Embate entre governo e esquerda armada altera cotidiano do campus
Prisão de Murillo Marques, um de seus principais auxiliares, leva Zeferino a fazer périplo pelos corredores do Dops
EUSTÁQUIO GOMES
COM A RETIRADA de cena do guerrilheiro Carlos Marighella, morto numa emboscada em fins de 1969, o embate da esquerda armada com o regime, em vez de arrefecer, exacerbou-se. Assim, o seqüestro do cônsul japonês em São Paulo, Nobuo Okushi, em janeiro de 1970, foi uma pronta resposta à morte do líder comunista Márcio Alves de Souza Vieira nos porões da polícia do exército no Rio de Janeiro. Nos meses seguintes, para arrancar das celas do regime 110 presos políticos, a guerrilha urbana promoveu dois eventos rumorosos o seqüestro dos embaixadores da República Federal da Alemanha e da Suíça. E, em abril de 1971, um comando guerrilheiro assassinou em São Paulo o industrial Henning Albert Boilensen, diretor da Ultragás, acusado de financiar a repressão política.
O governo respondeu botando o exército nas ruas, fazendo vistas grossas à tortura, arrochando a censura (para que nada vazasse) e apertando a vigilância nas universidades. Zeferino não estava imune a essas pressões. Seu factótum no gabinete da Unicamp, o ex-delegado do Dops Arnaldo Oliveira Camargo, era useiro e vezeiro em acionar a polícia civil sempre que havia ameaça de distúrbios no campus. Com vento a favor, sentia-se à vontade para relatar às atônitas funcionárias da Secretaria Geral, numa vozinha mansa e aveludada, cabeludos episódios de flagelação que teria presenciado. Com freqüência mandava levantar fichas de estudantes nos arquivos da Diretoria Acadêmica e, às vezes, também de professores. Zeferino assistia a tudo isso com tolerância, pois não lhe desgostava ter Camargo por perto, mas sem chegar ao ponto de permitir que algo de conseqüente resultasse desses expedientes.
Gostaria, no entanto, de livrar-se de algumas pedras no sapato. Uma delas era o preventivista Sérgio Arouca, comunista de carteirinha e animador das incômodas comissões paritárias na Faculdade de Medicina. Por isso ficou muito aborrecido quando o diretor dessa unidade de ensino, José Aristodemo Pinotti, mandou renovar o contrato de Arouca e colocou Zeferino na situação de ter de respaldá-lo, o que ele fez com relutância. Pinotti foi mais longe e trouxe para os quadros da faculdade um outro médico com histórico de militância na esquerda, o também preventivista Nélson Rodrigues dos Santos, que estivera preso no Paraná. Esses dois contratos valeram a Pinotti uma intimação para comparecer ao comando do Batalhão de Infantaria Blindada de Campinas. Sem poder telefonar nem sair, ficou à espera de explicação durante horas. No fim da manhã, um tenente veio falar com ele. Trazia uma advertência do comandante:
O exército quer que o senhor saiba que não gostou da contratação do Dr. Nélson nem da renovação do contrato daquele outro comunista, o Dr. Arouca. O senhor pode ir.
Receando que naquele episódio houvesse a mão de Zeferino ou talvez de Camargo, Pinotti colocou o cargo à disposição do reitor. Aceitar a exoneração de Pinotti era coisa simples, pois nessa época a nomeação de diretores na Unicamp era prerrogativa do reitor, assim como contratar, exonerar ou renovar contratos. Sem dizer sim ou não, Zeferino disse-lhe para voltar na semana seguinte. Quando voltou, Pinotti ouviu que ficasse tranqüilo, pois “tudo estava resolvido”. Os comunistas foram mantidos e Zeferino, airosamente, saía-se uma vez mais como “protetor da esquerda”.
Na verdade, os marxistas da Unicamp sabiam que suas boas relações com Zeferino dependiam do grau de sobriedade política que mantivessem. Desde que não saíssem por aí dando declarações imprudentes ou não se valessem de sua “superioridade hierárquica e cultural para doutrinação de seus jovens discípulos”, ele lhes garantiria o essencial: laboratório, sala de trabalho, mesa, cadeira, livros, proteção civil e, o mais importante, a renovação de seus contratos. Em outros termos, isso valia também para os alunos. Se houvesse precedente, não deveria haver uma segunda vez.
Por isso, a segunda vez de Vasconcelos, o ex-diretor de centro acadêmico de Ciências Exatas, que fora preso, com 1.200 outros estudantes, durante o 30o. Congresso da UNE em Ibiúna, não teve a complacência do reitor. Zeferino não moveu um dedo quando agentes do Dops arrancaram Vasco da casa de seus pais numa tarde de 1971, levando-o para São Paulo e mantendo-o trancafiado por 47 dias ora no Dops, ora no DOI-Codi. Ali, Vasco não foi torturado, mas ouviu muita pancada e súplicas de piedade nas celas vizinhas.
Mas se Zeferino manteve-se impassível na segunda detenção de Vasco, mexeu logo os pauzinhos quando soube que um de seus mais fiéis escudeiros, ninguém menos que Rubens Murillo Marques, diretor do Instituto de Matemática, fora detido por dois homens da OBAN em sua casa na Chácara Flora, nas imediações de São Paulo. Era uma tarde de sábado e Rubens dormia quando os agentes bateram à sua porta e o meteram numa perua Veraneio em cujo interior já se encontravam os arquitetos Sérgio Ferro e Rodrigo Lefèvre, ambos ligados à Vanguarda Popular Revolucionária de Carlos Lamarca. A princípio Zeferino imaginou que a prisão se devia ao fato de Rubens ser casado, na época, com a demógrafa Elza Salvatori Berquó, militante comunista e um dos nomes da lista que varreu da Universidade de São Paulo 24 professores acusados de “subversão” em dezembro de 1969. O que Zeferino não sabia é que Rubens, a pedido do físico Ernest Hamburger, abrigara por uma semana em sua casa, um ano e meio antes, um casal em fuga dos agentes do Dops. Sobre esse casal Rubens pouco soube nem mesmo teve conhecimento de seus nomes exceto que a mulher estava grávida e com risco de abortar. Antes que a OBAN soubesse que seu novo prisioneiro era sobrinho de Danilo Darcy de Sá Cunha e Melo secretário de Segurança Pública do Estado, anticomunista convicto e irmão da mãe de Rubens , não lhe poupou tapas e uma seqüência de interrogatórios vexaminosos. O secretário, ao saber do envolvimento do sobrinho, ficou tão furioso com ele que mandou esticar a prisão para três semanas, em vez das duas que o Dops havia estipulado. Mas foi no término da primeira semana que Zeferino surgiu repentinamente na cela de Rubens, a expressão séria. Deu-lhe um abraço forte:
Fique tranqüilo que estou tomando minhas providências, disse.
Posto em liberdade, a primeira coisa que Rubens fez foi apresentar-se no gabinete do reitor em Campinas. Zeferino fez então um gesto que o comoveu: levantou-se, deu a volta à mesa e lhe ofereceu seu lugar:
Faz favor, senta aqui na minha cadeira. Conta como foi tudo.
Vim pedir minha demissão do cargo de diretor, disse Rubens. Vou ter de responder a um IPM e não quero constranger o senhor. Mas da presidência da Câmara Curricular eu não me demito, pois fui eleito e tenho mandato.
Zeferino aceitou a demissão e prometeu não substituí-lo na Câmara enquanto não fosse julgado. Também fazia questão de mantê-lo à frente de seu departamento, o de Estatística. Quanto à direção do Instituto de Matemática, ficaria sob o comando do diretor-associado, Ivan de Queiroz Barros. Mas passou-se um ano, o processo não andava e o julgamento não vinha. A tensão do impasse terminou por contaminar o departamento de Rubens. Fermentava ali uma crise semelhante à que já grassava nas ciências humanas. Preocupado, Zeferino foi procurar o promotor da Segunda Auditoria Militar de São Paulo, Nicolau D’Ambrósio*, em cuja gaveta estava o processo de Rubens. A defesa foi confiada ao advogado José Carlos Dias. Ao mesmo tempo, o reitor cuidou de arregimentar testemunhas insuspeitas, uma das quais foi o próprio comandante da Guarnição Militar de Campinas, coronel Rubens Resstel. O comandante praticamente pôs uma pedra no IPM contra Murillo Marques ao defendê-lo nestes termos: “Trata-se de um homem honrado”.** Dois meses depois, veio a absolvição.
* Seu filho Ubiratan D’Ambrósio, um dos introdutores da etnomatemática no Brasil, desempenharia relevante papel na Unicamp entre 1972 e 1986. Foi diretor por oito anos do Instituto de Matemática (IMECC), onde implantou um programa de pós-graduação cuja metodologia foi reproduzida por outras universidades brasileiras, na América Latina e na África. Também foi coordenador dos Institutos da Unicamp durante a gestão do reitor José Aristodemo Pinotti (1982-1986).
** Meses mais tarde, já absolvido, uma nota do jornal O Estado de S. Paulo dava conta de que Rubens seria novamente detido. Foi ao coronel Rubens Resstel que Zeferino recorreu outra vez. Tratava-se de uma informação equivocada, que o comandante logo deslindou e neutralizou.
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EM MAIO DE 1971, dez anos antes do aneurisma abdominal que o levaria à morte, Zeferino deu entrada no Hospital Irmãos Penteado, no centro de Campinas, com um quadro de febre e dor no peito. Foi atendido pelo próprio diretor da Medicina, o cardiologista Sílvio dos Santos Carvalhal. A primeira suspeita foi de infarto, mas a dosagem de enzimas no sangue não confirmou a hipótese. A Paulo Afonso Ribeiro Jorge, que assistiu Carvalhal durante os cinco dias que durou a internação, um Zeferino abalado suspirou e disse:
Pois é, Dr. Paulo, nesta vida nada é novo. Tudo se repete.
Deram-lhe alta no sexto dia, mas estava claro que ele precisava descansar. Ficou mais duas semanas longe da universidade. Ao voltar, assumiu uma atitude olímpica em relação à doença:
Estou absolutamente recuperado. Além disso sou eterno.
Duas notas curtas nos jornais da cidade diziam, com efeito, em “leve distúrbio” e “distúrbio de caráter geral”. Talvez preferisse não admitir sua fragilidade diante de seus críticos e cultores, pois havia-os em quantidade dentro e fora do campus. Menos de um mês antes, por ironia, ele havia proferido uma palestra num Rotary da cidade. Seu tema era, justamente, como driblar as patologias do coração. Sua receita: a ação.
Nada resiste à ação, disse aos rotarianos. E deu-se ainda ao trabalho de brincar com a platéia: Infelizmente, tenho certeza de que os conselhos que lhes dei serão usados por muito poucos dos que me ouviram.
No campus, o mistério que cercou sua internação fez prosperar o boato de que ele montara o quadro de um “falso infarto” para se permitir escapar por um momento à crise institucional e pensar no que fazer para contê-la. Essa versão, para ser crível, exigia que a crise já tivesse chegado ao ponto de afetar animicamente o reitor, o que não era o caso. A verdade é que ele tudo fez para esquivar-se à supervisão médica. No segundo dia da internação, deixou os médicos em pânico simplesmente desaparecendo do hospital. Da janela da enfermaria orientou o motorista Gabriel para que estacionasse o carro numa saída lateral do prédio, driblou as enfermeiras e conseguiu chegar à rua sem ser percebido.
Toca para a Unicamp, ordenou. Quero ver se as obras estão andando.
O Landau preto contornou os pavilhões em construção e, dentro dele, um Zeferino miudinho se encolhia num roupão por cima do pijama de listras para não ser visto. Naquele ano seriam inaugurados os pavilhões dos institutos de Química e Matemática, a Faculdade de Engenharia, o Ciclo Básico, o Centro de Tecnologia, o prédio da administração, a creche e o restaurante universitário. O Departamento de Música, embrião do futuro Instituto de Artes, acabara de ser criado. Prédios podiam não significar muito, segundo sua escala de prioridades, mas no interior deles trabalhavam os cérebros que, estes sim, contavam. As paredes do Instituto de Física, por exemplo, tinham testemunhado o desenvolvimento da primeira fibra óptica feita no país, e logo em seguida do primeiro microlaser para uso em telecomunicações. A produção científica se adensava e ganhava importância. A tal ponto que, ao devolver o bastão do governo paulista a Laudo Natel, em março de 1971, o governador Abreu Sodré, com quem Zeferino tivera dificuldade de entender-se no começo, considerou a Unicamp sua obra maior. Zeferino voltou revigorado ao hospital e tornou a deitar-se na cama.
O que ele não sabia é que, enquanto fazia planos que levariam dez anos para serem cumpridos, à sua volta punha-se em dúvida sua capacidade física de levar adiante o projeto da universidade. Não faltou quem o julgasse acabado. Mais que isso, começou-se a discutir por que é que, tendo vencido em fins de 1970 o prazo legal de seu mandato que, no caso dos reitores das universidades públicas brasileiras, é de quatro anos , ele permanecia aferrado ao cargo como se estivesse acima da lei. Mesmo Damy, seu amigo de longa data, começava a se sentir incomodado. Outros, como Pinotti, Parada e Castilho, discutiam o assunto com uma desenvoltura cada vez maior.
De volta à reitoria, lá estava João Manuel esperando-o. não era fácil dizer a um quase infartado o que tinha a contar, mas coube a João de Deus, seu pai, convencê-lo de que devia alertar o reitor. Ademarista histórico tanto quanto Zeferino, João de Deus ouvira de Esther Figueiredo Ferraz, à época secretária estadual de Educação mas ainda mandando no Conselho Estadual de Educação, que Zeferino talvez tivesse de deixar o cargo. Havia um parecer do CEE contra sua recondução. Zeferino não deu importância à notícia, pois havia recebido do governador Laudo Natel garantias de que seria mantido. Enquanto a Unicamp fosse considerada em implantação, ele seria seu reitor pro tempore. A lei 5.540, que tratava da reforma universitária, permitia isso. Ao mesmo tempo que determinava que a rotatividade dos mandatários devia ocorrer de quatro em quatro anos, excluía dessa regra os dirigentes universitários cujas instituições estivessem em processo de implantação. Que o CEE emitisse seus pareceres, pois. Não levariam a lugar algum.
Mesmo quando soube, uma semana mais tarde, que a mesma Esther havia sido procurada por uma delegação da Unicamp para discutir o assunto à luz da lei e à sombra do quase-infarto, Zeferino continuou cético:
Não acredito nisso.
João Manuel foi enfático:
Vim lhe prevenir. Sua cabeça está a prêmio.
Você é um mentiroso, gritou Zeferino dando um murro na mesa.
Pois apure, respondeu João.
A dificuldade de Zeferino em acreditar no alerta de João Manuel tinha a ver com a confiança que depositava em Damy. Freqüentavam-se, as famílias de ambos costumavam passar o Natal juntas, as respectivas esposas eram amigas. E Damy, para todos os efeitos, era considerado seu sucessor natural na Unicamp.
Talvez esteja com pressa, pilheriou João.
Zeferino, por precaução, colocou Camargo nos calcanhares do grupo. E descobriu o que não queria. Havia reuniões nas residências de Parada, de Pinotti e do diretor do Hospital das Clínicas, Gustavo Adolfo de Souza Murgel. Nelson Parada, pelo vão das persianas de sua sala, na rua Emílio Ribas, viu passar o carro de Camargo em marcha lenta, não uma, mas várias vezes, tentando surpreendê-los à saída. Homem calejado nesses expedientes, o ex-delegado do Dops não teve muita dificuldade para descobrir que além de Parada e de sua mulher Maria Inês, lá dentro se encontravam Damy, Pinotti, Castilho, Murgel e às vezes o médico pediatra José Martins Filho.
Zeferino ficou possesso. Mandou Camargo avisar o grupo:
Diga a eles que se querem me derrubar, que passem a rasteira completa. Se me deixam levantar, não fica ninguém de pé.
Camargo tinha boas razões para retaliar ao menos um deles, pois ainda era recente um episódio que o deixara melindrado: a recusa de Castilho em admitir no quadro docente do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas uma professora de suas relações trazida da Universidade de Brasília com o beneplácito de Zeferino. A professora acabou encontrando um lugar na Faculdade de Educação, onde reinava o ex-padre Marconi Freire Montezuma, antigo diretor do Colégio de Aplicação da UnB. Mas, até que a situação se acomodasse, o episódio serviu para que Castilho dissesse um sonoro não ao reitor. Mandou dizer que a candidata não apresentava qualificações suficientes para ser incluída no quadro docente do instituto. Era a deixa que Zeferino precisava. A partir dali, passaria da defesa ao ataque usando armas de natureza acadêmica. Começou por cobrar-lhe a tese que, segundo Zeferino, havia sido prometida para quatro anos antes. O filósofo defendeu-se com uma minuciosa súmula de atividades da qual constavam três obras em preparo, entre as quais a referida tese que trazia por título A via redutiva da pergunta-recorrente que parte da Lebenswelt, uma análise da fenomenologia do filósofo alemão Edmund Husserl. Castilho já havia solicitado ao Conselho que constituísse uma comissão para que defendesse a tese em nível de livre-docência. Mas Zeferino, cáustico, resolveu pôr em dúvida a própria existência da tese: ironizava o fato de que, num ofício, Castilho informasse que, “em caráter reservado”, havia mostrado seu manuscrito ao presidente da Comissão de Ensino (Brieger) como prova de que a tese realmente existia. No documento dirigido a essa comissão, em janeiro de 1972, Zeferino jogou duro:
Sem me referir à tese reservada, coisa que jamais se viu em universidade, a não ser quando se trata de assunto de segurança nacional (não parece ser o caso), devo reafirmar o que todos já sabem, isto é, que há quatro anos e seis meses, desde quando foi aprovado o primeiro contrato do Prof. Castilho, prometeu-me ele a tese de doutoramento para poucos meses.
Com golpes rudes começou o trabalho de desmontagem do novo inimigo:
Decorridos quatro anos de pedidos diretos e através de amigos, sem qualquer resultado, fui obrigado a dar-lhe um prazo fatal (vencia-se em 25/05/71). Terminado esse prazo, sem qualquer resultado, procuraram-me os Profs. Michel Debrun e João Paulo Magalhães solicitando mais dois meses de prazo e licença para que o Prof. Castilho se ausentasse da Unicamp para escrever a tese. Tudo foi concedido mas a tese, segundo diz, somente ficou pronta em dezembro, isto é, seis meses depois.
Numa época em que raros docentes da Unicamp ostentavam o título de doutor, inclusive seu braço direito, o coordenador-geral Paulo Gomes Romeo, que embora tratado com honras de mandarim possuía apenas o bacharelado em medicina, Zeferino, implacável, concluía:
Queira Deus que a tese do Prof. Castilho seja um trabalho excepcional e que lhe dê largo renome. O Reitor porém pergunta-se, angustiado, o que sucederia à Unicamp se cada docente em RDIDP [regime de dedicação integral à docência e à pesquisa] viesse a exigir tratamento igual e levasse tantos anos sempre que devesse produzir um trabalho original.
No entanto, a tese de Castilho estava realmente quase pronta e ele só esperava a formação da banca para defendê-la. O “quase” ficou por conta de um incidente havido durante a encadernação dos originais. Cauteloso, o filósofo mandara empapelar de uma ponta a outra as vidraças da gráfica das Ciências Humanas. O objetivo era preservar o ineditismo da obra do olho rombudo de possíveis espiões. Mesmo assim, no dia seguinte, Fausto anunciou que alguns exemplares haviam desaparecido. Deu o alarme pelos corredores. Nada se apurou, entretanto, e o episódio serviu para despertar o humor negro de Camargo, que atribuiu o “roubo” ao próprio autor. Zeferino deu curso à pilhéria dizendo tratar-se de “um autor inédito”, o que tornava o desaparecimento da tese “um fato compreensível”.
Nesse ambiente inóspito, estava escrito que a husserliana tese jamais seria defendida na Unicamp. Ferido em seus brios, Zeferino estava decidido a livrar-se de Castilho como fizera dois anos antes com o general Valverde. Começaria por desalojá-lo da direção das Ciências Humanas. Já não se tratava de fazê-lo “cair para cima”, como fora seu plano anterior, mas de devolvê-lo à condição de professor de filosofia. Em seguida daria o golpe final, obstando a renovação de seu contrato. Mandou chamar Figueiredo, o “decano” dos jovens economistas:
Quero que assuma o cargo.
Figueiredo aceitou, mas com uma condição: que Zeferino buscasse um nome de consenso entre o pessoal das humanidades para, o mais rápido possível, rendê-lo na direção. No dia seguinte o Diário Oficial do Estado estampou a portaria do reitor exonerando um e nomeando outro. Castilho, que sequer foi avisado da troca, chegou para trabalhar e encontrou Figueiredo instalado em sua cadeira. (E.G.)
Continua na próxima edição.