CARMO GALLO NETTO
As cardiopatias podem se situar em vários graus. As mais graves exigem transplante e muitas outras se resolvem com a recuperação do miocárdio, pois afetam principalmente o ventrículo esquerdo. Nestas duas situações, as bombas de sangue para assistência cardíaca podem ter papel fundamental. No primeiro caso, por manterem vivo o paciente enquanto ele aguarda o transplante no Brasil, o tempo de espera média é de seis meses. No segundo, porque, quando instaladas no ventrículo esquerdo, podem contribuir para a recuperação do músculo cardíaco.
Estas duas principais aplicações, chamadas pelos especialistas de “ponte para o transplante” e “ponte para a recuperação”, motivaram o engenheiro mecânico Eduardo Guy Perpétuo Bock, orientado pelo professor Antonio Celso Fonseca de Arruda, do Departamento de Engenharia de Materiais da Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp, a desenvolver uma bomba centrífuga implantável de concepção mais simples, de duração mais prolongada e de custo significativamente inferior às convencionais importadas. A pesquisa fundamentou sua dissertação de mestrado.
O projeto foi desenvolvido em cooperação com o Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia de São Paulo, com a co-orientação do professor Aron José Pazin de Andrade, e do Baylor College of Medicine de Houston EUA , onde contou com a colaboração do professor Yukihiko Nosé, um dos pioneiros no desenvolvimento de equipamentos mecânicos para fins cardíacos. O trabalho contou com verbas da Capes, CNPq, Fapesp e Funcamp.
Ventrículo artificial Bock explica que para atender as cardiopatias, existem três tipos de bombas: as pulsáteis, as axiais e as centrífugas. Como o Instituto Dante Pazzanese já desenvolve uma bomba pulsátil e o Instituto do Coração, a axial, surgiu a idéia de desenvolver uma bomba centrífuga, denominada mais apropriadamente de dispositivo de assistência ventricular. Ela não substitui o órgão natural, mas, ligada ao ventrículo esquerdo, trabalha paralelamente a ele como um ventrículo artificial, auxiliando o bombeamento do sangue para a aorta, aliviando o trabalho do miocárdio.
Embora os três tipos tenham suas aplicações, as bombas centrífugas que compõem a terceira geração , constituem uma tendência mundial. Bock esclarece os conceitos que orientaram o trabalho: “Desenvolvemos um modelo mais simples que os existentes, e utilizamos materiais mais resistentes para que o equipamento tivesse uma maior durabilidade. Ademais, almejamos dominar uma tecnologia desenvolvida apenas em poucos países centrais e a um custo muito alto. Isso acaba inviabilizando sua utilização no Brasil”.
Maior durabilidade Para Bock, o que distingue a sua proposta das bombas americanas, australianas e japonesas é o fato de a equipe ter optado por um projeto simplificado. “Utilizamos, nos mancais, materiais de alta resistência, como alumina e polietileno. Em vez de usarmos rolamentos, suscetíveis a grandes desgastes, ou suspensão eletromagnética, como as do trem-bala japonês, que torna o dispositivo muito caro, optamos por um sistema polimérico-cerâmico para apoio do rotor. Esta é uma das grandes inovações”. Com isso, explica o pesquisador, a durabilidade do dispositivo chega a mais de cinco anos, ao passo que as bombas que trabalham no sistema mecânico convencional não duram mais de dois anos.
Segundo Bock, o projeto não se baseou em cópia de uma tecnologia, mas concentrou-se no desenvolvimento de um dispositivo mais adequado e acessível e que chegasse à mesma qualidade dos existentes, além de não provocar a hemólise, que é a destruição das células vermelhas do sangue, o que exigiu um desenho adequado do rotor.
Embora constate que algumas das bombas disponíveis no mercado internacional custem mais de 300 mil dólares, o pesquisador considera que, mais que diminuir o custo, um projeto nacional traz embutido o desenvolvimento de uma infra-estrutura que permitirá a utilização do dispositivo. “Hoje, não há possibilidade de importação dessas bombas porque sua implantação exigiria uma estrutura de apoio ao paciente que não existe no país. Ademais, sua instalação seria muito cara e complexa. O desenvolvimento de uma tecnologia nacional leva, em decorrência e naturalmente, à montagem da assistência ventricular necessária ao atendimento do paciente”.
Testes foram feitos nos EUA
A seleção dos materiais mais adequados para os mancais, o estudo do desenho mais indicado para o rotor e a construção do protótipo foram realizados no Brasil. Entretanto, restavam os testes para aceitação desse tipo de dispositivo. Eles permitem verificar a ocorrência da hemólise e são realizados in vitro, segundo normas técnicas vigentes. Incentivado pelo professor Celso Arruda, Bock foi realizá-los no Baylor College of Medicine, em Houston, onde ficou por sete meses. Considerou a experiência “ímpar”, principalmente pela convivência com o professor Yukihiko Nosé, que lhe sugeriu e custeou a construção de outro protótipo.
Os testes foram realizados com sangue humano. Com base nos resultados, Bock considera que a bomba centrifuga implantável projetada e desenvolvida apresentou excelente desempenho nos testes in vitro, revelando-se uma possibilidade promissora para utilização em pacientes cardíacos com indicação para assistência ventricular. “O dispositivo revelou-se barato, confiável e mostrou em relação à hemólise resultados tão bons ou melhores que outros que não apresentam solução interna tão simples”, avalia o pesquisador.
Nos testes de bancada, os protótipos foram construídos em acrílico para facilitar a observação. Concluído o trabalho de mestrado, Eduardo Bock pretende iniciar, agora no doutorado, a confecção de uma nova bomba, sem alterações dimensionais, mas em material biocompatível, como o titânio.
Os testes futuros com essa nova bomba deverão ser realizados em animais e servirão para ao aperfeiçoamento dos diversos subsistemas que devem compor um dispositivo implantável em seres humanos. Vencidas essas etapas, o dispositivo poderá ser implantado em pacientes do Instituto Dante Pazzanese, o que permitirá uma avaliação clínica minuciosa.
Bock enfatiza que os resultados obtidos devem ser creditados a uma equipe integrada por professores e pesquisadores da Unicamp e de instituições nas quais trabalhou em cooperação. Ele faz questão de frisar que o Brasil, apesar de um país em desenvolvimento, é líder em tecnologia cardiológica e possui instituições que estão em pé de igualdade com as de países de primeiro mundo. Bock ressalta também o alcance social do trabalho realizado pelas instituições envolvidas: “Muito paciente morre na fila do transplante ou vive atrelado a uma cama por não ter à disposição um equipamento adequado. Além disso, esse tipo de bomba centrífuga que possibilita a recuperação do miocárdio, diminui cada vez mais a necessidade de transplante”.
Como funciona
Implantada na cavidade torácica, uma cânula instalada no ventrículo esquerdo é ligada à entrada da bomba. Na saída, outra cânula conduz o sangue bombeado para a aorta. A bomba trabalha paralelamente com o coração, diminuindo a pressão que o ventrículo esquerdo teria que vencer para levar o sangue para a aorta. A diminuição do trabalho realizado pelo miocárdio leva em muitas situações à recuperação do músculo cardíaco. As ilustrações mostram a bomba centrifuga implantável. O dispositivo não é maior que uma bola de tênis, mas de formato cônico.