LUIZ SUGIMOTO
O caminhar sem pressa pelo centro expandido de São Paulo, observando mais atentamente os prédios ao redor, leva ao reconhecimento do arquiteto Rino Levi como um dos artífices da verticalidade e da cara moderna que a capital paulista ganhou no decorrer do século 20. Sua assinatura está em projetos como do edifício Guarani, do Cine Ipiranga e do Teatro Cultura Artística, das sedes do Banco Sul-Americano e Banco Boa Vista, da Ordem dos Advogados do Brasil, do Instituto Sedes Sapientiae, do Hospital Pérola Byington. Ele projetou o Edifício Columbus, primeiro condomínio de apartamentos da metrópole (demolido em 1971), onde os moradores, sem se dar conta do isolamento nas alturas, instalaram pesadas cortinas nas sacadas porque temiam invasão de privacidade. Na Avenida Paulista reluz o prédio da Fiesp, cuja maquete lembra as formas de um Tyranosaurus rex. Ademais, muitas obras de Levi foram copiadas e disseminadas por arquitetos, engenheiros, mestres-de-obras, exatamente como ele pretendia ao optar por um projeto-padrão relacionado à finalidade do prédio.
A influência de Rino Levi na configuração urbana de São Paulo já rendeu muitos estudos. Uma abordagem ainda inédita, contudo, refere-se ao peso do arquiteto no próprio processo de industrialização paulista, visto que ele e seus sócios de escritório projetaram perto de 80 indústrias, sendo inúmeras multinacionais e boa parte na região do ABC. "Rino Levi foi o 'arquiteto da industrialização". Ele estava vinculado a intelectuais da iniciativa privada que criaram um projeto de industrialização para o país, principalmente Roberto Simonsen, articulador do movimento. O grupo reunia comerciantes, industrialistas, banqueiros, agricultores, economistas, funcionários do governo, professores universitários e técnicos, tais como Gastão Vidigal, Eugênio Gudin, Octavio Gouvêa de Bulhões, Glycon de Paiva, Gileno de Carli, Euvaldo Lodi, João Daudt d'Oliveira, entre outros", afirma Fábio Fernandes Villela, que apresentou dissertação de mestrado sobre o tema junto ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp. Intitulada Rino Levi: Hespéria nos Trópicos, a pesquisa, que só não foi elevada a tese de doutorado por impedimentos burocráticos, teve orientação da professora Ângela Maria Tude de Souza.
Fábio Villela, sociólogo pela Unicamp, colaborou na organização e digitalização de aproximadamente 3.000 negativos e fotos do acervo de Rino Levi na PUC-Campinas, quando o escritório encerrou suas atividades. Foi este trabalho que motivou sua dissertação. Preocupado com a preservação da memória e sabedor de que lidava com construções inéditas, Levi contratou os melhores fotógrafos para registrá-las, da planta no papel à planta que daria requinte paisagístico à obra. O acervo também guarda muitos projetos não construídos, como os de Brasília e do Viaduto do Chá, derrotados em concurso público. As imagens digitalizadas resultaram no livro Rino Levi: Arquitetura e Cidade, graças ao esforço pessoal de professores da PUC que fundaram uma editora para viabilizar a publicação. Esses negativos e fotos estão depositados atualmente na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP.
Rino Levi obteve formação em Milão e Roma, e seu mestre Marcello Piacentini, com quem chegou a trabalhar, influenciou toda a arquitetura romana o Razionalismo e se tornou arquiteto oficial do regime fascista de Mussolini. Levi foi aluno, mas não adepto de Piacentini. Ainda na Itália, defendia a modernização da arquitetura brasileira, em detrimento da escola neoclássica preconizada pelos fascistas. "Ao longo da carreira, porém, sua obra jamais perderia certa substância do razionalismo italiano", observa Villela. Ao retornar em 1926 ao Brasil, foi contratado pela Companhia Construtora de Santos, pertencente a Roberto Simonsen, um engenheiro, industrial, professor, historiador e político. "Simonsen nunca participou diretamente do governo Vargas, mas era o que Gramsci chamou de "intelectual orgânico" da criação de um estado industrialista", acrescenta o mestrando.
Industrialismo - Simonsen defendia um "projeto industrialista" para inaugurar uma nova fase na história do Brasil, conduzindo o país à modernidade através da superação do subdesenvolvimento e da conquista de um papel diferenciado no cenário internacional. Transformou-se em líder e porta-voz de poderosa parcela do empresariado, ao passo que Levi e seu escritório viriam a cumprir papel fundamental na execução desse projeto. Ambos, portanto, tornaram-se agentes privilegiados da industrialização em São Paulo. Desde o projeto do Edifício da Companhia Construtora de Santos de 1926 (não construído), passando pelas 80 indústrias projetadas pelo escritório, até o edifício-sede da Fiesp/Ciesp/Sesi, há uma profunda identificação entre esses intelectuais.
O vínculo com Simonsen foi fundamental para que Rino Levi construísse, a partir do escritório montado em 1927, na Capital, uma carreira voltada essencialmente para a iniciativa privada. Tornou-se antagonista de Oscar Niemeyer e Lúcio Costa, que na geração seguinte conquistariam fama erguendo grandes obras para o Estado. Levi atraiu para sócios outros expoentes da arquitetura como Roberto Cerqueira César, Luiz Roberto Carvalho Franco, Paulo Bruna e Antonio Carlos Sant'Anna Jr. Quando faleceu em 1965, a empresa manteve-se dentro da linha do fundador, até o final da década de 1990. "Nos mais de 80 anos de atividade, o escritório projetou desde casas isoladas e mansões cinematográficas até complexos industriais; desde garagens verticais até a sede do jornal O Estado de São Paulo, na Marginal Tietê. Uma das poucas obras públicas é o Paço Municipal de Santo André", informa Fábio Vilella.
Racionalistas - Roberto Simonsen foi o primeiro intelectual brasileiro a defender o trabalho racional dentro da indústria - seguindo a escola do taylorismo, fordismo -, que inspirou Chaplin a filmar Tempos Modernos. Rino Levi levou este processo de produção para a arquitetura. Chamado de "racionalista dos trópicos", procurou padronizar seus projetos criando, por exemplo, "programas" para prédios residenciais, comerciais, indústrias, hospitais, cinemas, garagens verticais. Seus funcionários ficavam incumbidos de racionalizar uma planta de forma que ela pudesse ser reproduzida ad infinitum. Formou, assim, um dos maiores escritórios do país, com mais de 30 profissionais, entre arquitetos, desenhistas e estagiários.
Com a morte de Rino Levi e, especialmente, com a reestruturação produtiva ocorrida no Brasil, os sócios tiveram dificuldades de acompanhar as mudanças nos processos de trabalho. Eles acabaram saindo no final dos anos 1980 para abrir seus próprios escritórios. "A introdução da informática, por exemplo, tornou desnecessária a manutenção de tantos arquitetos para o detalhamento das plantas. Atualmente, uns poucos profissionais, em seus pequenos escritórios, têm à disposição ferramentas computacionais para projetar uma indústria. A arquitetura não ficou imune à nova era da produção e o mega-escritório acabou pulverizado", conta Fábio Villela.