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Quando o mágico dialoga com o fantástico
ANTONIO ROBERTO FAVA
Está bem, mãe. Vou fazer a sua vontade. Vou escrever a história do que aconteceu aqui desde a chegada do tio Baltazar”. Assim começa o romance Sombras de Reis Barbudos, de José J. Veiga (1915-1999), objeto principal da dissertação de mestrado de Gregório Foganholi Dantas, O Insólito na Ficção de José J. Veiga, apresentada recentemente junto ao Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp. As pesquisas de Gregório foram financiadas pela Fapesp.
Embora Veiga seja considerado por boa parte da crítica um “escritor fantástico”, os estudos de Gregório, sob orientação da professora Vilma Arêas, concluem que essa definição é, no mínimo, inadequada e inconsistente, como tem aparecido em antologias ou panoramas da ficção brasileira nos últimos 50 anos. “O que acontece de fato é que J.J. Veiga mantém um estreito diálogo com esses dois gêneros: o fantástico e o realismo mágico, pois é um escritor cujos textos apresentam elementos tanto de um quanto de outro gênero”, avalia Gregório. Veiga criou um universo coeso, fundamentado na mesma premissa da construção do insólito, mas rico em suas variadas manifestações e representação de variados conflitos: ingenuidade versus reflexão, liberdade versus opressão, criança versus adulto, e campo versus modernidade.
Autor pouco estudado o que não quer dizer que não tenha sido bastante lido , pode-se concluir, em primeiro lugar, “a inegável condição de Veiga como um dos pioneiros do fantástico no País”, que provoca divergentes leituras por parte de uma crítica ainda desacostumada a essa ficção no Brasil. Em segundo lugar, o vínculo inevitável não apenas de Veiga, mas de todo o chamado boom da ficção nacional das décadas de 60 e 70 notadamente do conto, com a ficção hispano-americana , favoreceu a acomodação de sua obra sob o rótulo de “realismo mágico”.
Para Gregório, o termo fantástico é uma expressão usada principalmente para se referir aos escritores dos séculos 18 e 19, que começam a escrever histórias de terror, como Edgar Alan Poe, Hoffmann, Bram Stocker e Mary Shelley, que escreveu Frankenstein. Nesse tipo de literatura, segundo Gregório, havia sempre a hesitação entre o que é e o que não é fantástico. Principalmente no que se refere à figura do fantasma, colocando o leitor em dúvida será que existe o sobrenatural ou não.
No realismo mágico latino-americano, já no século 20, não existe esse tipo de questionamento, quando o sobrenatural aparece mais integrado à realidade. Um exemplo: Gabriel Garcia Márquez, com o seu Cem Anos de Solidão. Veiga escreveu 15 livros. Todos eles possuem uma boa dose que se denomina fantástico. Na maioria de suas obras, verifica-se a existência de alguns elementos, histórias e enredos que se repetem, “a recorrência de determinados tipos de personagens principalmente infantis e a repetição do mesmo ponto-de-vista narrativo”.
Fábula ou parábola, Sombras de Reis Barbudos é, de acordo com Gregório, uma opressiva história de terror e tensão. Ela é contada sob a ótica de uma criança, Lucas, que descreve as coisas absurdas como os feitos da “Companhia” que se instala na cidade, as proibições impostas, a invasão de urubus e, no final, as pessoas começando a voar. “Voar significa a forma libertadora das pessoas para fugir da opressão. Ou será que é apenas o modo de fugir do problema sem resolução? Ninguém pode mais viver livre, amar e sonhar”, diz Gregório. O livro propõe mais perguntas do que respostas, conclui o pesquisador.
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