De acordo com ele, embora ainda esteja no começo, o projeto tem gerado resultados preliminares que permitem aos estudiosos conhecer melhor o comportamento das doenças em relação ao espaço. No caso da dengue, por exemplo, as pesquisas estão concentradas atualmente na região Sul de Campinas. Os cientistas conseguiram evidenciar que os casos graves da doença têm uma distribuição diferente dos considerados leves e moderados. Dito de forma simplificada, é como se estivesse ocorrendo naquela área duas epidemias distintas. Ricardo Cordeiro informa que os pesquisadores trabalham com duas hipóteses para explicar o fenômeno.
A primeira, que ele considera a mais provável, aponta que a região registrou outras epidemias de dengue no passado, o que torna as pessoas mais suscetíveis a casos graves na eventualidade de nova contaminação. “Ou seja, há evidências de que existem mais casos graves da doença em determinados pontos da região porque as pessoas suscetíveis a esses casos graves estão concentradas nesses locais”, esclarece. A segunda conjectura leva em conta a possibilidade de alguma variação do tipo de vírus, o que provocaria manifestações diferentes da enfermidade. “Entretanto, esses dados são preliminares e ainda precisam ser refinados para que tenhamos uma idéia precisa do que está acontecendo”, adverte o epidemiologista.
Em relação ao estudo sobre os casos de acidentes de trabalho em Piracicaba, Ricardo Cordeiro destaca que o fenômeno também interessa aos estudiosos da saúde pública. “Nós escolhemos a cidade porque temos uma considerável base de dados a respeito, que vem sendo formada desde o ano 2000. Isso tem facilitado muito o nosso trabalho. É importante que estudemos esses casos porque eles não têm qualquer relação com o comportamento das doenças transmissíveis. Estão mais relacionados com fatores ambientais, como locais de risco, característica do trânsito etc”. Segundo o médico epidemiologista, o projeto temático surgiu da necessidade de os especialistas aprimorarem um dos métodos mais importantes de se fazer estimativas sobre o risco de doenças, o chamado estudo caso-controle.
Ao incorporarem a dimensão espacial a esse método, os cientistas tendem a compreender melhor como as doenças se espalham dentro de um dado limite físico. Tal tarefa, assinala Ricardo Cordeiro, não tem nada de trivial. Ele lembra que as pessoas se distribuem de maneira distinta por uma cidade. Há bairros mais e menos populosos. “Nosso desafio é saber se um determinado local acumula mais casos de doença porque concentra mais pessoas ou se há algo diferente contribuindo para o fenômeno. Trata-se, portanto, de uma tarefa bastante complexa”. Para dar conta da empreitada, o projeto reuniu cinco pesquisadores principais, de diferentes áreas do conhecimento.
Além de Ricardo Cordeiro, estão envolvidos nas atividades um professor do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (Imecc) da Unicamp e outros três cientistas, sendo um da Universidade Federal do Paraná (UFPR), um da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e um de uma instituição da Inglaterra. “Além disso, contamos com a participação de 15 estudantes de iniciação científica e pós-graduação, que ajudam a oxigenar o projeto”, completa o docente da FCM. Essa equipe atua em diversas frentes simultaneamente. Parte vai a campo, por exemplo, para coletar dados da população. Com base nos registros das unidades básicas de saúde, os pesquisadores visitam os domicílios ocupados por pessoas que têm ou tiveram dengue e aplicam um questionário. Adicionalmente, conferem outros aspectos, como a existência de criadouros do Aedes aegypti, o mosquito transmissor da doença.
De forma complementar, os pesquisadores sorteiam residências entre as que não tiveram casos de dengue para realizar a mesma coleta. “Por meio da comparação entre as duas situações, nós temos como evidenciar as diferenças entre a população doente e a amostra que representa a população como um todo”, explica Ricardo Cordeiro. Mas o trabalho dos cientistas não pára por aí. Eles também estão desenvolvendo ferramentas computacionais para automatizar as análises. A idéia é gerar um sistema que, alimentado com a massa de dados que está sendo gerada, seja capaz de realizar simulações sobre o comportamento futuro da doença.
Dito de outro modo, os cientistas querem antecipar em um ou mais meses como uma determinada enfermidade se comportará tanto no espaço quanto no tempo, o que permitiria intervenções de caráter preventivo. “Se não pudermos evitar uma epidemia, queremos pelo menos adotar medidas que ajudem a minimizar seus efeitos”, afirma Ricardo Cordeiro. Outro aspecto envolvido do projeto temático, prossegue o médico epidemiologista, diz respeito ao desenvolvimento de um método que possibilite a análise das doenças a partir de uma classificação denominada de multinomial. Tradicionalmente, explana o docente da FCM, o estudo caso-controle divide as pessoas em apenas dois tipos: doentes e não-doentes.
O que se quer, a partir de agora, é ampliar essa análise e estabelecer outros padrões. “Existem diferentes tipos de pessoas dentro de uma mesma população. As doentes, por exemplo, apresentam quadros diversos de uma mesma enfermidade. Ao estabelecermos essas diferenças, nós conseguiremos analisar os variados comportamentos de uma moléstia a partir do ponto de vista espacial”, detalha Ricardo Cordeiro. O objetivo final da pesquisa como um todo, reforça o médico epidemiologista, é criar métodos e ferramentas que ajudem a orientar políticas públicas que evitem ou ao menos minimizem o espalhamento das doenças. “A importância do projeto está justamente nesse ineditismo. O que se pretende é estender e generalizar o método de análise, de modo que ele incorpore uma grande parte da variabilidade e da diversidade das manifestações epidêmicas”. Atualmente, o projeto está no primeiro de seus oito semestres de duração. As atividades estão sendo financiadas pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).