Política industrial e
desenvolvimento regional
WILSON SUZIGAN
Política industrial é essencialmente uma forma de coordenar ações estratégicas de governo, empresas e instituições visando o desenvolvimento de determinadas atividades ou a solução de problemas identificados por esses atores no setor produtivo da economia. Embora seu foco seja a indústria, a política industrial tem uma área de abrangência necessariamente ampla. Afinal, o desempenho das empresas industriais é afetado por tributos, taxa de câmbio e taxas de juros, por medidas nas áreas de comércio exterior, financiamento, incentivos fiscais e regulação, e por problemas de infra-estrutura e do sistema ciência, tecnologia e inovação. É afetado também por novas tecnologias que implicam profundas mudanças em produtos, processos produtivos e sistemas organizacionais. Tudo isso influi na capacidade de competição das empresas, e o grande desafio é como coordenar ações tão abrangentes. A melhor maneira de enfrentar esse desafio é uma estratégia de desenvolvimento com foco na indústria e utilização de uma política industrial como mecanismo de coordenação. Isto vale tanto para o plano de governo federal quanto para o regional ou mesmo estadual.
De fato, o desenvolvimento regional é uma das dimensões mais relevantes da política industrial, ainda mais quando se trata de um país com dimensões continentais, como o Brasil, onde há enormes disparidades regionais. Essas disparidades têm determinantes históricos, institucionais e produtivos vinculados a recursos naturais e às atividades econômicas primárias das regiões, além de condicionantes sociais, culturais e políticos que influem na vocação econômica das regiões. Por isso, não é a política industrial que determina a distribuição regional da produção em geral e das atividades industriais em particular. Mas ela pode fazer com que o potencial de cada região seja melhor aproveitado, e até mesmo descobrir novas vocações regionais, mudando o padrão de vantagens competitivas de regiões. Isto é ainda mais relevante no momento atual em que o avanço da ciência, o domínio das tecnologias de informação e comunicação, a aplicação industrial de novas tecnologias e a mobilidade de atores sociais geram fluxos de conhecimentos que estão na base das capacitações para inovação, muitas vezes de forma independente das vocações regionais.
Nesse sentido, a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior do governo federal tem o mérito de aliar o foco na inovação, com ênfase em atividades que chama de portadoras de futuro, a uma forma organizada de atuação do governo para promover o desenvolvimento local/regional. Embora o funcionamento da PITCE como política de desenvolvimento seja dificultado por problemas de várias ordens (incompatibilidade com a política macroeconômica, desarticulação dos instrumentos e destes com as demandas das empresas, precariedade da infra-estrutura econômica, insuficiências do sistema de C,T&I, e deficiência de coordenação), em sua dimensão regional ela veio dar respaldo à atuação de órgãos governamentais e agências públicas de fomento e financiamento no apoio a sistemas ou arranjos produtivos locais (APLs), que há alguns anos vêm sendo objeto de inúmeros programas e medidas, tanto no âmbito federal quanto nas esferas de governos estaduais, agências e bancos regionais de desenvolvimento, federações industriais, instituições para-estatais como o Sebrae, e organizações não-governamentais. As estratégias da PITCE estabelecem que, na dimensão regional, devem ser privilegiados os APLs, com apoio no Programa Arranjos Produtivos Locais, do PPA 2004-2007.
Anseios Essa forma de atuação para promover o desenvolvimento regional é absolutamente relevante e corresponde aos anseios de políticos, empresários e outros atores locais ou regionais. Mas é preciso levar em conta que o apoio a APLs não é panacéia, não vai resolver todos os problemas. A promoção do desenvolvimento econômico e social das regiões depende de ações em muitas outras áreas, como as próprias estratégias e programas do PPA reconhecem. Ademais, a política regional não deve se resumir a medidas de apoio a APLs pela simples razão de que muitas atividades econômicas não se organizam territorialmente nesse formato. Portanto, é preciso manter a atuação em apoio a APLs na perspectiva adequada de modo a não gerar expectativas desmedidas ou irreais.
É preciso levar em conta, também, a dificuldade imposta pela complexa tarefa de coordenação. A necessidade de articulação e coordenação das ações já foi reconhecida pelo governo federal e levou à criação, em fins de 2004, do Grupo de Trabalho Interministerial Permanente de Arranjos Produtivos Locais. Coordenado pelo MDIC, o GT é integrado por representantes de mais dez ministérios e de instituições como: Finep, Sebrae, BNDES, CNPq, IPEA, APEX, IEL/CNI e bancos públicos. O grande número de instituições e agências públicas federais envolvidas, às quais se somam federações industriais estaduais, órgãos públicos estaduais e instituições de natureza privada, e sobretudo a diversidade de suas formas de atuação, podem representar obstáculos insuperáveis na ausência de uma metodologia comum, que permita mapear e caracterizar os APLs, e de um modelo organizacional que permita o acompanhamento e o controle das ações.
Paraná Tendo em vista essas dificuldades, pode-se dizer que o governo do Estado do Paraná vem tendo atuação exemplar nessa área. Em primeiro lugar, por meio da Secretaria de Estado do Planejamento e Coordenação Geral (SEPL) e do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES), liderou a criação da Rede Paranaense de Apoio aos Arranjos Produtivos Locais Rede APL Paraná. Todas as instituições públicas e para-públicas de apoio a APLs no Estado se reuniram para firmar, em fins de 2004, um Termo de Cooperação Geral visando articular suas ações de apoio a APLs no Estado. Em seguida, deu partida a um projeto que visa criar uma base de conhecimento comum a todas as instituições. Esse projeto, iniciado em abril de 2005, estabeleceu um referencial conceitual e metodológico, procedeu a uma identificação e caracterização de aglomerações de empresas industriais por meio de métodos estatísticos aplicados a bases de dados econômicos e fiscais por municípios e micro-regiões do Estado, e a partir desse mapeamento selecionou as aglomerações mais relevantes para serem objeto de visitas prévias que visavam confirmar ou não cada aglomeração como um potencial APL. Os casos confirmados, classificados de acordo com uma tipologia de APLS, passaram então a ser objeto de estudos de casos, com metodologia e questionário comum de modo a permitir que, em conjunto, gerem conhecimentos que substanciem medidas de políticas públicas do governo estadual e ações de apoio das instituições que compõem a Rede APL Paraná.
O grande mérito dessa forma de atuação é que ela dá voz aos protagonistas locais, que têm a oportunidade de manifestar-se sobre as principais carências e problemas do APL que podem ser objeto de políticas públicas e ações das instituições de apoio. Além de motivar esses protagonistas locais, a metodologia da pesquisa de campo, com aplicação de questionário nas visitas a empresas e instituições locais, permite que se tenha um adequado conhecimento das reais condições de cada APL em termos de estrutura produtiva e organização institucional.
É prematuro adiantar qualquer resultado que pudesse dar idéia de qual seria o perfil das medidas de políticas públicas e das ações das demais instituições da Rede. De todo modo, o ideal seria que as políticas e ações institucionais de apoio tivessem, primeiro, um conjunto de ações de aplicação geral, direcionadas a problemas que são comuns a todos os APLS, e outro de medidas e ações específicas a cada tipo de APL, complementando a política industrial do Estado.