Mais precisamente, o estudo de Rafael, que contou com a orientação da professora Teresa Atvars, concentrou-se nos denominados polímeros condutores, conhecidos ainda como polímeros eletrônicos. Trata-se de material descoberto em 1990 por dois pesquisadores norte-americanos e um japonês. Dez anos mais tarde, o trio ganharia o Nobel de Química por suas pesquisas. Formalmente, o material também é designado por diodo orgânico emissor de luz - Oled, na sigla em inglês. O objetivo do trabalho realizado por Rafael foi aumentar a eletroluminescência desse dispositivo. “Nós obtivemos isso por meio da mistura do polímero eletrônico com um co-polímero, ou seja, um polímero modificado. O resultado foi muito positivo. Conseguimos ampliar em quatro vezes a eficiência de luz e em duas vezes e meia a intensidade da corrente elétrica”, explica.
As razões desses ganhos, conforme o químico, estão relacionadas a vários fatores, entre eles a morfologia da mistura, que facilitou a fluidez das cargas elétricas nos diodos. Apesar de ser uma grande promessa, o Oled ainda está em fase de desenvolvimento, conforme ressalta Rafael. A despeito de algumas empresas já terem colocado produtos experimentais dotados dessa tecnologia no mercado, ela ainda carece de aprimoramento. A Sony, por exemplo, lançou recentemente uma TV de 11 polegadas com tela em Oled. O preço inicial foi fixado em US$ 2,5 mil. “Com o tempo, a tendência é que a tecnologia evolua e torne-se bem mais barata”, infere o pesquisador. De acordo com ele, um dos desafios a serem superados é a instabilidade do material. “Ainda existem problemas de oxidação e encapsulamento”, afirma. Atualmente, a previsão é que um equipamento baseado na tecnologia Oled dure cerca de 50 mil horas, o que equivale a dois, dois anos e meio de uso.
Todavia, assim que essas questões forem superadas, a tendência é que o Oled substitua o LCD e o plasma. Rafael esclarece que o primeiro apresenta inúmeras vantagens sobre os demais. “Ao contrário do que acontece com o cristal líquido, por exemplo, essa tecnologia inovadora não depende de luz de fundo. Dito de maneira simplificada, é como se ela tivesse ‘luz própria’. Isso implica em melhor resolução de imagens e em economia de energia elétrica. Além disso, os diodos eletrônicos podem ser aplicados sobre uma matriz fina e flexível, o que confere mais leveza e portabilidade a um determinado equipamento. A idéia é que futuramente uma pessoa possa tirar uma tela de Oled do bolso, desenrolá-la e conectá-la a um teclado ou celular. Isso fará com que ela fique ligada à internet e tenha o mundo ao alcance dos dedos”, exemplifica.
As aplicações da tecnologia, entretanto, não param por aí. De acordo com o autor da tese de doutorado, os polímeros condutores podem ser empregados em uma gama enorme de equipamentos. Um deles é a língua eletrônica, dispositivo que vem sendo desenvolvido pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Nesse caso, os polímeros eletrônicos atuam associados a outros sensores. Juntos, são capazes de identificar, por exemplo, se determinada amostra de café foi plantada no Brasil, se possui algum tipo de impureza e se o processo de torrefação foi prolongado. Na área médica, uma das possibilidades é usar os diodos eletrônicos para estabelecer a quantidade de luz necessária à recuperação de um bebê com icterícia, um dos tratamentos mais comuns para o problema. Atualmente, essa determinação é feita por meio de exame de sangue, portanto um processo invasivo. “O polímero eletrônico, ao ser exposto a uma radiação azul, tem a propriedade de mudar de cor. Devidamente adaptado, ele teria a capacidade de dosar a quantidade de luz a que a criança foi exposta. Dessa forma, os médicos poderiam saber se o tratamento precisa ser suspenso ou complementado”, detalha.
Burocracia fez projeto não vingar no Brasil
A despeito de ser altamente promissora, a tecnologia pode não trazer ganhos significativos ao Brasil, em razão de o país ter saído atrás nas pesquisas. “O Brasil teve uma boa oportunidade de entrar nesse jogo em há cerca de dois anos, quando a Universidade de Cambridge, onde foi descoberta a aplicação para os polímeros eletrônicos, cogitou instalar por aqui um centro de pesquisa e desenvolvimento. Por razões burocráticas, isso não aconteceu. Atualmente, o país está numa situação delicada, visto que outras nações avançaram nas investigações. Se não corrigirmos essa trajetória, a tendência é que nos tornemos meros consumidores dessa tecnologia”, afirma Rafael.
No limite, segundo o autor da tese, o Brasil corre o risco de repetir a desastrosa experiência da década de 70, quando não percebeu as possibilidades abertas pelas pesquisas em torno dos semicondutores. “Não é por outra razão que o país não dispõe até hoje de uma fábrica sequer de discos rígidos ou processadores”, analisa Rafael. Apesar desses problemas, os pesquisadores brasileiros têm tocado estudos importantes relacionados com a tecnologia Oled. Atualmente, um grupo formado por cerca de 70 pessoas, incluindo professores e estudantes de graduação e pós-graduação, está envolvido com o assunto. Eles integram o Instituto do Milênio dos Materiais Poliméricos, rede instituída pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MTC).
Na opinião de Rafael, embora sejam fundamentais para o país, os conhecimentos gerados pelos integrantes dessa rede correm o risco de passar por um processo de dispersão, visto que não podem ser aplicados diretamente no setor produtivo. “Como ainda não temos empresas que se dedicam à produção de equipamentos que utilizam esse tipo de tecnologia, a maior parte da mão-de-obra especializada acaba se fixando em outros setores, o que é prejudicial à continuidade das pesquisas. Penso que precisamos aproveitar melhor o conhecimento que estamos gerando”, insiste Rafael.