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Pesquisa mostra que há diminuição dos níveis
de substância que tem importante propriedade antiinflamatória

Fumo na gravidez afeta produção de hormônio em recém-nascidos prematuros, conclui estudo



PAULO CÉSAR NASCIMENTO


A médica Inês Maria Pardo: "Quanto maior a quantidade de cigarros, menor é a concentração da proteína no sangue" (Foto: Antoninho Perri)As fumantes têm um motivo a mais para deixar o cigarro apagado durante a gravidez. Estudo comparativo realizado pela médica pediatra Inês Maria Gutierrez Pardo encontrou níveis inferiores do hormônio adiponectina no sangue coletado do cordão umbilical de recém-nascidos prematuros de mães que fumaram durante a gestação. Produzida pelo tecido adiposo (gorduroso), a substância tem importantes propriedades antiinflamatórias e antiaterogênicas (previne obstruções arteriais), e sua redução no organismo está associada a doenças respiratórias e coronarianas, como infartos e tromboses.

Pesquisa integra conjunto de 4 estudos

Inédito e publicado na edição de março da revista Diabetes, Obesity and Metabolism, o achado de Inês é fruto de suas pesquisas de pós-graduação na Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp. O trabalho integra um conjunto de quatro estudos desenvolvidos pela doutoranda no Laboratório de Endocrinologia da Universidade com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), e se insere nas investigações internacionais que buscam compreender melhor as funções das proteínas no organismo. O orientador foi o Prof. Dr. Antonio Azevedo Barros Filho, do Departamento de Pediatria, e o co-orientador o Prof. Dr. Bruno Geloneze Neto, da Disciplina de Endocrinologia.

Para descobrir a correlação entre número de cigarros consumidos e quantidades de adiponectina, Inês comparou os níveis da substância encontrados no sangue de 108 bebês nascidos no Hospital Universitário da PUC de Sorocaba (SP) - cidade onde ela trabalha -, divididos em quatro grupos de controle. Em dois grupos reuniu 17 prematuros: sete eram de mães que fumavam em média 25 cigarros por dia, e dez haviam sido gerados por mulheres sem o hábito.

Ao dosar a proteína no laboratório da Unicamp, encontrou no sangue retirado do cordão umbilical dos bebês gestados pelas fumantes a quantidade de 40 microgramas de adiponectina por mililitro de sangue (mg/ml), volume significativamente inferior ao índice de 58 mg/ml obtido no material coletado nos filhos das não-fumantes.

Conseqüências - A pesquisadora também realizou a experiência em dois outros grupos formados por bebês com idade gestacional de 37 semanas, um composto por 14 gestantes que fumavam em média 12 cigarros diários, e outro por 77 mulheres sem o hábito. Nesses, os resultados encontrados foram mais próximos: 64 mg/ml de adiponectina no sangue de bebês de mães não-fumantes e 60 mg/ml entre as crianças geradas pelas fumantes.

“A discrepância na comparação dos valores revela que há uma importante relação inversa entre o número de cigarros fumados pela gestante e os níveis de adiponectina dos recém-nascidos”, afirma Inês. “Ou seja, quanto maior a quantidade de cigarros, menor é a concentração da proteína no sangue.”

De acordo com a pediatra, a incidência de problemas vasculares, pulmonares e cardíacos em prematuros de mães fumantes é relativamente considerável e sua ocorrência pode começar a ser explicada pelas conclusões de seu estudo. Embora ela ressalve ter reunido uma amostragem pequena, os dados obtidos foram suficientes para validar estatisticamente os resultados.

“A adiponectina é um hormônio antiinflamatório e protetor dos vasos sanguíneos. Portanto, ter a substância em menor quantidade teoricamente significa predispor o organismo a uma série de comprometimentos vasculares, como trombose, doenças coronarianas, e processos inflamatórios”, raciocina Inês. “E, sabidamente, o tabagismo exerce influência maléfica sobre os vasos sangüíneos”, complementa.

A pesquisadora observa que seu trabalho abre caminho para estudos mais profundos sobre a correspondência entre baixos níveis do hormônio e doenças vasculares, os quais poderão até culminar no futuro com o estabelecimento de ações médicas preventivas. Ministrar doses de adiponectina ao recém-nascido com baixas taxas da proteína poderá contribuir para aumentar a imunidade de seu organismo a problemas inflamatórios. Mas até que a Medicina conclua ser este um recurso viável, o melhor que as gestantes têm a fazer é fechar a boca para o cigarro.


Riscos também na amamentação
Não é de hoje que a Medicina adverte para os riscos do fumo na gravidez. O tabagismo materno pode ferir o feto, já que a nicotina acumulada nos pulmões da mãe é jogada na corrente sangüínea antes de ser eliminada, causando danos para os órgãos em desenvolvimento e interferindo com o sistema imunológico, predispondo a criança a doenças infecciosas depois do parto. Também propicia aumento dos batimentos cardíacos e alterações neurológicas, além de causar problemas respiratórios (asma e pneumonia, entre outros), visto que a função pulmonar é mais deficiente em crianças cujas mães fumaram durante a gravidez. O risco de aborto espontâneo e de parto prematuro é maior em gestantes que fumam.

Mesmo durante a amamentação o perigo continua: as substâncias tóxicas do cigarro são transmitidas para o bebê também através do leite materno. Isso pode resultar na formação de um futuro fumante. A fumaça de tabaco no ambiente é ainda uma ameaça adicional aos pulmões eventualmente comprometidos no nascimento. Pode danificar o pulmão do bebê em pontos críticos durante o seu desenvolvimento e alterar permanentemente a estrutura e a funçã


No cordão umbilical,
pistas para a obesidade

Outro estudo de Inês traz contribuições para as pesquisas que tentam desvendar os mecanismos desencadeadores da obesidade. Com metodologia semelhante à da pesquisa que relacionou a adiponectina ao hábito de fumar, ela avaliou os níveis de uma outra proteína, a leptina, no sangue do cordão umbilical de 132 recém-nascidos com idade gestacional de 35 a 42 semanas, 68 do sexo feminino e 64 do sexo masculino.

“No Brasil, há carência de estudos sobre concentrações de leptina no cordão umbilical”, explica a pesquisadora, pioneira no País na utilização do método, empregado para avaliar a influência da proteína no crescimento neonatal, por meio da comparação dos seus valores conforme sexo, idade gestacional, peso e comprimento do recém-nascido. O trabalho, produzido ainda durante o mestrado, foi publicado no ano passado pelo Jornal de Pediatria, da Sociedade Brasileira de Pediatria.

A leptina (da palavra grega leptos, que significa “magro”) é uma proteína produzida pelas células do tecido adiposo, como a adiponectina. Em ratos, apresenta papel importante na função neuroendócrina, na fertilidade, na obesidade e diabetes. Nos seres humanos, está correlacionada com a massa gorda corpórea e balanço energético, além de apresentar variações conforme o sexo e o desenvolvimento da puberdade.

Em 1997, descobriu-se que a leptina é produzida também na placenta e pelo feto, o que desencadeou a realização de estudos para investigar, por meio de sua dosagem no sangue do cordão umbilical, a relação da leptina com o crescimento fetal e também como indicadora dos depósitos de energia do recém-nascido. Os achados de Inês foram semelhantes aos de outros pesquisadores no exterior e enriquecem as pesquisas para esclarecer o papel da leptina na fisiologia humana.

“Os índices de leptina que encontrei no cordão umbilical se correlacionam positivamente com idade gestacional, peso e comprimento dos bebês, sugerindo a participação da substância no processo de crescimento neonatal”, relata Inês. “Além disso, os recém-nascidos do sexo feminino têm níveis maiores do hormônio que os do sexo masculino, indicando que o dimorfismo sexual relacionado à composição corporal já possa existir em recém-nascidos”, revela, referindo-se ao conjunto de diferenças, tais como forma, cor e tamanho, entre indivíduos masculinos e femininos.

Quebra-cabeça - Em paralelo à avaliação dos níveis de leptina, ela também investigou a relação entre o peso de recém-nascidos e a quantidade de adiponectina no sangue do cordão umbilical. Nos resultados, divulgados pela revista norte-americana Obesity Research, também no ano passado, ela encontrou níveis de proteína até três vezes superiores aos das populações adultas, diferença até então não identificada por estudos anteriores e para a qual ainda não existe uma explicação.

Uma hipótese cogitada pela especialista é a ocorrência de uma super-produção de adiponectina pelo tecido adiposo fetal “marrom”, responsável por regular a temperatura corporal do recém-nascido, como recurso para ajudá-lo a se adaptar à vida fora do útero. E sua redução no organismo, a partir dos três anos de idade, poderia ser causada por um ainda desconhecido mecanismo inibidor de adiponectina, o que explicaria os índices observados em adultos.

Outro achado intrigante de seu trabalho foi a correlação positiva entre o grau de adiposidade do recém-nascido e a adiponectina: quanto mais gordura, mais hormônio havia no sangue. E isso na fase adulta normalmente é o contrário. Descobertas há aproximadamente 10 anos - tempo considerado curto quanto se trata de medir resultados científicos - a adiponectina e a leptina estão no centro das pesquisas mundiais que tentam compreender melhor o fenômeno da obesidade. O papel desempenhado pelas proteínas no crescimento humano e suas implicações metabólicas começam a ser paulatinamente desvendados e constituem um quebra-cabeça em fase de

montagem, ao qual Inês, com os resultados de seus estudos, acrescentou novas peças.



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Fotos: Antoninho PerriFoto: Divulgação(Foto: Antoninho Perri)(Foto: Antoninho Perri)