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Equipe da Unicamp recupera e organiza
documentação histórica de duas antigas escolas de Campinas

Nos bancos da memória

LUIZ SUGIMOTO

A professora Maria do Carmo Martins, coordenadora das pesquisas: projeto começou a ser implantado em 2003 (Foto: Antoninho Perri)As histórias de duas das mais antigas escolas de Campinas, o Colégio Progresso Campineiro (fundado em 1900) e a Escola Estadual Orosimbo Maia (1923), estão sendo reconstruídas a partir de documentos depositados na sacristia da capela de uma delas – entre panelas, quadros e indumentárias de padre – e, na segunda, sob a poeira e a fuligem do porão – cujas entradas de ar estão ao nível da calçada de uma congestionada avenida da cidade.

Escolas são derivadas de projeto republicano

“Estamos organizando não apenas a documentação relativa à administração das escolas – matrículas de estudantes, livros de ponto de professores, documentos de práticas pedagógicas –, mas também os rebotalhos esquecidos debaixo de escadas e nos porões. Encontramos, por exemplo, registros fotográficos riquíssimos de ambas as escolas”, afirma a professora Maria do Carmo Martins, coordenadora do Centro de Memória da Educação (CME), da Faculdade de Educação (FE) da Unicamp.

Maria do Carmo coordena a equipe multidisciplinar do projeto “Memórias da educação escolar – Cultura material e organização de arquivos históricos”, financiado pelo CNPq, vinculado ao CME, órgão de referenciação documental e apoio à pesquisa relativas a cultura patrimonial da educação brasileira: “Começamos a plantar o projeto em 2003, ainda sem o financiamento, e nos dois anos seguintes cuidamos dos arquivos históricos, que requerem maiores cuidados como higienização e acondicionamento. Mas espero que ele tenha muitos desdobramentos”.

Sala de pianos mudos (sem som, apenas para noções de teclado) no Colégio Progresso, em imagem sem data: escola nasceu laica (Foto: Antoninho Perri)Segundo a professora, somente no Colégio Progresso, já foram organizados aproximadamente 100 mil documentos abarcando seus 100 anos de existência, de 1900 a 2000. Tanto lá, como na Escola Orosimbo Maia, os arquivos estão divididos por grupos de documentos: administração, práticas pedagógicas, recursos pedagógicos, iconografia e documentos bibliográficos.

“Este projeto tem a função óbvia de organizar fontes de pesquisa para a história da educação, mas trabalhamos ao mesmo tempo com a concepção de memória escolar. A idéia é que o arquivo sirva como núcleo de movimentação cultural na escola. No Progresso, a documentação já permitiu a produção de um filme, O Colégio, estando programada uma exposição de pinturas, realizadas a partir das fotografias do arquivo. Na Escola Orosimbo Maia, alunos do curso de formação de professores da FE começam a utilizar o arquivo no trabalho pedagógico”, movimentando seus estágios, informa Maria do Carmo.

Escola de meninas – A aluna de pedagogia Priscila Corrêa produziu, dentro do projeto, um trabalho de iniciação científica que influiu na sua contratação para trabalhar no Memorial do Colégio Progresso Campineiro. Ela conta que esta escola – a única para meninas em funcionamento na cidade – foi fundada por cinco membros ilustres da elite campineira, preocupados com a formação das filhas, sobrinhas e afilhadas.

Foto sem data mostra grupo de alunos da Escola Estadual Orosimbo Maia: colégio funcionava como "sede" da rede  (Foto: Antoninho Perri)“A primeira diretora, Ana von Maleszewska, uma austríaca formada na França e na Alemanha, permaneceu somente até 1902, porque as alunas teriam reclamado de sua rigidez. Para o seu lugar foi chamada dona Emília de Paiva Meira, que viria a ser a figura mais expressiva na trajetória da escola, até a sua morte em 1937”, recorda Priscila.

Instalado inicialmente em uma chácara, o Progresso passou por três prédios de ruas centrais, até ganhar, em 1917, a sede que foi projetada para ser uma escola feminina, inclusive com a capela para as orações diárias das alunas. “Por decisão dos fundadores, dona Emília assumiu o colégio integralmente a partir de 1913 e, em 1928, criou a associação mantenedora, a Sociedade Brasileira de Educação e Instrução de Meninas, da qual só fariam parte mulheres solteiras, católicas e de moral ilibada”, informa Priscila Corrêa.

Este caráter religioso, que foi assumindo dimensão significativa em uma escola que nasceu laica e com discurso claramente de oposição às escolas religiosas da região, é um dos aspectos destacados pela professora Heloísa Helena Pimenta Rocha, do comitê gestor do Centro de Memória da Educação. “Quando organizamos a documentação das práticas pedagógicas, observamos a presença muito forte da religião nas práticas escolares, expressa em santinhos e em fotografias das festas religiosas e de primeira comunhão”.

Maria do Carmo Martins ressalta, por outro lado, que o colégio trouxe a marca da inovação pedagógica, com aulas de educação física para meninas já naquela época e uma organização curricular de base científica, que incluía laboratórios de ciências. “Queremos saber de que maneira a escola impulsionou um debate pedagógico na cidade e quais as áreas de influência que exerceu”.

A coordenadora acrescenta que o Progresso teve presença intensa nas atividades culturais de Campinas, mantendo vínculos estreitos com a Prefeitura, a Cúria e entidades sociais. “A escola é uma referência muito importante para nós, historiadores da educação, inclusive pelos mais de 100 anos de atividade, o que é raro nos modelos escolares brasileiros”.

Entre os ilustres fundadores do Progresso estava Orosimbo Maia, que quis então presentear a filha com uma boa formação. Fazendeiro, advogado, prefeito de Campinas por três ocasiões, ele era o presidente da Câmara Municipal quando a casa doou ao governo estadual um terreno para a construção do quarto grupo escolar na cidade.

A doação do terreno, localizado próximo à estação da Mogiana, ocorreu em 1910 e a construção do edifício escolar começou em 1917, mesmo ano de entrega do prédio definitivo do Progresso. A escola foi concluída em 1923 e, em 1939, ganhou o nome de Orosimbo Maia. Contando, logo em seu início, com 24 classes, o então 4o Grupo Escolar era o maior estabelecimento de ensino primário de Campinas.

Esta rede de conexões é que levou a equipe do Centro de Memória da Educação a se interessar pelos documentos no porão da segunda escola nascida no entorno da antiga Estação Ferroviária, atendendo a um grupo de crianças, filhas de funcionários liberais das classes média e média baixa – ferroviários, negociantes, operários, alfaiates, marceneiros, carpinteiros – residentes no centro da cidade ou em bairros populares como o Jardim Chapadão, Botafogo e Vila Industrial.

“Os documentos mostram um rápido crescimento da escola, que ganhou mais de 200 alunos em cinco anos. É um número muito alto para a época”, diz Maria do Carmo. Ela afirma que a doação do terreno pela Câmara também chama a atenção, já que a construção seria de responsabilidade do Estado e a escola pertenceria à rede estadual.

Sobre isso, a professora Heloísa Rocha explica que a cidade incentivava, assim, o cumprimento de um projeto do final do século 19, prevendo o investimento pelo Estado na criação de escolas primárias, com edifícios apropriados e classes distintas por idade e por grau de assimilação do conhecimento. “Esta experiência que hoje é tão corriqueira – a separação por séries – naquele momento representava uma inovação pedagógica. Organizavam-se os chamados grupos escolares”.

Heloísa observa que tanto o Colégio Progresso, criado para a elite, como a Escola Orosimbo Maia, apresentavam um projeto mais laico de educação, com conteúdos voltados não apenas para a aquisição da leitura, da escrita e do cálculo, mas também para os fundamentos da ciência e para uma dimensão moral. “É um projeto que nasce na República, com o objetivo de formar o cidadão republicano”.

Escolas isoladas – Em relação ao cenário da época, a professora Maria do Carmo lembra que o Colégio Progresso surge num universo escolar bastante restrito, em meio a sete ou oito escolas concentradas na região central. Em 1900, havia basicamente escolas isoladas ou classes isoladas. Na época da criação da Escola Orosimbo Maia, já vingava uma pequena rede de escolas públicas, entre as quais o Culto à Ciência, a Escola Normal e o Grupo Escolar Francisco Glicério.

Curiosamente, a Orosimbo Maia guarda documentos de escolas anexas, como as da Fazenda Sete Quedas, da Escola Mista do Bonfim e da Vila Castelo Branco. “Elas começaram a se reportar à Orosimbo Maia como uma espécie de sede, em outra rede de conexões que buscamos desvelar. Ainda há muito a organizar sobre a memória da educação em todo o período abrangido”, estima a coordenadora.

O Centro de Memória da Educação vem contando com a ajuda do Arquivo Central da Unicamp (Siarq) para a organização dos dois fundos, o que permitirá ao público externo realizar uma busca na documentação das escolas através do portal da Universidade.

Além dos entrevistados, participam deste projeto: Rogério Xavier Neves, arquivista; Carla T. Bizarro e Bianca Caetano, bolsistas de iniciação científica; Rayane da Silva, bolsista-trabalho; Alan Victor Pimenta, historiador e fotográfo; e Rodrigo Bryan, arquiteto, os dois últimos do grupo Olho, da FE, cuja parceria na pesquisa tem favorecido os debates sobre memória.

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