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Historiador aborda a especificidade da área em
palestra que encerrou o II Encontro de História da Arte

Horizontes e fronteiras da
história da arte, segundo Coli

LUIZ SUGIMOTO

O professor Jorge Coli fala a uma platéia especial de pós-graduandos: "A História da Arte é uma disciplina histórica" (Fotos: Antoninho Perri)O professor Jorge Coli, convidado para fazer a palestra de encerramento do II Encontro de História da Arte na Unicamp, foi direto à questão logo que abriu sua fala: “História da Arte é uma disciplina histórica e não uma disciplina artística”. Coli se dirigia a uma platéia especial, uma vez que o evento, organizado por alunos de pós-graduação em História da Arte do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), atraiu centenas de pessoas ligadas ao tema e que vinham de várias regiões do país. “Trata-se de uma questão essencial mas pouco pensada no Brasil. Quando procuramos referências no CNPq e em outras agências de pesquisa, a História da Arte está relacionada não com a História, mas com as Artes”, observa.

Criação da primeira pós-graduação
pelo IFCH foi alvo de polêmica

A primeira pós-graduação específica em História da Arte no país foi criada justamente no IFCH da Unicamp, em 1989, como lembra Jorge Coli. Ele lembra também que o Instituto de Artes se levantou em protesto, reivindicando a matéria como de sua esfera. “Acabamos chamando uma reunião, que na verdade foi um debate intelectual, até que as pessoas ficassem convencidas de que o historiador da arte é, de fato, um historiador”, afirma. Remetendo a uma comunicação que assistira antes de sua palestra, sobre desenho, o professor ressaltou que a importância deste gênero não transforma seu artista em historiador da arte – este trabalha com arquivos e métodos. “Da mesma forma, o arquiteto que pretende se transformar em historiador da arte precisa ele mesmo se transformar. Ele não pode ser historiador da arquitetura enquanto arquiteto”, insiste.

Jorge Coli atenta, porém, para a especificidade da História da Arte, visto que seu objeto de estudo é diferente daqueles focados pelos demais ramos da História. “A nossa cultura ocidental criou esta palavra chamada arte, mas ela não é apenas classificatória, é uma palavra criadora. A palavra arte cria objetos artísticos. No passado, a idéia de arte era um pouco diferente e podia estar ligada, por exemplo, a noções do belo, à bela arte. Quando se descobria a beleza de um objeto criado pelo homem, então se tratava de um objeto artístico. Agora, isso não funciona mais”, afirma o professor.

PO professor Marcos Tognon, coordenador do II Encontro de História da Arte: espaço consolidado de discussão ara citar um caso célebre, Jorge Coli recorre ao mictório exposto em museu por Marcel Duchamp, que já tendo seu prestígio consolidado em 1917, escondeu-se sob um pseudônimo. O objeto considerado a princípio vulgar, instalado de ponta-cabeça, se transformou quando o autor se revelou. “Aquilo que era uma brincadeira do artista, a partir do momento em que foi instaurado como objeto artístico, começou a emitir sentidos, sentidos que não eram percebidos antes. Existe na palavra arte um poder sacralizador, capaz de fazer com que alguém passe a prestar atenção no objeto de outra maneira”, ressalta.

Na opinião de Coli, o museu extrai o objeto de seu contexto, esvaziando-o de seu sentido utilitário e transformando-o em pura arte. “Uma virgem de Rafael sempre foi algo belo, mas era uma virgem, destinada à adoração. Quando foi transportada para o museu deixou de ter esta função religiosa e ganhou uma função sacralizadora. A arte escolhe um objeto e o dispõe de uma maneira diferente para o sujeito observador, que então passa a atentar para novos sentidos. É com esse objeto que o historiador da arte precisa lidar”, exemplifica.

Paradoxo – O paradoxo, segundo o professor do IFCH, é que ao mesmo tempo em que a arte dispõe do objeto, ela também transforma esse objeto em sujeito. Por isso, vê uma diferença essencial entre o documento histórico e a obra de arte. “O documento é um traço do passado, que nos auxilia e nos dá pistas sobre fatos que queremos entender. Já a obra de arte continua emitindo sentidos no correr do tempo. A questão para o historiador é enfrentar a obra de arte como sujeito, indo buscar nela esses sentidos, sempre com a consciência de que está buscando sentidos parciais”, pontua.

Entrando na discussão sobre arte e teoria, o professor Jorge Coli opina que a teoria exige um processo interpretativo complexo, mas ao mesmo tempo muito simples. Já a obra de arte segue emitindo sentidos que vamos captando segundo os momentos, as épocas, e que por isso são parciais. “A obra de arte, enquanto sujeito, não é algo estável, ela se modifica com o tempo, muda aos nossos olhos, oferecendo para cada geração uma leitura diferente. A obra vai continuar sendo pertinente, mas os ângulos mudam”, explica.

Jorge Coli informa que ele e outros pesquisadores estão prestes a assumir um projeto da Fapesp, visando a criação de um banco de dados sobre a representação do corpo. Mas, diferentemente de um projeto científico, que é dirigido de maneira estrita por procedimentos teóricos e voltado a experiências precisas, em seu grupo cada pesquisador vai buscar o objeto de seu interesse. “Para nós, o processo de conhecimento passa pela narração e pela percepção das coisas”, justifica. O professor acrescenta que enquanto a história, por si, é uma narração verdadeira, onde existe uma dimensão de rigor, a obra de arte, como os grandes projetos teóricos, é interpretativa. “Apenas os grandes projetos teóricos apresentam uma interpretação ampla do mundo”.

Mesa grande – Quando questionado sobre o que é mais importante para o historiador da arte, Jorge Coli brinca: uma mesa grande, onde se possa dispor e se debruçar em cima dos enormes volumes de arte. “Isso não deixa de ser verdade, mas existe uma qualidade fundamental, que é a ética. É a postura do historiador da arte diante da obra. Se estou tecendo um discurso que vai permitir entender melhor a obra, então preciso ser rigorosamente ético com ela, obedecendo as indicações que está me dando. Ao mesmo tempo em que se procura entender o objeto, é preciso se submeter a ele”.

O historiador da arte também não recorre a métodos. Longe de parecer deselegante, Jorge Coli atentou para um equívoco na programação do evento no IFCH, anunciando uma das mesas-redondas sob o tema “Debate acerca dos desafios metodológicos da pesquisa em Arte no Brasil”. “O termo metodologia é usado de maneira errada em todas as instâncias. Se geologia é a ciência da terra ou iconologia a ciência das imagens, metodologia é a ciência dos métodos. Creio que a matéria é sobre artes e não sobre métodos. Na maioria das vezes as pessoas usam a palavra metodologia, ao invés de simplesmente método; ou metodológico, no lugar de metódico”.

De qualquer forma, na visão de Jorge Coli, não há método que se aplique para o historiador da arte, ou mesmo para o historiador de outras áreas. “De nada adianta aplicar determinado método para compreender o período da civilização romana. Não funciona. O historiador precisa ler muito, conhecer muito a civilização romana, como se sentisse dentro dela. Com a obra de arte é assim: precisamos nos sentir junto do objeto e aos poucos ir percebendo suas dimensões e significação, quem podem ser inclusive teóricas”.

O encontro organizado por alunos de pós-graduação já virou referência

Estando apenas em sua segunda edição, o Encontro de História da Arte, organizado por alunos da pós-graduação do IFCH, já se tornou o maior evento de História da Arte do Brasil. Entre 26 e 29 de março, perto de 300 pessoas acompanharam o evento, que apresentou 140 trabalhos. “Esse encontro nasceu em 2004 e vem cumprindo o objetivo dos pós-graduandos de promover um espaço de discussão para estudantes de todo o país que estejam envolvidos com a história da arte. São poucos os eventos nessa área e, por isso, quase todos os trabalhos apresentados são inéditos, ou sequer foram defendidos como teses ou dissertações”, afirma o professor Marcos Tognon, que atuou na coordenação. A programação incluiu o lançamento dos anais do encontro de 2004.

Em meio às 140 comunicações, professores convidados ofereceram conferências. “Na primeira edição vieram conferencistas de São Paulo e da Bahia e, agora, convidamos professores do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Estamos abertos a todos que façam uso de história da arte como suporte para suas pesquisas. Daí a presença, além de historiadores da arte, também de psicólogos, antropólogos, cientistas sociais, das mais variadas disciplinas”, conclui Marcos Tognon.


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