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Como Sorocaba virou
a 'Manchester Paulista'
MANUEL ALVES FILHO
Almanaques, jornais e revistas literárias ajudaram a pavimentar o caminho que o pesquisador Arnaldo Pinto Júnior percorreu para analisar historicamente o processo de consolidação dos valores da modernidade capitalista em Sorocaba, cidade do interior paulista, no início do século 20. O trabalho, que foi apresentado como sua dissertação de mestrado na Faculdade de Educação (FE) da Unicamp, focalizou o período compreendido entre os anos 1903 e 1914. De acordo com o autor, as publicações foram importantes instrumentos para a difusão dos ideais liberais da época. “O termo ‘Manchester Paulista’, difundido a partir de 1905 para exaltar o município, é representativo do avanço da modernidade capitalista em Sorocaba”, afirma.
A associação de Sorocaba com Manchester teve sua razão de ser, conforme Arnaldo Pinto Júnior. Naquele momento, a cidade inglesa estava consolidada como um importante centro industrial da Europa, constituído principalmente por empresas da área têxtil, mesmo segmento que começava a se concentrar no município paulista, conhecido até o final do século 19 por suas feiras de muares. A comparação, portanto, tinha por objetivo destacar a “vocação progressista” local. Ademais, Sorocaba experimentava outros aspectos da modernidade. Localizada próxima a um dos mais movimentados entroncamentos ferroviários do país, tinha fácil acesso a outros centros urbanos e recebia sem dificuldade as novas tecnologias que comporiam o seu parque fabril.
Ilustres sorocabanos valiam-se de discurso positivista
A conjugação desses fatores, somada a uma bem-articulada campanha das elites locais, impulsionou os ideais capitalistas. O discurso liberal, destaca Pinto Júnior, foi propagado por diversos meios, mas sobretudo por publicações como o Almanach de Sorocaba (1904), Almanach Illustrado de Sorocaba (1914) e a Revista A B C... (1914). Além desses, o historiador também analisou alguns jornais, como o Cruzeiro do Sul e O Operário, este último de matiz anarco-socialista. Os almanaques e revistas traziam com freqüência em suas páginas artigos, notícias e publicidades que enalteciam a chegada da modernidade e suas vantagens.
As publicações, produzidas por sujeitos históricos como professores, advogados, funcionários públicos, empresários e comerciantes, baseavam-se em concepções que valorizavam a cultura letrada, a expansão dos negócios, o crescimento demográfico e a monumentalidade das fábricas. Ressaltavam, ainda, as benesses proporcionadas pela implantação das indústrias, como também o comportamento ordeiro dos trabalhadores sorocabanos e a alta capacidade destes para a produção. Tais sujeitos, conforme o historiador, realizavam uma “educação política dos sentidos”, ampliando a repercussão dos discursos elitistas para todas as classes sociais. “As visões liberais, positivistas e românticas imbricavam-se nos textos e imagens, difundindo para os moradores a idéia de que todos ganhariam com as novas condições proporcionadas pelo progresso técnico-científico”, interpreta Arnaldo Pinto Júnior.
Aqui, o autor da dissertação, que foi orientado pela professora Maria Carolina Bovério Galzerani, faz um parêntese para esclarecer que a transformação urbana vivida por Sorocaba não era uma experiência única no país. Cidades como Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, Recife e Campinas, apenas para citar algumas, também passaram pelo mesmo processo. “Não quero afirmar com isso que Sorocaba vivenciou, nas mesmas proporções, os processos de transformação urbanística, viária e higienizadora verificados nesses municípios. Mas não tenho dúvida de que as mudanças nos grandes centros urbanos inspiraram as elites sorocabanas a pensarem em discursos dessa natureza, que foram ressignificados e ganharam especificidades locais”.
Contraponto A despeito do avanço das idéias liberais na sociedade sorocabana, o movimento encontrou oposição, como constatou Arnaldo Pinto Júnior em sua investigação. Um dos redutos de resistência ao discurso segundo o qual no capitalismo todo mundo ganha era o jornal O Operário, de inspiração anarco-socialista. Como o próprio título indica, a publicação era produzida pela classe trabalhadora, que utilizava suas páginas para denunciar algumas das conseqüências negativas do progresso e da modernidade. “No jornal, apareciam relatos, por exemplo, sobre o emprego de crianças nas linhas de produção das fábricas, o assédio sexual contra mulheres, baixos salários e o cumprimento de extensas e exaustivas jornadas de trabalho. O movimento sindical da época alcançou um nível de organização que culminou com a deflagração de várias greves. Em outras palavras, o discurso capitalista não era tão hegemônico quanto os liberais queriam fazer crer”.
Terra rasgada
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Sorocaba, que na língua tupi-guarani significa “terra rasgada”, tem atualmente 550 mil habitantes. A indústria têxtil, que conferiu o título de “Manchester Paulista” à cidade e impulsionou os ideais capitalistas no início do século 20, entrou em franco declínio nos primórdios da década de 1970. O município viu-se, então, obrigado a diversificar o seu parque industrial, constituído hoje por aproximadamente 1,5 mil empresas, dos mais variados segmentos. Sorocaba conta ainda com 13 mil pontos de comércio e em torno de 4,5 mil prestadores de serviços. De acordo com a Prefeitura, graças à política de desenvolvimento implementada nos últimos anos foram atraídos para a região cerca de US$ 2 bilhões em investimentos.
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