a Fapesp. Vamos precisar trabalhar em parceria com outras organizações no Brasil. Isso já foi iniciado, mas eu gostaria de intensificar. Parcerias com a Finep, como no caso do programa para pequenas empresas, e com o BNDES, nos assuntos relacionados à política industrial, tecnológica e de comércio exterior. A idéia é fazer a Fapesp trabalhar como aglutinador, sensibilizando outros atores para que se interessem pelo assunto.