A idéia do quadro televisivo, conforme Inês, é a mesma que orienta o trabalho mais geral de Bertazzo. O coreógrafo dedica-se a mostrar às pessoas que o movimento é fundamental para a vida, sobretudo para a vida com qualidade. O método desenvolvido por ele, batizado de Reeducação do Movimento, começou a tomar forma nos anos 1970, quando realizou os primeiros trabalhos com os chamados “cidadãos-dançantes”. Estes nada mais eram do que pessoas ditas comuns, de variadas idades e origens sociais, que foram apresentadas ao mundo da dança e que ajudaram a construir espetáculos cênicos. Tal experiência mantinha laços estreitos com um movimento em curso na época, cujo pressuposto era o de que qualquer pessoa poderia fazer arte, e não apenas o artista.
De acordo com a autora da tese, que foi orientada pela professora Cássia Navas Alves de Castro, os primeiros espetáculos de Bertazzo já eram um estímulo à reflexão sobre a sociedade brasileira, bem como acerca das diversas culturas que ela abriga. “As bases teóricas empregadas por ele estão apoiadas, em grande medida, nas idéias das décadas de 50 e 60, quando muitos pensadores se voltaram para o movimento do corpo e sua relação com o entorno. Tais teorias se valeram de métodos surgidos no pós-guerra, como o de Françoise Méziéres, que propôs a reeducação postural como forma de compreender o ser humano em sua globalidade”, explica Inês.
A partir dessas bases, Bertazzo incorporou outros elementos à sua metodologia de ensino da dança. Ele começou a empregar técnicas de fisioterapia, notadamente a coordenação motora e as cadeias musculares das pessoas. E, como era de se esperar, abriu mão do academicismo da dança clássica para privilegiar a liberdade dos movimentos. “Em seu método, ele mesclou aspectos das danças indianas e danças de roda brasileiras e os associou a técnicas de teatro de máscaras orientais e a técnicas de fisioterapia. Com isso, conseguiu trabalhar de maneira ampla uma nova consciência sobre o próprio corpo e sua expressividade”, analisa Inês.
Dois aspectos interessantes do trabalho de Bertazzo, prossegue a pesquisadora, dizem respeito aos materiais e às dinâmicas utilizados por ele durante as aulas. Como a proposta fundamental é mostrar que todos podem dançar, independente de idade ou condição física, o coreógrafo lança mão de objetos triviais que estão ao alcance de qualquer um, como bolas, bastões, tubos de PVC e elásticos. “Esses materiais têm a função de ajudar as pessoas a perceberem que o esqueleto é a estrutura-base do corpo humano e que os músculos têm uma função mais flexível. É a articulação entre ambos que nos permite o movimento”, explica Inês. As atividades executadas a partir desse método, segundo ela, assumem sempre uma característica lúdica e prazerosa.
A experiência de Bertazzo com os “cidadãos-dançantes” não foi o único aspecto analisado pela pesquisadora em sua tese de doutorado. Profunda conhecedora do trabalho do coreógrafo, dado que tem formação em sua metodologia e foi assistente de direção e co-diretora de espetáculos concebidos por ele, Inês também destaca em seu estudo outro elemento fundamental na obra do artista: o envolvimento com projetos de caráter predominantemente social. Nos anos 2000, ele iniciou um trabalho de profissionalização de jovens da periferia urbana, mais especificamente da Favela da Maré, comunidade carente do Rio de Janeiro.
Lá, durante três anos, Bertazzo aplicou o seu método e percebeu que precisava trabalhar novas linguagens para que pudesse atingir a finalidade a que se propunha. Depois de uma bem-sucedida experiência em terras fluminenses, conforme Inês, o coreógrafo transferiu o projeto para São Paulo. Ao longo dessas experiências, ele contou com o apoio financeiro de importantes empresas e entidades, como Petrobras, Votorantim, Natura e Sesc-SP. “Para Bertazzo, essa mudança de elenco, ou seja, a substituição de pessoas de idades e condições socioeconômicas variadas por jovens de setores populares, significou também uma mudança na qualidade e na aplicação do seu método. A razão é que esses jovens tinham, além de qualidades motoras, tempo disponível para ensaiar”, detalha a autora da tese.
Segundo Inês, o método desenvolvido por Bertazzo encontra seguidores tanto no Brasil quanto no exterior. “A maneira de ele entender a dança, como um movimento expressivo, encontra eco em várias partes do mundo. Bertazzo vê o palco como um espaço privilegiado para discutir a sociedade e perceber o que se passa à nossa volta. Esse conceito envolve, obviamente, o espectador”, afirma a pesquisadora. No ano passado, o coreógrafo iniciou uma nova etapa em sua carreira, ao constituir uma companhia profissional, fruto das experiências realizadas com adolescentes de comunidades carentes de São Paulo.
Em entrevista concedida a uma revista de variedades, Bertazzo explicou de maneira bastante simples qual o objetivo central do seu método: “É fazer com que as pessoas explorem os movimentos para alcançar qualidade de vida. Não adianta completar 100 anos. É preciso chegar à terceira idade com saúde e boa forma física”. E completou: “As pessoas se movimentam no piloto automático. A pressa, o excesso de trabalho e as tarefas diárias impõem gestos errados que podem comprometer o corpo, em especial a coluna. Minha proposta é resgatar a forma correta de se mexer”.