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Ex-alunos da Unicamp
agitam o e-business
Jovens que se formaram na Universidade estão à frente de empresas de tecnologia de informação que já movimentam milhões de reais
CLAYTON LEVY
O espírito empreendedor de ex-alunos da Unicamp está demonstrando que ciência também gera riqueza. Recém-saídos da vida acadêmica, eles conseguiram o que para boa parte dos universitários brasileiros ainda é um sonho: montar o próprio negócio, desenvolver novos produtos, gerar empregos e exportar tecnologia. Jovens, eles encabeçam uma geração que está consolidando no País o setor de tecnologia da informação, um mercado que não pára de crescer, devendo movimentar este ano cerca de R$ 15 bilhões.
O baiano Fabrício Bloisi, por exemplo, não se arrepende de, em 1994, ter trocado as praias de Salvador, onde morava com a família, pelo curso de ciências da computação, na Unicamp. Hoje, aos 25 anos, é dono da Compera, uma das líderes no segmento de internet móvel no Brasil, com faturamento de R$ 3,5 milhões previsto para 2002. Junto com o sócio Fábio Póvoa, colega de turma, Bloisi já negocia a venda de seus softwares na Espanha e prepara vôos mais altos.
"Depois de entrar no mercado europeu, queremos exportar para a Ásia", diz. "Nossa meta maior, porém, é o mercado norte-americano", avisa. Considerando os resultados alcançados até agora no Brasil, as palavras de Bloisi não chegam a ser um exagero. A Compera já fornece softwares para 60% das operadoras de telefonia celular no País, entre elas Tess, CTBC Telecom e ATL, incluindo serviços de mensagens curtas (SMS).
A empresa também negocia a transferência de tecnologia para uma companhia telefônica no Peru e se prepara para oferecer serviços de mensagens multimídia (MMS) no Brasil e no exterior. Um dos sucessos mais recentes, porém, resultou de um contrato com a Nextel para implantação de um sistema inédito de internet móvel na Ultragaz, uma das principais engarrafadoras e distribuidoras de gás brasileiras. A novidade, anunciada em julho, permite que a central acompanhe on-line os pedidos de entrega registrados nos caminhões.
Para os ex-alunos, a formação oferecida pela Unicamp foi fundamental para acompanhar a evolução tecnológica que dita o ritmo do mercado. “A universidade nos ensinou a continuar aprendendo sempre”, diz César Gon, que concluiu mestrado em ciência da computação em 1995 e hoje é um dos proprietários da Ci&T, especializada no desenvolvimento de softwares aplicados em tecnologias web. Há apenas sete anos no mercado, a empresa deverá alcançar um faturamento de R$ 15 milhões em 2002. “Competência e um pouco de sorte também contam”, completa.
Ao lado dos sócios Bruno Guiçardi e Fernando Matt, também ex-alunos da Unicamp, Gon planeja uma taxa de crescimento anual acima de 50% nos próximos cinco anos. Para isso, a Ci&T investirá R$ 7,7 milhões até o final de 2003. Quase metade do dinheiro (40%) será destinada para pesquisa e desenvolvimento (P&D). Para realizar o projeto, a empresa conta com o apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que financiará 35% dos investimentos. O restante será bancado com recursos próprios.
Especializada em soluções sob medida, a Ci&T chamou a atenção do mercado ao apresentar, em julho, um software que permite configurar elevadores pela internet. O sistema, encomendado pela Atlas Schindler, possibilita escolher, remotamente, modelos e detalhes, além de fazer uma série de combinações e simulações. A empresa também desenvolveu para a HP, uma das líderes mundiais em produtos de informática, um software para integração da rede de distribuição em toda a América Latina. A carteira de clientes dos ex-alunos inclui, ainda, outros gigantes, como Motorola, Petrobras, Sky e Natura.
Em termos de clientela, a Software Design, outra empresa fundada por ex-alunos, também não tem do que reclamar. Criada em 1987 por estudantes do curso de ciência da computação, a empresa mantém em sua carteira de clientes alguns dos maiores bancos do país. Atuando no mercado de informática corporativa, a firma é pioneira em tecnologia Oracle no Brasil, oferecendo soluções para gestão empresarial e database marketing, especialmente nos segmentos de instituições financeiras, saúde e telecomunicações.
"Aprendemos muito no próprio mercado, mas nossa base está na formação acadêmica", diz Carlos Augusto Leite Netto, um dos fundadores da empresa. "Ninguém sobrevive nesse setor sem capacitação técnica", completa. Ao lado do sócio e colega de turma Carlos André Branco Guimarães, ele tem planos de expandir ainda mais os negócios. Só neste ano, a Software Design está investindo R$ 1 milhão em desenvolvimento de novos produtos e espera um faturamento de R$ 20 milhões. Essa marca, se confirmada, corres-ponderá a um crescimento de 100% em relação ao ano de 2000, quando foram registrados R$ 10,5 milhões.
Entre os produtos de maior sucesso, destaca-se o SDMail, uma solução feita sob medida para o sistema bancário, que permite aos clientes receber informações sobre suas operações de forma criptografada, sem exigir qualquer software especial no computador do usuário. A Software Design também desenvolveu o site da Investa, empresa do grupo Itaú que em junho recebeu o Prêmio E-finance, na categoria "melhor site de distribuição de fundos", conferido pela revista Executivos Financeiros. "Estamos satisfeitos com os resultados obtidos até agora", diz Leite Netto.
Da esfiha com tubaína
no quarto emprestado a um
faturamento de R$ 9 milhões
Além da formação acadêmica, competência, visão de mercado e uma boa dose de ousadia também marcam a trajetória dos ex-alunos que venceram no e-business. "No começo, nosso capital se resumia a dois computadores e uma sala de três metros quadrados", conta Fabrício Bloisi. Hoje, a Compera ocupa um prédio de mil metros quadrados, no bairro Taquaral, onde trabalham 35 funcionários, boa parte deles também ex-alunos da Unicamp.
Bloisi e o sócio, Fábio Póvoa, deram os primeiros passos no ramo empresarial em 1998, pouco antes de concluírem a graduação. Ainda na faculdade, eles criaram a Go Wap Corp, que oferecia soluções em tecnologia internet. Depois de algum tempo na incubadora de empresas do Centro de Desenvolvimento do Pólo de Alta Tecnologia de Campinas (Ciatec), os dois fecharam um contrato com a Robert Bosch, que encomendou um projeto para internet e intranet. A partir daí, a empresa não parou mais de crescer.
O faturamento, que no primeiro ano de atividades foi de R$ 200 mil, saltou para R$ 1,5 milhão em 2001 e deve dobrar este ano. A mudança de nome foi anunciada em fevereiro, quando a firma resolveu desvincular-se da tecnologia WAP para entrar em novos mercados. O nome Compera foi inspirado na palavra latina comperiun, que significa "elucidar".
Natural de Amparo, no Circuito das Águas, César Gon também se surpreende com a trajetória bem-sucedida à frente da Ci&T. "No começo tínhamos apenas nossos PCs em um quarto de fundos numa casa modesta", conta. Hoje, a empresa ocupa um prédio de 1,2 mil metros quadrados no CPqD, é equipada com recursos de última geração, mantém filiais em São Paulo e Rio de Janeiro e conta com 140 funcionários 70% deles oriundos da Unicamp.
Gon diz que a passagem por uma das empresas júniores da Unicamp foi fundamental para sua formação empresarial. "Pude vivenciar a realidade do mercado e aprendi a conciliar conhecimento tecnológico com capacidade administrativa", conta o ex-aluno, que nunca teve carteira assinada. Em apenas cinco anos de 1995, quando começou a funcionar, a 2000 o faturamento da empresa pulou de R$ 75 mil para R$ 6,5 milhões. No ano passado, a Ci&T atingiu a marca dos R$ 9 milhões.
Há mais tempo no mercado, Carlos Augusto Leite Netto começou a estruturar a Software Design em 1987, num pequeno quarto emprestado pelo zelador do edifício onde morava. "A situação era tão difícil que todos os dias, no almoço, dividíamos uma esfiha e uma tubaína comprados na padaria da esquina", conta. Quinze anos depois, a realidade da empresa mudou consideravelmente. Hoje são 180 funcionários trabalhando num prédio de mil metros quadrados, no bairro Nova Campinas, área nobre da cidade. "Mas ainda gostamos de esfiha", brinca.
Ao olhar para trás, Leite Neto recorda de cada detalhe sem perder o bom humor. "No começo, éramos apenas alguns alunos da Unicamp dando cabeçadas", diz. Hoje, aos 37 anos, ele domina o mundo dos negócios e é um dos empresários mais respeitados no setor de e-business. "Mais do que ninguém, sabemos que a formação acadêmica foi fundamental para alcançar o sucesso", afirma. "Assim como nós, temos certeza de que muitos outros alunos também sairão vitoriosos", completa.
"Há um déficit
muito grande
de bons profissionais"
O diretor do Instituto de Computação (IC) da Unicamp, Ricardo Anido, acompanhou de perto toda a trajetória de ex-alunos que alcançaram sucesso no e-business. Foi das salas do IC que muitos deles saíram para conquistar o mundo dos negócios. Sem perdê-los de vista, Anido experimenta um certo orgulho de "pai" e acredita no êxito de outros estudantes, conforme revela nessa entrevista.
Jornal da Unicamp A quê o senhor atribui o sucesso desses ex-alunos?
Ricardo Anido Os alunos da Unicamp, em geral, têm características que considero fundamentais para o sucesso como empresários: espírito independente e capacidade de adaptação, afora o fato de eles já entrarem na universidade com bom preparo devido à grande concorrência no vestibular. Como muitos são de outras cidades, têm que aprender a resolver os problemas coti-dianos desde que chegam à Uni-camp: aluguel, convivência com outros moradores, gerência de seu orçamento, compras de supermercado, etc. Pode parecer estranho que eu ressalte essas atividades na formação dos alunos, mas é um aprendizado inestimável para o seu crescimento como cidadãos e futuros empreendedores. Obviamente, a sólida formação básica que o curso oferece é imprescindível nesse processo, garantindo que o profissional tenha mais facilidade para se reciclar continuamente.
P O senhor acredita que o setor de e-business no Brasil conseguirá absorver a mão-de-obra especializada no mesmo ritmo em que as universidades formam os futuros profissionais? Ou seja: há espaço para todos?
R Certamente, desde que as soluções sejam desenvolvidas aqui mesmo no país, e não importadas. Há um déficit muito grande de bons profissionais no mercado.
P As universidades públicas, de um modo geral, estão oferecendo formação adequada para atender às necessidades do mercado de trabalho nessa área?
R A nossa melhor resposta são os nossos alunos, que são muito procurados pelo mercado de trabalho. Mas a formação, apesar de muito boa, não é ideal, na minha opinião. Eu gostaria de garantir que os alunos estudassem mais e se dedicassem ainda mais às disciplinas do curso. O IC busca constantemente a melhoria dos currículos de seus dois cursos de graduação (Engenharia de Computação, em cooperação com a FEEC, e Ciência da Computa-ção); uma boa parte dos créditos nos nossos cursos são de dis-ciplinas eletivas, que podem ser cursadas em outras unidades. Mas há alguma dificuldade em os alunos conseguirem matrícula em disciplinas de outros cursos a universidade se compartimentalizou demais. Creio que devemos procurar uma maior integração entre as diferentes áreas na universidade, pois a multidisciplinaridade, principalmente em computação, é essencial.
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