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Projeto sobre sistemas dinâmicos de controle desenvolvido
no Imecc é referência internacional

A ‘arte’ da matemática, do
abstrato
ao concreto

CARMO GALLO NETTO

Da esq. para a dir., Paulo Ruffino, Marco Antônio Teixeira, Maurício Lima, Luci Any Roberto, Luiz Antônio San Martin e Caio Colletti Negreiros: 60 artigos em periódicos de circulação internacional (Fotos: Antoninho Perri)Um grupo de pesquisadores do Departamento de Matemática do Instituto de Matemática e Ciência da Computação (Imecc) da Unicamp vem trabalhando em projeto temático de alcance internacional. Financiados pela Fapesp, os cientistas desenvolvem equações diferenciais que estudam sistemas dinâmicos de controle, assim chamados porque sofrem alterações ao longo do tempo. Na essência, trata-se de um estudo teórico e abstrato, mas que remete à resolução de questões práticas.

Uma das perguntas mais recorrentes que os pesquisadores dessa área ouvem é para que servem os estudos. Não passa pela cabeça da maioria dos leigos que as equações diferenciais permitem, entre outras coisas, modelar as órbitas dos planetas, antever a trajetória de astros e a ocorrência de eclipses, estabelecer a melhor rota para os satélites artificiais, criar modelos para a previsão do tempo, monitorar o comportamento das bolsas de valores e possibilitar que um veículo se movimente sem condutor.

Pesquisas já renderam 10 mestrados e 15 doutorados

Mas, por paradoxal que possa parecer, os pesquisadores envolvidos nos estudos matemáticos que abrem todas essas possibilidades não estão diretamente centrados nelas e sim em desenvolver modelos teóricos. Por sua sofisticação e amplitude, eles permitem atender necessidades reais quando necessário.

Pregão na Bovespa: segundo o professor Catuogno, a volatilidade dos mercados pode ser determinada por uma equação que considera probabilidade e comportamentos aleatórios Pode-se dizer que os pesquisadores até, circunstancialmente, dedicam-se a demandas práticas e certamente o fazem. Entretanto, suas preocupações maiores estão voltadas à elaboração teórica porque sabem que ela pode contribuir para a resolução de problemas reais, seja mais próxima ou remotamente.

Campo teórico – Muitos desses sofisticados estudos se iniciaram com vistas ao atendimento de situações práticas, mas depois as abstraíram e passaram a se desenvolver no campo teórico, como gostam de enfatizar os pesquisadores envolvidos. Eles lembram, também, que estudos teóricos, desenvolvidos e desvinculados de quaisquer problemas práticos, permitiram a resolução de problemas concretos.

Estas considerações emergem no escopo dos objetivos dos professores Luiz Antonio Barrera San Martin, coordenador do projeto temático, e Marco Antonio Teixeira, que lideram as discussões referentes ao trabalho de pesquisa. Os cientistas propõem a busca de novos problemas matemáticos, novas linhas de pesquisa e organização de encontros e eventos. Integraram também o grupo os pesquisadores Paulo Ruffino e Pedro Catuogno. A equipe é constituída ainda por outros pesquisadores do Imecc e da Unesp de São José do Rio Preto.

Prestes a completar quatro anos, o projeto temático encabeçado pelos professores San Martin e Teixeira, especialistas respectivamente em sistemas de controle e em sistemas dinâmicos, foi sugerido à Fapesp depois de congresso internacional realizado na Unicamp, organizado por componentes do grupo. Participaram do evento os mais renomados matemáticos dessas áreas no mundo. Nessa linha de trabalho, se destacam seis centros estrangeiros –Universidade de Dijon (França), Universidade Autônoma de Barcelona (Espanha), Universidade de Augsburg (Alemanha), Iowa Satate University (EUA), University of Bristol e University of Warwick (Inglaterra) - além do grupo brasileiro.

No entender dos pesquisadores, o projeto desenvolvido atingiu plenamente os objetivos a que se propunha, o que se reflete nos cerca de 60 artigos em periódicos de circulação internacional de primeira qualidade (com classificação “A” no Qualis/Capes), muitos em co-autoria com eminentes pesquisadores internacionais, e no número de mestrados (10) e doutorados (15) dele resultantes. San Martin admite que a equiparação do grupo aos dos paises centrais se deve ao fato de que a pesquisa matemática não exige muitos recursos. “Ela depende fundamentalmente de cérebros, o que facilita o seu desenvolvimento em países periféricos”, observa.

Na ponta – O cientista reconhece que a pesquisa em matemática no Brasil é recente, tem aproximadamente 50 anos, mas já foi promovida ao grupo IV (o V é o mais alto) no ranking internacional, junto com Bélgica, Áustria e outros. “Gostaria de salientar que em nosso grupo se desenvolve a teoria de semigrupos de Lie, reconhecida como fundamental na pesquisa atual nos sistemas dinâmicos e na teoria de controle. Neste particular, estamos na ponta aqui no Brasil, o que de fato não é comum em outras áreas de ciência e tecnologia”.

Em relação ao projeto, o professor Teixeira considera que “fizemos um arcabouço do que pretendíamos desenvolver. No processo de estudo, as coisas se bifurcaram e surgiram novas questões, além das inicialmente propostas. Conseguimos a resolução de grande parte delas e outras ficaram pelo caminho, substituídas pelas novas demandas. Os resultados nos entusiasmam e nos credenciam a pedir renovação do contrato com a Fapesp por mais quatro anos”.

Teixeira explica que a grande maioria dos fenômenos que sofrem modificações com o tempo podem ser modelados por sistemas dinâmicos, particularmente por equações diferenciais. Seu grupo se preocupa principalmente com os aspectos geométricos dessas modelações, pois para grande parte das equações não se conseguem resoluções explícitas. “Então, se estuda o comportamento das soluções sem ter os valores numéricos”.

Luiz Antônio Barrera San Martin acrescenta: “O que se procurava, nos primórdios, era a resolução dessas equações. Com o tempo, descobriu-se que essa não era a melhor abordagem para as equações diferenciais. Foram desenvolvidas então soluções mais qualitativas. Dessa mudança de perspectiva é que surgiu a teoria moderna de sistemas dinâmicos. De alguma coisa que se modifica no tempo, procura-se uma solução geométrica, qualitativa”.

Paulo Ruffino diz que problemas classicamente resolvidos, como a previsão das órbitas dos planetas, servem de embasamento para o trabalho que realizam: “Hoje, estamos preocupados com outros tipos de questões. Embora nossos estudos sejam totalmente abstratos, tiveram origem em problemas práticos. Nós os resolvemos e, depois, nos desvinculamos deles, rumo a um aprofundamento teórico. Não constitui objetivo do nosso estudo vinculá-lo à resolução de problemas reais, embora o que fazemos possa encontrar situações de aplicação imediata, o que nem sempre ocorre, porque essa não é nossa preocupação”.

Teixeira lembra, como exemplo, que o coordenador de um grupo espanhol com quem trabalha em cooperação ganhou uma concorrência para determinar a órbita mais adequada para o satélite utilizado pelo Mercado Comum Europeu: “Esse é um problema que nos diz respeito”. Ele lembra ainda que um grupo francês, com o qual os cientistas trabalham em cooperação, desenvolveu um sistema que permite manter o foco de uma máquina fotográfica em um satélite assestado sobre uma região específica da Lua ou de um planeta: “Esse tipo de problema está relacionado aos sistemas de controles dinâmicos”.

Deleite – Ruffino esclarece que os estudos abstratos que desenvolvem têm interesse matemático em si mesmo. “Muito do trabalho dos matemáticos é contemplativo e resulta do deleite com os resultados que vão sendo alcançados. Os pesquisadores saboreiam a beleza dos encaminhamentos das idéias, do percorrer de uma determinada trajetória, a elegância das soluções, a exemplo do que ocorre com quem escreve poesias ou textos, ou se compraz com a criação pictórica. É uma beleza comparada à beleza das artes”.

Segundo o pesquisador, a partir de situações simples, vai se sofisticando o grau de abstração, atingindo-se um estágio em que é difícil dizer qual a aplicação prática. “Esperamos que os resultados levem a aplicações cada vez maiores no âmbito da física, da química, da biologia, das ciências e das tecnologias em geral”.

San Martin acrescenta que, se alguns estudos começam com a preocupação de resolver problemas, não se pode deixar de constatar que depois a matemática adquire vida própria, pois essa é sua natureza: “Ela se auto-alimenta e segue um caminho abstrato. Em algum futuro esses conhecimentos podem resolver situações concretas novamente. Essa é a nossa esperança”.

O que há cem anos era matemática pura hoje é matemática aplicada, lembra o professor Teixeira. Ele esclarece que o objetivo da matemática pura é, eliminando concretudes, avançar nas abstrações para chegar a um arcabouço que possa ser usado no futuro: “O grande poder da matemática é o poder de abstração e não o de cálculo”. A propósito, San Martin lembra que a Teoria de Grupos surgiu no século XIX da necessidade de resolver equações polinomiais e cresceu como teoria abstrata. “Mais tarde, com o surgimento da mecânica quântica, a Teoria de Grupos serviu-lhe como matemática básica”.

Para Pedro Catuogno, os estudos que realizam remetem a algumas perguntas básicas: como os fenômenos dinâmicos se desenvolvem no tempo? Quais os fatos intervenientes que importam? Em certas circunstâncias, as conclusões levam a um tempo futuro, como o choque de planetas, mas há situações que dizem respeito ao dia-a-dia, como no caso da bolsa de valores.

Segundo Catuogno, a bolsa de valores constitui um sistema dinâmico. “A sua conduta errática, que leva as pessoas a falar em volatilidade de mercados e taxa de crescimento, pode ser determinada por uma equação estocática, assim chamada porque considera probabilidades e comportamentos aleatórios”.

Para isso, continua o pesquisador, essas equações precisam ser associadas a parâmetros que permitem a inserção de ruídos que podem afetar a dinâmica de comportamento do processo. “Ao ‘empacotar’ todos os fatores aleatórios que constituem ruído, pode-se tornar a resolução da equação mais realística e utilizável pelas instituições financeiras, o que ocorre efetivamente nos bancos. O mesmo se faz na modelagem matemática que permite a previsão do tempo”.

Para o professor Teixeira não deve ser esquecida ainda a contribuição teórica do grupo. Ele lembra que há alguns anos o Conselho Brasileiro de Matemática apontou quatro linhas de pesquisas essenciais em que o Brasil devia investir. Uma delas era a Teoria de Lie (devida a Sophus Lie, matemático norueguês do século XIX). O grupo é o único no Brasil que se dedica a essa teoria, fundamental para o desenvolvimento de sistemas dinâmicos.

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